COMENTÁRIO

As boas e más notícias sobre a indicação de estatinas para a prevenção primária em idosos

Dr. Mauricio Wajngarten

Notificação

20 de janeiro de 2023

Uma dúvida terrível: devo prescrever estatinas para a prevenção primária de doenças cardiovasculares (DCV) em idosos com mais de 80 anos?

Os dados são conflitantes. Uma publicação recente [1] de recomendações da U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF) concluiu que “as evidências atuais não são suficientes para avaliar o equilíbrio entre os benefícios e os danos de iniciar uma estatina para a prevenção primária de eventos de DCV e mortalidade em adultos com 76 anos ou mais”.  

Os três comentários relacionados às recomendações são discordantes: 

(...)as análises de evidências confirmam que o benefício do tratamento com estatina é maior naqueles com maior risco estimado de DCV em 10 anos do que naqueles com menor risco; finalmente, a USPSTF endossa a tomada de decisão compartilhada em todo o espectro de suas recomendações.”[2]

(...)a USPSTF apresenta uma atualização das recomendações de 2016 com base em um relatório de evidências atualizado e as recomendações de tratamento resultantes para o uso de estatinas na prevenção primária permaneceram praticamente inalteradas.[3]

“(...) as recomendações de 2022 parecem praticamente inalteradas em relação às recomendações de 2016. (...) a força-tarefa conclui que não há evidências suficientes para avaliar completamente os danos e os benefícios líquidos de iniciar estatinas em adultos de 76 anos ou mais, independentemente do risco estimado de evento cardiovascular em 10 anos ou da presença de fatores de risco.” (...) “Muitas das advertências e preocupações observadas no editorial que acompanha as recomendações da USPSTF de 2016 ainda estão presentes nas recomendações de 2022. (...) Conforme observado anteriormente, uma metanálise de estatinas para pacientes recebendo prevenção primária de alto risco não encontrou nenhum benefício na mortalidade por todas as causas.” (...) “deve-se considerar a redução gradual de estatinas para adultos com 76 anos ou mais, idosos que provavelmente não obterão benefícios das estatinas para prevenção primária e indivíduos que correm o risco de polifarmácia devido a medicamentos tomados para outras doenças”. [4]

Uma publicação muito recente [5] utilizou três revisões sistemáticas com publicações até janeiro de 2021 para responder a três questões complexas relacionadas à prevenção primária nos indivíduos com mais de 80 anos: (a) impacto da hipercolesterolemia sobre mortalidade e eventos cardiovasculares adversos maiores; (b) eficácia das estatinas para prevenir eventos cardiovasculares nessa faixa etária; (c) segurança e tolerância de estatinas nesta população.

Em resumo, concluiu que “na ausência de evidências convincentes, o benefício das estatinas na prevenção primária para pacientes muito idosos não é comprovado. A sua prescrição neste contexto deve ser considerada apenas caso a caso, tendo em consideração o estado fisiológico, comorbilidades, nível de risco e expectativa de vida. Ensaios específicos são obrigatórios”.

Por outro lado, uma revisão sistemática comparou o uso versus não uso de estatinas para prevenção primária de DCV em idosos com ≥ 65 anos. [6] Concluiu que o uso de estatinas nos idosos foi benéfico, pois foi relacionado a reduções de 46% do risco de mortalidade por todas as causas, de 49% do risco de mortalidade por doença cardiovascular, de 17% do risco de doença coronária/infarto agudo do miocárdio, de 21% do risco de acidente vascular cerebral e de 25% do risco eventos cardiovasculares totais.

Em 2020, foi publicada no periódico Journal of the American College of Cardiology uma avaliação sobre a associação entre as estatinas, a sobrevida livre de demência e de incapacidade e a doença cardiovascular em adultos com ≥ 70 anos, saudáveis, residentes na comunidade, usando dados do ensaio ASPREE (Aspirin in Reducing Events in the Elderly). [7] O estudo concluiu que o uso de estatinas pode ser benéfico para prevenir incapacidade física e DCV, mas não para prolongar a sobrevida livre de incapacidade ou evitar a morte ou a demência. Um editorial relacionado, que inspirou o presente artigo no Medscape, elogia a contribuição, mas também salienta a falta de resultados derivados de estudos prospectivos randomizados e controlados. [8]

Implicações

O que podemos aprender a partir da literatura? Do ponto de vista acadêmico e teórico, os argumentos e análises apontam para possíveis falhas metodológicas e dos critérios de avaliação de riscos. Isso é fascinante, mas promove controvérsias.

Do ponto de vista prático, diante dos pacientes, resta optar pela conduta individualizada e pela decisão compartilhada. As recomendações das diretrizes europeias de prevenção [9] para idosos aparentemente sadios são úteis:  

Combater o tabagismo, recomendar estilo de vida saudável e reduzir a pressão arterial sistólica a níveis inferiores a 160 mmHg, (classe I); aplicar SCORE2-OP (e LIFETIME RISK para facilitar a comunicação das recomendações), compartilhar as decisões sobre o controle agressivo da pressão arterial e a redução dos níveis de colesterol, considerando riscos/benefícios, comorbidades, fragilidade, polifarmácia e as preferencias do paciente; tratamento específico de outros fatores de risco, individualizando objetivos e intervenções.

Enfim, qual é a boa notícia? Temos dois ensaios clínicos em andamento que poderão trazer as evidências tão aguardadas. A má notícia? Eles foram retardados pela pandemia e temos que aguardar a finalização do PREVENTABLE [10] em 2026 e do STAREE-HEART [11]em 2025.  

Paciência! Já esperamos tanto...

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