Na prática clínica, frequentemente atendemos pacientes que buscam ou já utilizam tratamentos complementares ou alternativos para mitigar cardiopatias. A insuficiência cardíaca, desfecho comum de várias cardiopatias, tem grande impacto tanto na qualidade de vida como na taxa de mortalidade. Não surpreende, portanto, que esses pacientes depositem esperanças em tratamentos não convencionais.
Ciente disso, a American Heart Association (AHA) publicou uma oportuna declaração científica com recomendações em relação aos tratamentos complementares e alternativos para a insuficiência cardíaca. [1] Compartilho abaixo os principais pontos do documento resumidos e publicados no site do American College of Cardiology (ACC): [2]
Tratamentos complementares e alternativos geralmente não são regulamentados e as evidências clínicas sobre a segurança e eficácia dessas estratégias no contexto da insuficiência cardíaca são limitadas.
As terapias complementares e alternativas são divididas em quatro grupos:
práticas de base biológica: extratos botânicos, vitaminas, suplementos alimentares etc.;
terapias energéticas;
métodos manipulativos e baseados no corpo; e
medicina mente-corpo.
A fabricação dos produtos usados nas práticas de base biológica não é devidamente supervisionada, portanto a qualidade desses produtos pode variar.
Essas estratégias terapêuticas não devem substituir os tratamentos convencionais. Os pacientes devem ser informados sobre eventuais riscos e interações medicamentosas.
Tratamentos considerados potencialmente benéficos
A coenzima Q10 tem uso incerto pela falta de evidências robustas de seus benefícios.
Ácidos graxos poliinsaturados ômega-3 podem melhorar a função ventricular e controlar a evolução de cardiopatias, porém podem causar sintomas gastrointestinais e, em doses mais altas, fibrilação atrial.
Devido à falta de evidência de benefício clínico, a suplementação de tiamina (vitamina B1) e de vitamina D não é recomendada para pacientes com insuficiência cardíaca sem deficiência clinicamente significativa.
Tai chi chuan e ioga são terapias complementares seguras para pacientes com insuficiência cardíaca e podem melhorar o estado funcional, a qualidade de vida e o humor desses pacientes.
Tratamentos com segurança incerta
O consumo de bebidas alcoólicas por pacientes com insuficiência cardíaca tem efeitos mistos. Alguns dados observacionais sugerem que o uso leve a moderado (≤ 2 doses/dia para homens e ≤ 1 doses/dia para mulheres) pode reduzir o risco de incidência de insuficiência cardíaca, mas o consumo habitual ou abusivo pode causar cardiotoxicidade, cardiomiopatia e fibrilação atrial em pacientes com hipertensão arterial sistêmica e hipertrofia ventricular.
O consumo moderado de cafeína (< 300–400 mg/dia) é geralmente seguro, mas pode contribuir para o risco de taquiarritmias, especialmente em caso de excesso (> 500 mg em 5 horas).
Extratos de hawthorn berry (fruto do espinheiro-branco, do gênero Crataegus) tem efeito cardiotônico, mas pode ter interações medicamentosas com a digoxina.
A L-arginina é um aminoácido usado na síntese de óxido nítrico, porém pode elevar a mortalidade em idosos por infarto agudo do miocárdio.
Tratamentos potencialmente prejudiciais
O gossipol é um polifenol capaz de reduzir os níveis de potássio sérico, mas seu uso pode levar à hipocalemia e às suas consequências.
O consumo de suco de grapefruit (toranja) pode afetar a ação de certos medicamentos, como amiodarona, carvedilol, dofetilide, losartana e sotalol. A interação com fármacos antiarrítmicos pode levar ao prolongamento do intervalo QT.
O uso de derivados do alcaçuz preto pode levar ao excesso de mineralocorticoides e resultar em retenção de sódio, hipocalemia, hipertensão arterial sistêmica e parada cardíaca.
Plantas como lírio-do-vale, espirradeira, estrofanto contêm glicosídeos cardioativos — a ouabaína, por exemplo — encontrados em vários vegetais e, como a digoxina, podem causar sintomas de toxicidade, incluindo náuseas, palpitações e distúrbios visuais.
A vitamina E tem sido associada ao aumento dos riscos de insuficiência cardíaca e de hospitalização associada quando consumida em doses ≥ 400 UI/dia.
Implicações práticas
Esse resumo abrange os tratamentos não convencionais usados com maior frequência pelos pacientes com insuficiência cardíaca. Vemos que, de modo geral, os tratamentos de base biológica (extratos botânicos, vitaminas, suplementos alimentares etc.) estão mais associados a problemas do que a benefícios. Diante disso, bem como da carência de evidências de benefícios e da falta de controle de qualidade para esses produtos, tenho restrições à indicação de seu uso.
Por outro lado, a experiência me ensinou a entender melhor a justificada demanda dos pacientes e, assim, tenho procurado explicar as limitações desses tratamentos e compartilhar o embasamento das decisões. Nesse sentido, as recentes recomendações da AHA são de grande utilidade.
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Citar este artigo: Terapias complementares e alternativas para pacientes com IC: declaração científica da AHA - Medscape - 18 de janeiro de 2023.
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