O XXIII Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica, realizado no início de novembro no Rio de Janeiro, debateu uma área crítica da especialidade: a oncogeriatria. Convidado de honra, o Dr. Etienne Brain, do Institut Curie, na França, ganhador do Prêmio B.J. Kennedy de Oncologia Geriátrica de 2022 da American Society of Clinical Oncology (ASCO), apresentou um estudo publicado no periódico International Journal of Cancer [1]que aponta o aumento de novos casos de câncer no mundo, em consequência do envelhecimento populacional. Ao usar dados do GLOBOCAN 2012, a pesquisa se debruçou sobre a incidência da doença em pessoas acima de 65 anos e identificou a existência de disparidades entre regiões mais e menos desenvolvidas do planeta. Do total, as maiores taxas eram para câncer de pulmão, próstata, estômago, fígado, mama e colorretal.
Quando avaliados indivíduos acima de 85 anos, [2] mama, pulmão e cólon foram os tipos mais comuns em mulheres, e próstata, pulmão e cólon foram mais frequentes nos homens, segundo o mesmo grupo de pesquisadores. Para o Dr. Etienne, “a situação deve ser encarada com preocupação, devido aos impactos econômicos e sociais para os sistemas de saúde dos países”.
Neste contexto, o médico francês ressaltou o desafio/dilema vivenciado pelos oncologistas hoje: o da tomada de decisão sobre o tratamento desses pacientes. De acordo com ele, existem três tipos de conduta: a do “niilismo terapêutico”, em que os pacientes mais velhos não recebem nenhum tratamento; a “posição equilibrada”, na qual os pacientes mais velhos se beneficiam de tratamentos; e o “entusiasmo terapêutico cego”, quando os pacientes mais velhos “recebem tratamentos fúteis”.
Para propor uma conduta correta, o Dr. Etienne se baseou em duas revisões sistemáticas [3,4] que mostram a importância de uma avaliação geriátrica na conduta multidisciplinar, tendo ela um impacto na implementação de intervenções oncológicas e não oncológicas relevantes para a sobrevida e a qualidade de vida. Ele afirmou que “é preciso melhor triagem e acompanhamento, com avaliações e exames que possam ajustar e definir a terapia”.
A Dra. Theodora Karnakis, coordenadora de oncogeriatria do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)/Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e do Hospital Sírio Libanês, defendeu as ideias do colega francês. Ela reforçou que a oncogeriatria deve nortear as decisões terapêuticas, definindo assim uma oncologia de precisão. A especialista listou alguns passos importantes, como avaliação da funcionalidade e da fragilidade e valores individuais do paciente; o tipo de câncer, estadiamento, modalidades de tratamento; e riscos e evidências, como a toxicidade da quimioterapia e seu impacto na qualidade de vida. “É necessário entender quem é o idoso. Nem todos são vulneráveis e frágeis. Como saber isso? Com avaliações padronizadas”, disse.
A especialista recomendou o uso da Avaliação Geriátrica Ampliada (AGA), [5] sistema que gera diagnósticos e pode sugerir intervenções ao paciente. “A idade não pode ser determinante para tratar, não pode ser o único fator”, destacou. Segundo a médica, a AGA detecta quadros clínicos de fragilidade que, às vezes, não são detectados na avaliação oncológica e cujas evidências em estudos randomizados mostram que seu uso contribui para redução de toxicidade em tratamento oncológico, [6,7] bem como reduz a chance de tratamento desnecessário e de tratamento insatisfatório. [8]
Segundo a médica, “para o idoso, as escalas de performance ECOG e Karnofsky não são suficientes para definir se o paciente vai receber ou não quimioterapia. É necessária uma avaliação mais específica. Entre os fatores de risco, temos o tipo de câncer, a toxicidade, a idade, a dose de quimioterapia padrão, a poliquimioterapia, a hemoglobina e a creatinina”. Apesar das ressalvas, a Dra. Theodora rebateu a ideia de que risco alto significa necessariamente que não se deve tratar o paciente. “É preciso entender antes se são as comorbidades ou o câncer que levam o idoso à fragilidade”, disse.
A médica do Hospital do Coração (HCOr) Dra. Luciola de Barros Pontes corroborou a importância da AGA [9,10] e acrescentou outra ferramenta prática e acessível como boa opção aos oncologistas. Segundo ela, apenas as escalas de Karnofsky e ECOG podem gerar uma “visão míope” sobre o paciente idoso. Além da AGA, ela citou o escore Geriatric 8 (G8), que pode ser aplicado em tempo mais reduzido e que já está validado em importantes redes hospitalares no Brasil. “Temos que avaliar aspectos nutricionais, polifarmácia – quantidade e quais medicações ele toma – funcionalidade e atividades básicas, como velocidade de marcha, meio psicossocial, cognição e humor”, enumerou.
A questão fica mais complexa na discussão sobre a possibilidade de adjuvância. Segundo a Dra. Janine Capobiango Martins, do Hospital Israelita Albert Einstein e cofundadora do portal Oncogeriatria Brasil, “é preciso ficar claro que a proposta desse tratamento é reduzir o risco de recorrência de um tumor e temos ampla modalidade de tratamentos: radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia e imunoterapia”. Outro passo é avaliar o impacto em indivíduos acima de 65 anos. Segundo a médica, “há que se avaliar quem realmente vai se beneficiar da terapia e quem não precisa dela, com relação a dois aspectos: sobrevida relacionada à doença e sobrevida global”.
De acordo com a médica, “quando falamos em tratamento adjuvante, não podemos deixar de pensar nas comorbidades, nas reservas funcionais, na polifarmácia – tudo isso vai interferir na toxicidade e na forma como o paciente vai responder em relação à sua qualidade de vida nesse tratamento. Também não podemos deixar de levar em consideração as características do tumor, a biologia molecular, o estadiamento e o risco de recorrência”.
A Dra. Janine ressaltou que existem dificuldades para o uso do tratamento adjuvante na prática oncológica, [11] como tempo, custo, time especializado e suporte geriátrico. Para tanto, ela recomendou como alternativa o uso do aplicativo ONCOassist[12] como ferramenta de suporte na avaliação do risco de toxicidade à quimioterapia, a fim de verificar se o paciente tem benefícios absolutos com o tratamento.
Os congressistas concordaram com a necessidade de maior educação geriátrica e de equipe multidisciplinar para ajudar a resolver o desafio da prática oncológica na população acima de 65 anos. Além de frisarem o uso da avaliação geriátrica complementar, reconheceram as limitações de tempo e de serviço e acesso ao tratamento como grandes empecilhos. A Dra. Luciola de Barros acrescentou ainda “a importância de exames mais completos, como testes genômicos para maior compreensão e estadiamento do tumor nessa população”.
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Citar este artigo: Oncologistas discutem tomada de decisão sobre o tratamento de pacientes mais velhos acometidos por câncer - Medscape - 12 de dezembro de 2022.
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