O jejum intermitente, definido como jejum por mais de oito horas seguidas, é uma tendência cada vez mais popular. No entanto, uma nova pesquisa mostra que a prática pode estar relacionada a comportamentos associados a transtornos alimentares.
Pesquisadores da University of Toronto, no Canadá, analisaram dados de mais de 2.700 adolescentes e adultos jovens do Canadian Study of Adolescent Health Behaviors e constataram que, para as mulheres, o jejum intermitente foi significativamente associado a hiperfagia, compulsão alimentar, vômitos, uso de laxantes e exercícios compulsivos.
O jejum intermitente em mulheres também foi associado a pontuações mais altas no Eating Disorder Examination Questionnaire (EDE-Q), que foi usado para determinar a psicopatologia do transtorno alimentar.
O pesquisador do estudo Dr. Kyle Ganson, Ph.D., disse ao Medscape que as evidências sobre a eficácia do jejum intermitente para perda de peso e prevenção de doenças são contraditórias, e que é importante entender seus potenciais malefícios – mesmo que haja benefícios para alguns.

Dr. Kyle Ganson
“No mínimo, este estudo demonstra que a prática do jejum intermitente pode estar relacionada a comportamentos problemáticos de transtornos alimentares, exigindo que os profissionais de saúde estejam muito atentos a essa tendência alimentar contemporânea e popular, apesar de seus proponentes nas mídias sociais divulgarem a eficácia e os benefícios”, disse.
O Dr. Kyle é professor assistente na Factor-Inwentash Faculty of Social Work da University of Toronto, no Canadá.
O estudo foi publicado on-line em 4 de novembro no periódico Eating Behaviors.
Elogiado por benefícios para a saúde
A prática do jejum intermitente vem ganhando popularidade em parte devido a especialistas médicos renomados que divulgam seus benefícios para a saúde. A Johns Hopkins Medicine, por exemplo, citou evidências de que o jejum intermitente aumenta a memória de trabalho, melhora a pressão arterial, melhora o desempenho físico e previne a obesidade. No entanto, há poucas pesquisas sobre seus malefícios.
Como parte do Canadian Study of Adolescent Health Behaviors, o Dr. Kyle e sua equipe analisaram dados de 2.700 adolescentes e jovens adultos de 16 a 30 anos recrutados em anúncios de mídia social em novembro e dezembro de 2021. A amostra incluiu mulheres e homens cisgênero, mulheres e homens transgênero ou pessoas com incongruência de gênero.
Os participantes do estudo responderam a perguntas sobre percepção de peso, comportamento atual de mudança de peso, realização de jejum intermitente e adoção de comportamentos de transtorno alimentar. Eles também receberam o EDE-Q, que mede a psicopatologia do transtorno alimentar.
No total, 47% das mulheres cisgênero (n = 1.470), 38% dos homens cisgênero (n = 1.060) e 52% dos homens e mulheres transgênero ou pessoas com incongruência de gênero (n = 225) relataram ter realizado jejum intermitente durante o ano anterior.
O Dr. Kyle e sua equipe descobriram que, para as mulheres cisgênero, o jejum intermitente nos últimos 12 meses e nos últimos 30 dias foi significativamente associado a todos os comportamentos de transtorno alimentar, como hiperfagia, perda de controle, compulsão alimentar, vômitos, uso de laxantes, exercícios compulsivos e jejum – bem como a pontuações globais no EDE-Q mais altas.
Para os homens cisgênero, o jejum intermitente nos últimos 12 meses foi significativamente associado ao exercício compulsivo e a pontuações globais no EDE-Q mais altas.
A equipe constatou que, para os participantes transgênero ou com incongruência de gênero, o jejum intermitente foi positivamente associado a pontuações globais no EDE-Q mais altas.
Os pesquisadores reconheceram algumas limitações do estudo: o método de recrutamento, que envolvia anúncios colocados nas mídias sociais, poderia causar viés de seleção; além disso, os métodos de coleta de dados dependiam fortemente do autorrelato dos participantes, o que também pode ser suscetível a vieses.
“Certamente, é preciso haver mais pesquisas sobre esta prática alimentar”, destacou o Dr. Kyle.
Rastreamento essencial
O Dr. Kyle observou que mais pesquisas são necessárias para respaldar os achados de seu estudo e para esclarecer ainda mais os possíveis malefícios do jejum intermitente.
Os profissionais de saúde “precisam estar cientes das tendências alimentares contemporâneas comuns adotadas pelos jovens e comumente discutidas nas mídias sociais, como o jejum intermitente”, observou. E mais, ele gostaria de ver os profissionais de saúde questionarem seus pacientes que estão fazendo dieta quanto ao jejum intermitente e fazer o acompanhamento, com avaliações, de atitudes e comportamentos relacionados a transtornos alimentares.
“Além disso, é provável que existam relações bidirecionais entre o jejum intermitente e atitudes e comportamentos de transtornos alimentares, portanto, os profissionais devem estar cientes das maneiras pelas quais os comportamentos de transtornos alimentares são mascarados como prática de jejum intermitente”, disse o Dr. Kyle.
Necessidade de pesquisas adicionais

Dra. Angela Guarda
Convidada a comentar os achados pelo Medscape, a Dra. Angela Guarda, médica e professora de Transtornos Alimentares na Johns Hopkins School of Medicine e diretora do Programa de Distúrbios Alimentares do Johns Hopkins Hospital, nos Estados Unidos, disse que são necessárias mais pesquisas sobre os desfechos relacionados ao jejum intermitente.
“Falta uma resposta definitiva. A realidade é que o jejum intermitente pode ajudar alguns e prejudicar outros e provavelmente não é saudável para todos”, disse ela, observando que os resultados do estudo “respaldam o que muitos no campo dos transtornos alimentares acreditam, ou seja, que o jejum intermitente provavelmente não é recomendável para pessoas em risco de distúrbios alimentares”.
A médica acrescentou que “é necessária uma pesquisa contínua para estabelecer sua segurança e para quem a prática pode ser uma recomendação terapêutica versus iatrogênica”.
Eating Behaviors. Publicado on-line em 04 de novembro de 2022. Abstract
O estudo foi financiado pelo Connaught New Researcher Award. Os autores informaram não ter conflitos de interesses.
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Créditos
Imagem principal: iStock/Getty Images
Imagem 1: University of Toronto
Imagem 2: Johns Hopkins
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Citar este artigo: Jejum intermitente: uma tendência associada a transtornos alimentares - Medscape - 2 de dezembro de 2022.
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