Tecovirimat no tratamento da varíola símia grave: a experiência do Brasil

Roxana Tabakman

Notificação

28 de novembro de 2022

A América Latina é o epicentro da pandemia de varíola símia, com muitos casos de pacientes assintomáticos ou com sintomas leves e de resolução espontânea. Mas o aumento do número de casos graves motivou uma reunião virtual, organizada pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Nela, a experiência do Brasil com o uso do tecovirimat no tratamento da doença foi discutida por especialistas.

Segundo o infectologista argentino Dr. Omar Sued, moderador do evento, a Opas recebeu uma doação do medicamento, que deve começar a ser distribuído nos diferentes países da América Latina. Ele explicou ainda que o fármaco foi aprovado para uso emergencial e que tem demostrado eficácia em estudos com animais.

“É um medicamento cuja eficácia infelizmente ainda não conhecemos. Há quatro estudos randomizados em andamento para investigar tanto a evolução das lesões como a transmissão de uma pessoa para outra. Por enquanto, só temos resultados de algumas séries clínicas que mostram redução da carga viral e menor duração das lesões. Ainda não sabemos o impacto que pode ter na mortalidade”, disse o Dr. Omar.

No Brasil, para escolher os candidatos ao tratamento com o fármaco, o Ministério da Saúde avalia os casos de varíola símia e os ordena, priorizando os pacientes com quadros clínicos mais graves. Para justificar o uso compassivo do tecovirimat, a equipe deve provar que os sintomas são causados pela atividade do vírus da varíola símia e não por complicações de outras patologias.

Além do resultado positivo para o vírus, os critérios de elegibilidade determinados pelo Centro de Operação de Emergências para Monkeypox (COE - Monkeypox) são presença de lesão ocular e/ou hospitalização com quadro clínico grave. Em casos graves, os pacientes devem apresentar um ou mais dos seguintes sintomas: encefalite, pneumonite (ou sintomas respiratórios associados a alterações radiológicas, sem outra etiologia provável), erupções cutâneas com mais de 250 lesões distribuídas pelo corpo, lesão extensa na mucosa oral que limite a alimentação e hidratação, lesão extensa na mucosa anal-retal que esteja evoluindo com hemorragia, ou infecção secundária de ulceração.

Ao longo do tratamento, a resposta ao tecovirimat deve ser monitorada em condições semelhantes às dos estudos clínicos, com coleta de dados prospectiva, pois as informações são compartilhadas em um protocolo de acesso expandido, o Emergência monitorada de uso de intervenções não registradas e investigacionais (MEURI, sigla do inglês Monitored Emergency Use of Unregistered and Investigational Interventions). Este protocolo ético, desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para avaliar o uso potencial de medicamentos experimentais, usa a coleta harmonizada de dados de resultados clínicos em casos de emergência de saúde pública.

O Dr. Carlos Frank, infectologista e assessor técnico no Ministério da Saúde, apresentou dados de 11 pacientes que receberam tratamento com tecovirimat em doses de 600 mg de 12/12 horas por 14 dias — com exceção de um paciente que recebeu dois ciclos do tratamento. Eles eram todos homens; média de idade: 31 anos. Oito eram positivos para o vírus da imunodeficiência humana (VIH); destes, dois estavam em tratamento, e seis recebiam tratamento irregular para a doença. Destes 11 pacientes, três foram a óbito durante o tratamento com tecovirimat. Todos os falecidos eram positivos para VIH e faziam tratamento irregular.

Os 11 casos analisados pelo Dr. Carlos apresentavam quadros clínicos diversos. Havia entre eles um paciente negativo para VIH e sem comorbidades que apresentou perda de 50% da visão duas semanas após o aparecimento dos primeiros sintomas; um paciente positivo para VIH em tratamento para AIDS que desenvolveu angina de Ludwig após um procedimento odontológico e lesões cutâneas disseminadas duas semanas mais tarde; e um paciente positivo para VIH em tratamento irregular com imunossupressão grave, e lesões cutâneas disseminadas e infecção bacteriana secundária.

Os pacientes positivos para VIH, especialmente aqueles com imunodeficiência grave, mais de 250 lesões disseminadas pelo corpo, proctite associada a lesões extensas no períneo e necroses, pneumonite ou encefalite, infecções oportunistas, e persistência de lesões reincidentes após o tratamento apresentaram os piores resultados. O grupo dos que tiveram boas respostas ao tratamento inclui pacientes negativos ou positivos para VIH, mas em tratamento regular. Eles apresentavam, fundamentalmente, queratite e uveíte sem comprometimento sistêmico. Após o tratamento com tecovirimat, estes pacientes tiveram boa recuperação, sem lesões, e resposta na lesão ocular.

O Dr. Carlos analisou os dados e declarou que ainda há muitas dúvidas a serem esclarecidas. É preciso saber, por exemplo, se os sintomas apresentados foram causados por uma reação inflamatória ao antiviral ou se eram resultado da evolução da doença, se o ciclo de tratamento de 14 dias é suficiente em um paciente com baixos níveis de células CD4, e se pacientes que usam corticoides para outras comorbidades teriam que estar coberto com tecovirimat. “São perguntas que ainda estamos tentando responder.”

Outras opções

Outras opções terapêuticas foram citadas na reunião organizada pela Opas, como o cidofovir e o brincidofovir, das quais também não há dados de eficácia. Também foi citado o uso das gamaglobulinas de pessoas hiperimunes coletadas após a vacinação, alternativa que já foi utilizada na Colômbia. Segundo os Drs. Franklyn Prieto e Carlos Alvarez, ainda é preciso demostrar se esses tratamentos podem ser alternativas futuras em locais onde não há outras terapias disponíveis. O uso de soro de pessoas vacinadas foi apresentado como uma opção viável, mas logisticamente complexa. O uso de plasma de pacientes convalescentes nunca foi tentado, mas, segundo o Dr. Omar, seria uma mais uma possibilidade a analisar.

o Dr. Carlos comentou que, para alguns casos de complicações da varíola símia, como a síndrome de Fournier, no Brasil foram usadas abordagens cirúrgicas e conservadoras. De acordo com ele, os casos abordados de forma cirúrgica na área perineal tiveram complicações, como dificuldade de cicatrização, problemas no esfíncter anal e infecção bacteriana secundária, portanto a abordagem conservadora parece ser uma conduta mais adequada.

É preciso fortalecer os programas de combate ao VIH

A sub-representação das pessoas com VIH, particularmente as que não recebem tratamento ou recebem tratamento inadequado e têm imunossupressão avançada, demostra a necessidade de estar alerta para o tema e fortalecer os programas de combate ao VIH.

Essa ideia foi expressa pelo Dr. Omar, que na Opas é assessor regional de tratamento de VIH para a América Latina e o Caribe. Ele recomendou focar os cuidados das populações-chave, assegurando que todas as pessoas que em algum momento tiveram risco significativo de contrair VIH façam um teste diagnóstico, e, se o resultado for positivo, que iniciem rapidamente o tratamento.

“A mortalidade por varíola símia em pessoas com VIH controlado é baixa. Temos as ferramentas, os testes, e, se o indivíduo melhorar a imunodepressão, o risco de mortalidade claramente diminui”, disse o Dr. Omar. Ele também ressaltou que, para evitar as formas retais ou laríngeas graves da varíola símia, deveria ser feito um trabalho especificamente com a população homo e transexual, recomendando o uso de preservativo durante as penetrações, mesmo que isso não elimine a possibilidade de infecção por contato com a pele.

O Dr. Carlos seguiu no mesmo sentido, falando da necessidade de garantir que as pessoas, especialmente os homens que mantêm relações sexuais com outros homens, reconheçam que podem estar em risco e procurem atendimento médico o mais rápido possível após apresentarem lesões da varíola símia. Lembrou ainda que, sendo testados para o VIH, possam ser reinseridos nos programas de atenção integral.

Os riscos de baixar a guarda

No cenário atual, outras preocupações derivam do fato de alguns pacientes terem voltado a desenvolver lesões depois de suspender o tratamento com tecovirimat. Além disso, há indivíduos com lesões ativas que ainda seguem crescendo dois ou três meses após o início dos sintomas. Estas situações foram mencionadas como “terreno ideal para a evolução do vírus da varíola símia”. O Dr. Omar destacou que alguns pesquisadores as consideram fatores de risco para o desenvolvimento de resistência ao tecovirimat.

O Dr. Carlos Alvarez, professor na Universidad Nacional de Colombia (UNAL), recomendou que os diferentes serviços clínicos estejam atentos tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento de casos que podem se agravar. “Desses, alguns podem ser evitáveis, outros infelizmente não, e temos que trabalhar naqueles que podem ser evitáveis e evitar as complicações de um diagnóstico tardio ou de uma abordagem tardia”, declarou.

“Os nossos países estão baixando a guarda porque veem o número de casos cair. No entanto, pode haver um surto de varíola símia, é normal que isso aconteça quando nos descuidamos”, complementou o Dr. Franklyn, do Instituto Nacional de Salud na Colômbia.

“Ficou demostrado que ainda temos muitas restrições de recursos para melhorar a evolução desses pacientes graves”, concluiu a Dra. Ho Yei Li, médica infectologista e consultora nacional da Opas, que também participou da reunião. “Temos que melhorar as estratégias de prevenção. O Brasil conseguiu o primeiro lote da vacina Jynneos, mas ela vai ser utilizada exclusivamente para pesquisa.” A Dra. Ho foi contundente: “É o silêncio que está matando as pessoas”.

Roxana Tabakman é bióloga, jornalista freelancer e escritora. Ela mora em São Paulo e é autora dos livros A Saúde na Mídia, Medicina para Jornalistas, Jornalismo para Médicos (em português) e Biovigilados (em espanhol). A acompanhe no Twitter: @roxanatabakman .

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