Uma análise aprofundada dos motivos para os desfechos do câncer de mama serem geralmente piores nas mulheres negras do que nas mulheres brancas, asiáticas ou hispânicas foi referida como "uma das apresentações mais importantes" do San Antonio Breast Cancer Symposium (SABCS) de 2022.
O comentário foi do Dr. Eric Winer, médico especialista em câncer de mama, diretor do Yale Cancer Center e médico-chefe no Smilow Cancer Hospital, Estados Unidos, que deu congratulou os novos achados.

Dra. Yara Abdou
A disparidade racial nos desfechos do câncer de mama "ainda é um grande desafio para a saúde", visto que os dados atuais mostram que a incidência de câncer de mama em mulheres negras estadunidenses é 4% menor, mas a mortalidade pela doença é 40% maior do que em mulheres brancas, disse a apresentadora do estudo, Dra. Yara Abdou, médica e professora assistente no Lineberger Comprehensive Cancer Center da University of North Carolina nos EUA.
A Dra. Yara mencionou uma nova análise dos dados do ensaio clínico RxPONDER, feito com mais de 4.000 mulheres com câncer de mama positivo para receptores hormonais (HR+, sigla do inglês hormone receptor positive) e negativo para o oncogene HER2 (HER2-), com até três linfonodos positivos.
O estudo mostrou que a sobrevida livre de doença invasiva em cinco anos foi menor para mulheres negras, com 87,2% versus mais de 90% nos demais grupos raciais. Resultados semelhantes foram observados ao olhar para a sobrevida livre de recidiva a distância.
As mulheres negras tiveram “desfechos piores do que as mulheres brancas, independentemente da pontuação de recidiva, do braço de tratamento e do grau de doença”, disse a Dra. Yara. No entanto, o ajuste pelo índice de massa corporal (IMC) “parece diminuir esse efeito”, observou.
Ainda que a diferença de desfechos entre mulheres negras e as de outros grupos raciais tenha sido significativa após controle por idade, estado menopausal, grau de doença, braço do tratamento e pontuação de recidiva, isso não se manteve após o acréscimo do IMC na análise, embora tenha restado uma diferença numérica.
As mulheres negras tiveram maior probabilidade de ter alto IMC do que as mulheres dos outros grupos. Um IMC > 30 kg/m2 é considerado obesidade. Entre as participantes do estudo, 27% das mulheres negras tinham IMC = 30 a 34 kg/m2, e 35% tinham IMC > 35 kg/m2, em comparação a apenas 6% e 2% das mulheres asiáticas, 21% e 18% das mulheres brancas e 22% e 16% das mulheres hispânicas.
A Dra. Yara comentou que o efeito alterador do IMC nos desfechos pode indicar que os marcadores pró-inflamatórios “sejam diferentes em [mulheres] negras e brancas”.
Ao olhar para o tratamento que as mulheres receberam, a Dra. Yara observou que houve diferenças entre os grupos em termos de quimioterapia, mas que a proporção de tratamento endócrino foi semelhante. A pesquisadora disse que ainda não é possível tirarmos “conclusões definitivas sobre as diferenças raciais no benefício do tratamento, dado o número limitado de eventos” na coorte de pacientes negras.
A Dra. Yara observou que as mulheres negras foram mais propensas do que as mulheres brancas a aceitarem o tratamento que lhes foi designado, em 93% vs. 86% (p = 0,004), e tiveram uma probabilidade ligeiramente maior de permanecer em tratamento endócrino após seis meses (98% vs. 96,6%) e após 12 meses (96% vs. 94,8%). Portanto, é menos provável que qualquer diferença de resultado “seja atribuível à falta de adesão ao tratamento no primeiro ano”, comentou.
Convidada a levantar hipóteses sobre o que está por trás dessas diferenças, a pesquisadora disse que provavelmente há “uma compilação de fatores, incluindo fatores fisiológicos e não fisiológicos”, bem como possíveis diferenças na adesão após o primeiro ano de tratamento e potencial resistência ao tratamento endócrino.
As participantes negras da pesquisa também apresentaram maior grau de doença ao início do estudo, particularmente quando comparadas às mulheres asiáticas (18% negras vs. 10% brancas vs. 7% asiáticas).
A Dra. Yara disse ao Medscape que “sabemos que as mulheres negras apresentam uma fisiopatologia mais agressiva em relação ao câncer de mama”, mas não houve diferença na pontuação de recidiva entre as mulheres negras e as dos outros grupos. Assim, ela pensa que os números mais altos simplesmente "refletem a fisiopatologia da doença" nas mulheres negras.
No entanto, a Dra. Virginia Kaklamani, médica, codiretora do San Antonio Breast Cancer Symposium e líder no Breast Cancer Program do UT Health San Antonio Cancer Center, comentou para o Medscape que a doença é “subjetiva”.
“Quando conversamos com um patologista e entregamos as lâminas [com as amostras], eles vão classificá-las de forma diferente, de modo que isso é sempre motivo de preocupação.” Consequentemente, a Dra. Virginia sempre olha para a pontuação de risco genético para “conhecer a fisiopatologia do tumor”.
Reagindo à apresentação no Twitter, a Dra. Puneet Singh, médica e professora assistente no Department of Breast Surgical Oncology do University of Texas MD Anderson Cancer Center nos EUA, sugeriu que os pesquisadores “precisam realmente se aprofundar na fisiopatologia tumoral e nos determinantes sociais da saúde para entender melhor” os desfechos.
Detalhes do estudo
O ensaio clínico RxPONDER foi projetado para avaliar a utilidade clínica do ensaio de expressão gênica de 21 tumores (Oncotype DX) em mulheres com câncer de mama positivo para receptores hormonais e HER2−, com um a três linfonodos positivos.
As mulheres que tiveram uma pontuação de recidiva no Oncotype DX de 25 ou menos, caraterizada como baixo risco, foram então aleatoriamente designadas à quimioterapia seguida de tratamento endócrino ou ao tratamento endócrino isolado.
Como publicado pelo Medscape, os resultados mostraram que o benefício da quimioterapia diferiu por estado menopausal, com as mulheres no período pós-menopausa não tendo nenhum benefício adicional do acréscimo da quimioterapia ao tratamento endócrino, enquanto as mulheres que estavam no climatério tiveram um benefício.
Para esta última análise, Dr. Yara e colaboradores estudaram 4.048 mulheres do ensaio clínico com raça ou etnia conhecidas, representadas por 2.833 (70%) mulheres brancas não hispânicas, 248 (6,1%) mulheres negras não hispânicas, 610 (15,1%) hispânicas e 33 (0,8%) de povos originários das ilhas do Pacífico. (Este último grupo foi excluído da análise de sobrevida devido ao pequeno número de pacientes e eventos.)
Ao olhar para os desfechos, os resultados mostraram que as mulheres negras tiveram uma sobrevida livre de doença invasiva em cinco anos de 87,2% vs. 91,5% entre as pacientes brancas, 93,9% entre as mulheres asiáticas e 91,4% entre as pacientes hispânicas.
Após o ajuste por pontuação de recidiva, braço do tratamento, estado menopausal, idade e grau da doença, isto se traduziu em uma razão de risco de 1,37 para mulheres negras vs. brancas (p = 0,05) e 0,67 para mulheres asiáticas vs. brancas (p = 0,05), indicando diferenças significativas; a diferença entre mulheres hispânicas e brancas se traduziu em uma razão de risco de 0,92 (p = 0,55), o que não foi significativo.
No entanto, quando os pesquisadores acrescentaram o IMC na análise multivariada, descobriram que todas as diferenças não eram mais significativas, com uma razão de risco de sobrevida livre de doença invasiva para mulheres negras vs. brancas de 1,21 (p = 0,35) e razão de risco para mulheres asiáticas vs. brancas de 0,74 (p = 0,17).
A Dra. Yara disse que a equipe continuará a analisar os dados do RxPONDER para determinar se há interação entre a fisiopatologia tumoral — especificamente os grupos genéticos alterados — e raça, e explorará os determinantes sociais da saúde, com base na localização geográfica da paciente, para examinar questões relacionadas ao acesso à saúde.
Por fim, “planejamos também avaliar a probabilidade de conclusão do tratamento e a adesão por raça e etnia após o primeiro ano”.
Reações aos achados
Comentando o estudo, a Dra. Lori J. Pierce, oncologista e radiologista, professora e vice-presidente de assuntos acadêmicos na University of Michigan, destacou que as populações do estudo não corresponderam à distribuição racial da população geral dos EUA no censo de 2021.
Ela enfatizou que há uma série de barreiras médicas e dos pacientes para a inclusão de indivíduos não brancos em ensaios clínicos.
Estas barreiras englobam a comunicação médica limitada com os pacientes; viés médico inerente; falta de conhecimento sobre a disponibilidade dos ensaios clínicos; falta de diversidade na força de trabalho clínica; ensaios clínicos que não correspondem ao tipo e estágio da doença de populações clínicas; determinantes sociais da saúde; e desconfiança entre os pacientes.
No entanto, quando os pacientes são convidados para participar de ensaios clínicos, eles aceitam em proporções aproximadamente semelhantes, independentemente de sua raça ou etnia, disse a médica.
A Dra. Lori acrescentou: “É muito importante considerar a raça, mas temos que fazer isso com muita atenção para que não perpetuemos algumas das ideias que na realidade estamos tentando refutar.”
“Sem dúvida, a ancestralidade é muito importante, mas também temos de nos aprofundar para entender e abordar os fatores ocultos”, e a maneira como os determinantes sociais da saúde “estão contribuindo para as disparidades atribuídas à raça.”
“Esta é uma responsabilidade coletiva”, disse, “e acredito que nós é que devemos cuidar disso”.
Este estudo foi financiado por subsídios de National Institutes of Health e National Cancer Institute; Susan G. Komen for the Cure Research Program; Hope Foundation for Cancer Research; Breast Cancer Research Foundation; e Genomic Health (atual Exact Sciences Corporation).
A Dra. Yara Abdou informou relações financeiras com as empresas AstraZeneca, Exact Sciences, MJH Holdings, MDEdge e Clinical Care Options Oncology. A Dra. Virginia Kaklamani informou ter relações financeiras com as empresas Puma, AstraZeneca, Daiichi-Sankyo, Menarini, Gilead, Pfizer, Genentech, Exact Sciences, Novartis, Seagen e Eisai. A Dra. Lori J. Pierce informou ter relação não remunerada com a empresa Exact Sciences.
San Antonio Breast Cancer Symposium (SABCS) 2022: Abstract GS1-01. Apresentado em 06 de dezembro de 2017.
Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape .
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Citar este artigo: Incidência mais baixa e mortalidade mais alta: por que os desfechos do câncer de mama são piores nas mulheres negras? - Medscape - 15 de dezembro de 2022.
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