Uma mulher que teve câncer de mama por 23 anos e que passou por 12 diferentes tipos de tratamento apresentou resposta excepcional a uma nova vacina contra o câncer em um ensaio clínico.
Um acompanhamento recente feito por seis meses mostrou que não há evidências de tumores novos ou recorrentes, e os rastreamentos por imagem revelaram regressão de uma distante e volumosa metástase na suprarrenal esquerda, bem como em outros locais.
Um pequeno foco de hipermetabolismo residual ainda foi detectado no esterno, mas acredita-se que esteja relacionado ao tecido cicatricial.
A paciente, Stephanie Gangi, disse ao Medscape que, antes de participar do estudo para a nova vacina contra o câncer, estava "física e psicologicamente exausta". Ela recebeu o diagnóstico de um câncer de mama positivo para receptor hormonal no momento em que o tratamento estava evoluindo, por isso toda vez que uma abordagem falhava "havia a próxima tentativa, o que era ótimo e me fazia continuar".
"Mas admito que, aos 66 anos e com mais de 20 anos de tratamentos contra o câncer, eu estava exausta."
Stephanie, poetisa, ensaísta e romancista de Nova York, disse que estava "cautelosamente otimista" com a vacina, mas o "pensamento predominante era que eu queria evitar a quimioterapia".
"Eu não estava realmente participando para ter melhores desfechos, e sim para conseguir me manter longe da quimioterapia. O maior impacto até agora para mim foi que, pela primeira vez em mais de uma década, eu não estou tomando nenhum medicamento. Isso é realmente maravilhoso, e indica que não há efeitos colaterais", disse ela.

Stephanie Gangi
Stephanie interrompeu o tratamento com a vacina no último mês de julho e, pouco mais de três meses depois, ela ainda está "digerindo" o fato de que seu tumor regrediu. "Tenho câncer de mama há muito tempo", disse ela, "e não se pode simplesmente estalar os dedos e ficar bem".
Embora os dois exames de imagem que fez desde o fim do estudo tenham sido "surpreendentes", ela ressaltou que não se trata de uma cura, mas sim de "eliminar tumores pela primeira vez em muitos anos".
"O câncer é sorrateiro e assustador, e descobre como burlar todos os tipos de tratamento", disse ela, acrescentando, no entanto, que está "feliz e esperançosa, e minha família está emocionada, é claro".
Stephanie foi classificada como tendo uma resposta parcial à vacina contra o câncer, uma das poucas em um pequeno estudo de fases 1 e 2 da Icahn School of Medicine da Mount Sinai, nos Estados Unidos. Outro paciente também apresentou resposta parcial, e um teve resposta completa.
No entanto, seis pacientes têm quadros progressivos da doença e um apresenta tumor estável.
Esses resultados são de uma análise (realizada antes do final da coleta de dados) de 10 pacientes que participaram do estudo, e ela mostra que a taxa de resposta foi de 30%. Esses dados foram apresentados no 37o encontro anual da Society for Immunotherapy of Cancer (SITC 2022), realizado em novembro.
A vacina testada combina radiação local em baixa dose, Flt3L intramural (estimulante de células dendríticas), poli-ICLC endovenoso (fator imunoestimulante) e o fármaco pembrolizumabe (inibidor de PD-1).
O resultado é que, em vez de fabricar a vacina em laboratório e administrá-la, "na verdade, estamos formulando-a dentro do corpo", disse ao Medscape o primeiro autor do estudo, o Dr. Thomas Marron, Ph.D., médico e professor de hematologia e oncologia na Mount Sinai.
"O que as pessoas não percebem", disse ele, é que os locais com tumores volumosos contêm "muitos tumores já mortos, porque eles crescem muito rápido e de maneira irregular". Isso significa que o sistema imunológico pode ser recrutado para reconhecer essas regiões e "absorver o material morto que está lá", acrescentou.
A esperança é que o sistema imunológico mate não apenas "o tumor no qual você está injetando a vacina, mas também tumores em outras partes do corpo", disse o Dr. Thomas. "Então você está basicamente acionando e desativando o próprio sistema imunológico para vacinar o paciente contra o câncer."
Outro participante do estudo, que apresentou uma resposta completa à vacina, foi William Morrison, que tinha um linfoma não Hodgkin.

William Morrison
William foi diagnosticado em 2017, quando se voluntariou para um estudo de fase 1 de uma versão anterior da nova vacina. "Basicamente, eles não obtiveram os resultados que esperavam, e eu ainda estava com o linfoma", disse ele. Em 2018, seu linfoma folicular indolente se transformou em um linfoma difuso de grandes células B agressivo, tratado com seis ciclos de quimioterapia, que colocaram o paciente em remissão e eliminaram o linfoma.
"Mas a remissão durou, talvez, pouco mais de um ano", relembrou.
O câncer voltou e, nesse ponto, William teve a oportunidade de se inscrever no estudo da Mount Sinai. Ao final do tratamento, "o câncer havia sido eliminado".
"Eu tenho feito tomografia por emissão de pósitrons [PET, sigla do inglês Positron Emission Tomography] a cada seis meses. Fiz uma na semana passada, e está tudo bem. Estou muito animado, tive muita sorte."
"Esse novo tratamento realmente funcionou muito bem", disse ele. "Quando eles me deram a boa notícia, eu senti como se um grande peso tivesse sido tirado das minhas costas."
William também disse que não apresentou nenhum evento adverso grave durante o tratamento com a vacina. "Apesar de alguns pequenos problemas, minha tolerância foi muito boa", contou ele.
Por outro lado, Stephanie relatou sintomas “de forte intensidade” semelhantes aos de uma gripe, que começaram nos primeiros dias após o tratamento e duraram alguns dias.
É preciso melhorar a taxa de resposta
O estudo obteve resposta em 30% dos pacientes, o que "é ótimo, mas queremos chegar a 100%", comentou o Dr. Thomas.
"O que estamos fazendo no laboratório agora é usar isso como uma oportunidade para estudar o que há de especial nessas três pessoas que responderam à vacina e o que não está acontecendo nas outras sete pessoas, e temos alguns dados iniciais que estamos analisando", declarou ele.
"Notamos que os pacientes que responderam tiveram, em particular, uma resposta muito mais robusta ao Ft3L, e isso pode sugerir que talvez precisemos de um Ft3L melhor, ou podemos pensar em outras possibilidade de manipular esta vacina.”
"A maioria dos pacientes encaminhados a mim são pessoas que ficaram sem opções, e isso geralmente significa que passaram por muitos tipos diferentes de quimioterapia", comentou o Dr. Thomas. Exemplo disso é Stephanie, que já havia feito 12 tipos diferentes de quimioterapia.
A quimioterapia suprime o sistema imunológico, mas também causa eventos adversos. Todos os outros tratamentos para redução de náusea e reações alérgicas à terapia antineoplásica também estão apresentando efeito, explicou ele.
"No momento em que atendo um paciente", comentou o Dr. Thomas, "muitas vezes seu sistema imunológico não está ideal. Portanto, outra maneira de possível de obter melhores respostas seria mover a vacina para um momento anterior no paradigma de tratamento e administrá-la a pacientes como primeira ou segunda terapia".
O Dr. Joshua Brody, autor sênior, médico e diretor no Lymphoma Immunotherapy Program do Tisch Cancer Institute da Mount Sinai, nos Estados Unidos, acrescentou que "pode ser fácil" incorporar a vacina nas primeiras linhas de terapia.
Ele comentou ao Medscape que tanto a imunoterapia quanto a radioterapia são tratamentos "padrão", e o segredo é "adicionar vários ingredientes combinados que não tenham toxicidade cumulativa".
"Não se pode simplesmente somar determinada quimioterapia com outra, porque elas têm algumas toxicidades em comum, mas o ponto positivo desta terapia é que ela foi bastante segura.”
"Portanto, em teoria, seria muito fácil incorporá-la nas primeiras linhas de terapia, assim que conseguirmos obter mais provas de conceito", disse o Dr. Joshua.
Questionada sobre o tema, a Dra. Ann W. Silk, médica, disse que os resultados são "particularmente impressionantes, porque sabemos que um inibidor de PD-1 associado à radioterapia não funciona contra câncer de mama positivo para receptor hormonal ou contra linfoma".
A Dra. Ann, oncologista no Dana-Farber Cancer Institute e professora assistente de medicina na Harvard Medical School, nos Estados Unidos, disse ao Medscape que as vantagens dessa vacina são que ela "não é restrita a um certo número de antígenos e não se baseia em um algoritmo".
"Eu adoraria ver mais dados de pacientes com câncer de mama metastático positivo para receptor hormonal", acrescentou ela. "Eu usaria essa abordagem depois que os tratamentos hormonais parassem de funcionar, mas antes da quimioterapia."
A médica também disse que o perfil de segurança do novo tratamento "parece muito bom, e imagino que essa abordagem possa resultar em uma qualidade de vida muito melhor para os pacientes, em comparação com a quimioterapia".
Detalhes do estudo e resultados
Os pesquisadores da Mount Sinai já haviam desenvolvido uma vacina genômica personalizada contra o câncer, a PGV-001, que se mostrou promissora em um estudo de fase 1 feito com 13 pacientes com tumores sólidos ou mieloma múltiplo e alto risco de recorrência após cirurgia ou transplante autólogo de células-tronco.
Em seguida, eles trabalharam para desenvolver ainda mais a ideia de transformar o tumor em sua própria vacina, o que envolveu a indução de respostas antitumorais em linfomas não Hodgkin indolentes — que normalmente respondem mal ao bloqueio de pontos de controle —, combinando Ft3L, radiação de baixa dose e poli-ICLC.
O estudo de fase 1 seguinte mostrou que essa abordagem era viável, mas a modelagem pré-clínica sugeriu que a adição do bloqueio PD-1 poderia melhorar as taxas de cura. Os pesquisadores, então, conduziram o estudo atual, recrutando 10 pacientes com linfoma não Hodgkin indolente, câncer de mama metastático ou carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço.
Os pacientes receberam radioterapia local no primeiro e no segundo dias, e Ft3L intramural para o mesmo tumor no nono dia. Em seguida, foram feitas oito aplicações endovenosas de poli-ICLC ao longo de seis semanas. No 23o dia do estudo, receberam a primeira das oito doses de pembrolizumabe.
O Dr. Thomas explicou que a radioterapia aumenta a quantidade de material morto disponível para a ação do sistema imunológico, que age "matando algumas das células tumorais", e acrescentou: "Não estamos tentando matar o tumor inteiro com a radiação, isto apenas inicia o processo de liberar um pouco mais desse material morto".
Ele explicou que o Ft3L é um fator de crescimento humano que simula células dendríticas, "as quais eu sempre digo que são as células professoras do sistema imunológico", pois dizem ao corpo "o que é bom e o que é ruim".
O poli-ICLC é "basicamente como um vírus falso", disse o Dr. Thomas, pois "ativa as células imunológicas que absorveram o antígeno tumoral na vizinhança" do tumor, e então "ensina ao sistema imunológico que há algo ruim ali".
Por fim, acrescentou que o pembrolizumabe tem a função de fazer o "sistema imunológico tirar o pé do freio" e "lubrificar um pouco mais as rodas", embora não funcione em todos os pacientes ou com todos os tipos de tumor, caso dos linfomas não Hodgkin indolentes.
O estudo foi planejado em duas fases. Na primeira, seis pacientes foram avaliados em relação à segurança da abordagem. A fase 2 seguiu o desenho de Simon em duas etapas, com o objetivo de recrutar sete pacientes com cada tipo de tumor, seguidos por mais 12 pacientes, caso houvesse evidência de resposta.
A análise intermediária do estudo, apresentada na SITC 2022, concentrou-se nos primeiros 10 pacientes da fase 2, inscritos entre abril de 2019 e julho de 2022. Entre eles, havia seis pacientes com câncer de mama metastático, três com linfoma não Hodgkin indolente e um com carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço. Todos eles completaram a primeira avaliação de resposta da doença ao tratamento.
Todos os participantes do estudo apresentaram eventos adversos relacionados ao tratamento, em sua maioria reações de baixo grau no local da injeção e sintomas semelhantes aos da gripe, relacionados à poli-ICLC endovenosa.
Um paciente apresentou colite de grau 3 relacionada ao pembrolizumabe, e outro teve febre de grau 3 autolimitada após a injeção de poli-ICLC.
O estudo foi patrocinado pela Icahn School of Medicine da Mount Sinai e conduzido em colaboração com a Merck Sharp & Dohme LLC e a Celldex Therapeutics. Foi relatada a ausência de conflitos de interesses financeiros relevantes.
37o encontro anual da Society for Immunotherapy of Cancer (SITC 2022): Abstract 595. Apresentado em 10 de novembro de 2022.
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Créditos
Imagem principal: Dreamstine
Imagem 1: Stephanie Gangi
Imagem 2: William Morrison
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Citar este artigo: Câncer de mama: nova abordagem elimina tumores pela modulação do sistema imune - Medscape - 1 de dezembro de 2022.
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