PrEP: estudo aponta bons resultados na América Latina

Clarinha Glock

9 de janeiro de 2023

O início imediato da profilaxia pré-exposição (PrEP, sigla do inglês Pre-Exposure Prophylaxis) ao vírus da imunodeficiência humana (VIH) é viável na América Latina, tem baixas taxas de interrupção do acompanhamento e alta adesão ─ tanto terapêutica quanto ao acompanhamento médico prolongado. Entretanto, determinantes sociais e estruturais de vulnerabilidade em relação à infecção pelo VIH precisam ser consideradas e abordadas para assegurar a eficácia plena da PrEP. Estas são as principais conclusões de um estudo realizado de 2018 a 2021 em 14 serviços públicos de saúde no Brasil, quatro no México e 10 no Peru, com 9.509 participantes.

Os resulatos da pesquisa, que integra o projeto ImPrEP (estudo de implementação da PrEP), [1] foram publicados com destaque na edição de 21 de dezembro de 2022 do periódico The Lancet HIV. [2]

A PrEP é uma das medidas de prevenção combinada e consiste no uso de antirretrovirais para reduzir o risco de infecção pelo VIH. A eficácia da PrEP oral, composta de fumarato de tenofovir desoproxila + entricitabina, está relacionada à adesão terapêutica (doses diárias) e a outras medidas de proteção, como o uso de preservativos e gel lubrificante.

O ImPrEP foi desenvolvido em 2018 com o objetivo de subsidiar a criação de serviços integrados de controles clínicos, instrução e educação de pares, diagnóstico e tratamento de infecções sexualmente transmissíveis (IST), além de orientar e oferecer acompanhamento psicológico a quem adere a PrEP. O projeto é realizado pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz (INI/Fiocruz) em parceria com o Ministério da Saúde do Brasil; Universidad Peruana Cayetano Heredia, no Peru; Clínica Condesa e Instituto Nacional de Salud Pública, ambos no México.

Dos 9.509 participantes do estudo, 795 (8,4%) interromperam o acompanhamento e 6.477 (68,1%) aderiram a PrEP. Destes, 5.783 (70,3%) fizeram uso prolongado dos medicamentos. Travestis e mulheres transgênero, participantes entre 18 e 24 anos e aqueles com baixa escolaridade (até o ensino fundamental) tiveram mais chances de abandono precoce do acompanhamento e menos chances de adesão à PrEP e de continuação da medida em longo prazo. A incidência de sífilis foi de 10,09/100 pessoas-ano. As prevalências de infecção retal por clamídia e gonorreia verificadas no início do estudo foram de 9,2% e 11,8%, respectivamente, e diminuíram ao longo do estudo.

“Constatamos que o autorrelato precoce sobre a adesão, no início do uso da PrEP, é um indicativo de se a pessoa vai aderir [às medidas profiláticas] ao longo do tempo ou não”, disse a infectologista Dra. Valdiléa Veloso, primeira autora do estudo e diretora do INI/Fiocruz. Outro aspecto salientado pela médica foi o alto número de casos de ISTs entre os participantes. Para a Dra. Valdiléa, o ImPrEP contribuiu para ressaltar a necessidade de incorporar a testagem molecular para o diagnóstico de clamídia e gonorreia pelo Sistema Único de Saúde (SUS), já que estes exames são caros e ainda não estão disponíveis na rede pública de saúde. “Como a maior parte das ISTs são assintomáticas, os médicos precisam ficar atentos para detectar precocemente estas doenças”, afirmou.

Apesar de o estudo ter identificado a presença das ISTs, não houve compensação de risco, ou seja, o uso da PrEP não aumentou o número de infecções. No entanto, ficou nítida a disparidade dos desfechos das pessoas com menor grau de instrução ou mais discriminadas nos serviços de saúde em função de seu gênero e/ou raça, observou a Dra. Valdiléa. A incidência de infecções por VIH foi muito baixa, mas foi maior nas populações mais vulneráveis e com baixa adesão à PrEP.

Uma das inovações do estudo foi não aguardar os resultados de exames de carga viral e função renal para iniciar a PrEP. Os interessados começaram a tomar os medicamentos no mesmo dia em que procuraram os serviços de saúde. Caso o resultado dos exames fosse positivo para VIH, era adicionado entre os fármacos administrados o dolutegravir, para tratamento antirretroviral.

O Brasil adotou a PrEP oral como política pública contra o VIH em 2017. Em dezembro de 2022, o Ministério da Saúde emitiu a Nota Técnica nº 563/2022 acrescentando a utilização da PrEP sob demanda, conhecida como PrEP 2-1-1, como alternativa para homens cisgênero e mulheres transgênero que não estiverem em uso de hormônios à base de estradiol [3] nem mantenham uma frequência de relações sexuais menor que duas vezes por semana, planejada ou espontânea.

Atualizado em 2022, o “Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Profilaxia Pré-Exposição de Risco à Infecção pelo HIV[4] trouxe uma mudança na posologia inicial, com a inclusão da dose de ataque de dois comprimidos de fumarato de tenofovir desoproxila + entricitabina no primeiro dia de uso, seguida de um comprimido diário, além de modificações no acompanhamento laboratorial da PrEP. Também estendeu a recomendação da profilaxia a todos os adultos e adolescentes a partir de 15 anos com peso corporal igual ou superior a 35 kg, que sejam sexualmente ativos e tenham risco elevado de infecção por VIH.

Segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2011 e 2021, 52.513 jovens com VIH entre 15 e 24 anos, de ambos os sexos, evoluíram para síndrome da imunodeficiência adquirida, o que demonstra a importância de ampliar as campanhas e orientações para a vinculação desta faixa da população aos serviços, tendo em vista sua adesão à terapia antirretroviral. Em 2021, a razão de sexos entre jovens de 15 a 24 anos foi de 36 homens para 10 mulheres no Brasil. [5]

Em 2023, o ImPrEP vai iniciar um novo estudo, desta vez somente no Brasil, sobre a utilização da PrEP injetável de longa duração com o medicamento cabotegravir. Denominada ImPrEP CAB Brasil, a pesquisa será realizada com uma população de minorias sexuais e de gênero, incluindo gays, bissexuais, outros homens que fazem sexo com homens, travestis, mulheres transgênero e pessoas não binárias, com idade entre 18 e 30 anos, em seis centros brasileiros, sob a coordenação da Dra. Beatriz Grinsztejn, médica infectologista e pesquisadora no INI/Fiocruz. O cabotegravir injetável poderá ser uma opção para pessoas com maior dificuldade de adesão à PrEP oral, observou a Dra. Valdiléa.

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