É desnecessário enfatizar a relevância dos anticoagulantes orais (ACOs) para pacientes com fibrilação atrial (FA), especialmente os idosos.
Os anticoagulantes diretos (DOACs) foram um grande avanço na prevenção de eventos tromboembólicos em idosos com fibrilação atrial devido ao seu perfil de segurança e à facilidade de uso. Porém, vários fatores, principalmente o risco hemorrágico, podem influir para a não prescrição ou a prescrição inadequada desses medicamentos, bem como para a falta de adesão ao tratamento.
Dois estudos recentes trazem informações úteis a respeito desses fatores.
Os estudos
O primeiro deles [1] é um estudo de coorte retrospectivo feito com dados de reivindicações administrativas da Optum, e incluiu 381.488 beneficiários de planos Medicare Advantage com 65 anos ou mais, com fibrilação atrial e risco elevado de acidente vascular cerebral isquêmico. A pesquisa avaliou o uso de anticoagulantes orais de 2010 a 2020 quanto a: tendências de prescrição desses medicamentos no início do tratamento; características do paciente associadas ao não início do uso após diagnóstico de fibrilação atrial; tendências de não adesão ao tratamento.
Os principais resultados comparando 2010 a 2020 mostraram:
Maior frequência de início do uso de anticoagulantes orais nos 12 meses após o diagnóstico inicial de fibrilação atrial (20,2% em 2010 e 32,9% em 2020).
Maior frequência de uso de anticoagulantes diretos (1,1% em 2010 e 30,9% em 2020).
Início de tratamento com anticoagulantes orais menos provável entre pacientes mais idosos, com demência, fragilidade ou anemia.
Redução na não adesão ao tratamento de 52,2% para 39,0%.
O segundo artigo [2] é uma metanálise de 106 estudos observacionais publicados em inglês entre 2008 e 2020 e analisou o uso de subdoses e sobredoses de anticoagulantes diretos quanto ao impacto clínico e a fatores associados às prescrições de dosagem inadequada em adultos com fibrilação atrial.
Os principais resultados mostraram que, em comparação com a dosagem recomendada de anticoagulantes diretos:
a sobredosagem foi associada a um risco aumentado de hemorragia maior, conforme o esperado.
a subdosagem off-label não foi associada a ocorrência de acidente vascular cerebral isquêmico, embolia sistêmica, ou a eventos hemorrágicos (talvez inesperadamente), porém foi associada a um risco aumentado de mortalidade por todas as causas.
os fatores associados ao uso de subdoses foram: aumento da idade, histórico de sangramentos menores, hipertensão, insuficiência cardíaca congestiva e baixa depuração de creatinina.
Implicações
Sabidamente, os motivos mais comuns para o não uso da varfarina sódica são risco de sangramento, risco de queda, fragilidade, comprometimento cognitivo e complexidade na adesão. Evidentemente, aspectos farmacológicos, clínicos e preferencias devem ser considerados. Educar, monitorar e compartilhar decisões são atitudes fundamentais.
Os dois estudos que procurei sumarizar apontam desafios:
Na última década a disponibilidade dos anticoagulantes diretos melhorou o início de anticoagulantes orais nos idosos com fibrilação atrial, em especial naqueles com alto risco de sangramento. Contudo, o uso geral de anticoagulantes orais entre idosos permanece abaixo de 50%, principalmente nos pacientes com demência, fragilidade e anemia. De fato, o risco de sangramento grave é duas vezes maior em pacientes com seis ou mais comorbidades em comparação com pacientes com até duas comorbidades.
A subdosagem off-label de anticoagulantes diretos não reduz a ocorrência sangramentos e se associa a um risco aumentado de mortalidade por todas as causas. Esses dados ressaltam a importância da adesão às diretrizes de dosagem desses fármacos, evitando a “subdosagem intuitiva” para evitar sangramentos.
Vale ressaltar alguns pontos:
As quedas não resultam em contraindicação absoluta da prescrição dos anticoagulantes, pois os pacientes com risco de queda são excluídos dos ensaios e dados sugerem que, em pacientes com CHA2DS2-VASc > 3, os benefícios da anticoagulação oral excedem o risco de hemorragia relacionado a quedas. [3]
Um estudo sugere que os anticoagulantes diretos estão associados a menores riscos de hemorragia intracraniana em idosos que sofreram quedas. [4]
Dados recentes apontam benefícios dos anticoagulantes orais, especialmente os diretos, em pacientes frágeis e com fibrilação atrial. [5]
É necessário aprimorar o tratamento eficaz e seguro dos idosos com fibrilação atrial, especialmente aqueles considerados “de risco” para uso de anticoagulantes orais. Para isso, uma abordagem multidisciplinar, com pacientes, cuidadores, médicos de cuidados primários, geriatras, cardiologistas gerais, eletrofisiologistas, farmacêuticos e outras partes interessadas pode ser um caminho.
Uma perspectiva animadora é o desenvolvimento de uma nova classe de anticoagulantes, os inibidores do fator XIa, em estudos de fase 2, que poderão reduzir os riscos de sangramento em comparação com os inibidores do fator Xa. Seria fantástico!
Por enquanto, resta aplicar as recomendações das diretrizes, individualizando o tratamento com prudência, mas sem omissões!
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Citar este artigo: Erros que devemos evitar no uso de anticoagulantes orais por idosos com fibrilação atrial - Medscape - 9 de dezembro de 2022.
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