'Primeiro os bisfosfonatos, depois o denosumabe': ACP atualiza diretrizes para prevenção de fraturas na osteoporose primária ou osteopenia

Marlene Busko

11 de janeiro de 2023

A partir de uma revisão sistemática das evidências disponíveis, o American College of Physicians (ACP) atualizou suas diretrizes para o uso de estratégias farmacológicas para a prevenção do risco de fratura em adultos com osteoporose primária ou osteopenia.

Entre outras recomendações, a primeira atualização das diretrizes desde 2017 traz uma forte recomendação (1a) do uso de bisfosfonatos como primeira linha terapêutica para mulheres no climatério com osteoporose primária. A mesma conduta é recomendada em caráter condicional (1b) para homens com osteoporose primária.

A autora do editorial que acompanha a publicação, Dra. Susan M. Ott, médica, comentou, no entanto, que: "A decisão de iniciar o [uso de] bisfosfonato na verdade não é tão simples.” E questionou algumas outras recomendações do ACP.

O editorial, as diretrizes (por Dr. Amir Qaseem et al.) e a revisão sistemática (por Chelsea Ayers et al.) foram simultaneamente publicados em 03 de janeiro no periódico Annals of Internal Medicine.

Revisão sistemática

A revisão das evidências foi encomendada pelo ACP em função da emergência de dados mais atuais de eficácia de novos medicamentos para osteoporose e osteopenia, tratamento de homens e comparações entre tratamentos.

Os autores da revisão identificaram 34 ensaios clínicos controlados e randomizados (em 100 publicações) e 36 estudos observacionais, que avaliaram as seguintes intervenções farmacológicas:

  • Medicamentos antirreabsortivos: quatro bisfosfonatos (alendronato, ibandronato, risedronato, zoledronato) e um inibidor do ligante de RANK (denosumabe);

  • Medicamentos anabolizantes: um análogo da proteína relacionada ao paratormônio (PTHrP, sigla do inglês parathyroid hormone-related protein) humano (abaloparatida), uma forma recombinante do paratormônio humano (teriparatida) e um inibidor de esclerostina (romosozumabe);

  • Agonistas do estrogênio: moduladores seletivos de receptores de estrogênio (bazedoxifeno, raloxifeno).

Os autores se concentraram na avaliação da eficácia e dos prejuízos dos medicamentos em uso versus placebo ou bisfosfonatos.

Principais modificações nas diretrizes de 2017 e algumas perguntas

"Embora haja muitas modificações sutis nesta versão [diretriz de 2023], talvez a principal seja a hierarquia explícita das recomendações farmacológicas: primeiro os bisfosfonatos, depois o denosumabe", explicou por e-mail ao Medscape o Dr. Thomas G. Cooney, médico e autor sênior da diretriz clínica.

"Os bisfosfonatos apresentaram o equilíbrio mais favorável entre custo, benefícios, prejuízos e valores e preferências do paciente entre os medicamentos examinados em mulheres menopausadas com osteoporose primária", observou o Dr. Thomas, professor de medicina na Oregon Health & Science University, nos Estados Unidos, conforme consta na diretriz.

"O denosumabe também apresentou benefício concreto em longo prazo, mas os bisfosfonatos são muito mais baratos do que outros tratamentos farmacológicos e estão disponíveis em formulações genéricas", segundo o documento.

A nova diretriz sugere o uso do denosumabe como farmacoterapia de segunda linha em adultos que apresentem contraindicações ou eventos adversos com os bisfosfonatos.

A escolha do bisfosfonato (entre alendronato, risedronato e ácido zoledrônico) seria baseada em uma discussão entre médico e paciente centrada no paciente, abordando custos (muitas vezes relacionados ao plano de saúde), preferência da via de administração (oral versus endovenosa) e "valores", o que inclui as prioridades, preocupações e expectativas do paciente em relação aos seus cuidados de saúde, explicou o Dr. Thomas.

Outra atualização na nova diretriz é "também esclarecer o papel específico, embora mais limitado, dos inibidores de esclerostina e do paratormônio recombinante na redução do risco de fraturas apenas em mulheres com osteoporose primária com risco muito alto de fratura", observou o médico.

Além disso, a diretriz agora orienta o "tratamento com a finalidade de reduzir o risco de fraturas em homens, em vez de se limitar à [abordagem da] 'fratura vertebral' em homens", como na recomendação de 2017.

O documento também elenca explicitamente o denosumabe como terapia de segunda linha para homens, observou o Dr. Thomas. Porém, como em 2017, a força das evidências em homens permanece baixa.

"Finalmente, também esclarecemos que em mulheres com mais de 65 anos com osteopenia deve ser escolhida uma estratégia individualizada para o tratamento (semelhante à última diretriz); porém, se o tratamento for iniciado, deve ser usado um bisfosfonato (novo conteúdo)", recomendou ele.

O uso de estrogênio, a duração do tratamento, a interrupção do uso do medicamento e o monitoramento seriado da densidade mineral óssea não foram abordados nesta diretriz, mas provavelmente serão avaliados dentro de dois a três anos.

Editorial — “Osteoporosis Treatment: Not Easy

Em seu editorial, a Dra. Susan escreveu: "Os dados sobre os bisfosfonatos podem parecer extremamente positivos, levando a fortes recomendações para seu uso no tratamento da osteoporose, mas a decisão de iniciar [a administração de] um bisfosfonato na verdade não é tão fácil".

"Uma forte recomendação deve ser feita apenas quando for pouco provável que estudos futuros a alterem", continuou a professora de medicina na University of Washington, nos Estados Unidos.

"No entanto, os dados já sugerem que, em pacientes com osteoporose grave, o tratamento deve começar com medicamentos anabolizantes, porque o tratamento anterior com bisfosfonatos ou denosumabe impedirá a resposta anabólica de medicamentos mais novos."

"Começar com o bisfosfonato modificará o osso de modo que ele não responderá aos medicamentos mais novos, e então o paciente perderá a chance de obter a máxima melhora [possível]", esclareceu a Dra. Susan em um e-mail ao Medscape.

Mas, de fato, a nova orientação sugere que, para reduzir o risco de fraturas em mulheres com osteoporose primária com risco muito alto de fratura, deve-se considerar o uso do inibidor de esclerostina romosozumabe (evidência de segurança moderada) ou o paratormônio humano recombinante teriparatida (evidência de segurança baixa) seguido de um bisfosfonato (recomendação condicional).

A Dra. Susan sugeriu: "Se o risco [de fratura] for alto, devemos começar com um medicamento anabolizante por um a dois anos. Se o risco for médio, use um bisfosfonato por até cinco anos e depois pare e monitore o paciente em relação a sinais de que o medicamento está diminuindo seu efeito", baseando-se em exames de sangue e urina.

"Precisamos de medicamentos que interrompam o envelhecimento ósseo"

A osteopenia é definida por uma medição arbitrária da densidade óssea, explicou a Dra. Susan. "Cerca de metade das mulheres com mais de 65 anos têm osteopenia, e aos 85 anos quase não restam mulheres ‘normais’”.

"Precisamos de medicamentos que interrompam o envelhecimento ósseo, o que pode parecer impossível, mas ainda assim devemos tentar", continuou.

"Neste intervalo, enquanto aguardamos novidades", disse ela, "eu não usaria bisfosfonatos em pacientes que ainda não tenham sofrido uma fratura ou cujo escore T de densidade óssea seja melhor que −2,5, porque no estudo principal o alendronato não foi capaz de prevenir contra fraturas neste grupo [de pacientes]".

Muitas pessoas estão preocupadas com os bisfosfonatos devido a problemas na mandíbula ou no fêmur. Esses prejuízos são reais, mas muito raros durante os primeiros cinco anos de tratamento, observou a Dra. Susan. Então o risco começa a aumentar, chegando a > 1 a cada 1.000 pacientes após oito anos. Assim, as pessoas podem obter os benefícios desses medicamentos com risco muito baixo por cinco anos.

"Uma atualização imediata [da diretriz] é necessária para abordar a gravidade da perda óssea e o alto risco de fraturas vertebrais após a interrupção do [tratamento com] denosumabe", alertou a médica.

"Não concordo com o uso de denosumabe para osteoporose como tratamento de segunda linha", enfatizou a Dra. Susan. "Eu o usaria apenas em pacientes com câncer ou reabsorção óssea anormalmente alta. O paciente deve receber uma dose rigorosamente a cada seis meses e, se precisar parar, é recomendável tratar com bisfosfonatos. O denosumabe é uma escolha ruim para alguém que não quer tomar um bisfosfonato. Muitos pacientes e até mesmo muitos médicos não percebem o quão sério pode ser pular uma dose."

"Também acho que os homens podem ser tratados com medicamentos anabolizantes", continuou ela. “Ensaios clínicos mostram que eles respondem da mesma forma que as mulheres. Muitos homens têm osteoporose como consequência do baixo nível de testosterona, e geralmente podem ser tratados com o hormônio. A osteoporose nos homens é um problema sério que muitas vezes é ignorado — quase uma discriminação reversa."

Também é lamentável que a revisão e as recomendações não abordem o uso de estrogênio, um dos medicamentos mais eficazes para prevenir fraturas decorrentes da osteoporose, segundo a Dra. Susan.

Outras considerações clínicas

A nova diretriz também recomenda:

  • Médicos que tratam adultos com osteoporose devem incentivar a adesão aos tratamentos recomendados e a hábitos de vida saudáveis, incluindo exercícios e orientação para avaliar e prevenir quedas.

  • Todos os adultos com osteopenia ou osteoporose devem ingerir quantidade adequada de cálcio e vitamina D, como parte da prevenção de fraturas.

  • Os médicos devem avaliar o risco inicial de fratura com base em informações como densidade óssea, história de fratura, fatores de risco para fratura e resposta a tratamentos anteriores para osteoporose.

  • As evidências atuais sugerem que mais de três a cinco anos de terapia com bisfosfonatos reduz o risco de novas fraturas vertebrais, mas não de outras fraturas; no entanto, também aumenta o risco de prejuízos em longo prazo. Portanto, os médicos devem considerar a interrupção do tratamento com bisfosfonatos após cinco anos, a menos que o paciente tenha uma forte indicação para a continuação do tratamento.

  • A decisão de interromper o uso de bisfosfonato (descontinuação temporária) e a duração deste intervalo devem ser baseadas no risco inicial de fratura, na meia-vida do fármaco no tecido ósseo e nos benefícios e malefícios.

  • Às mulheres que interrompem o tratamento com um medicamento anabolizante, deve ser recomendado um agente antirreabsortivo a fim de preservar os ganhos e devido ao sério risco de rebote e de múltiplas fraturas vertebrais.

  • Adultos com mais de 65 anos e com osteoporose podem ter risco aumentado de quedas ou outros eventos adversos devido às interações medicamentosas.

  • Indivíduos transexuais têm risco variável de osteopenia.

A revisão e a diretriz foram financiadas pelo American College of Physicians (ACP). A Dra. Susan M. Ott informou não ter conflitos de interesse relevantes. Os conflitos de interesse financeiros relevantes dos outros autores estão elencados na diretriz e na revisão.

Annals of Internal Medicine. Publicado on-line em 02 de janeiro de 2023. Diretriz, Revisão, Editorial

Este conteúdo foi traduzido e adaptado do artigo New Osteoporosis Guideline Says Start With a Bisphosphonate publicado no Medscape.

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