Erradicar H. pylori do organismo reduz risco de sangramento gástrico para pacientes em uso contínuo de AAS

Dr. Rob Hicks

Notificação

24 de novembro de 2022

O risco de sangramento gástrico causado pelo uso contínuo de ácido acetilsalicílico (AAS) pode ser reduzido por meio da erradicação da Helicobacter pylori do organismo humano, segundo pesquisadores da University of Nottingham no Reino Unido.

Os autores do novo estudo, publicado no periódico The Lancet , destacaram que o AAS pode levar ao sangramento de úlceras gástricas, possivelmente causadas pela bactéria H. pylori. Assim, a equipe de pesquisadores decidiu analisar se um ciclo de terapia para erradicação da H. pylori reduziria o risco de sangramento em pacientes que usam AAS continuamente.

O estudo utilizou dados clínicos coletados rotineiramente em 1.208 unidades de atenção primária no Reino Unido. Os pacientes elegíveis tinham a partir de 60 anos, faziam uso de até 325 mg/dia de AAS (registro de pelo menos quatro prescrições para 28 dias no ano anterior) e apresentaram tresultado positivo para H. pylori em um teste respiratório de ureia marcada com carbono-13 feito na triagem. Pacientes em tratamento com ulcerogênicos ou gastroprotetores foram excluídos.

Entre 14 de setembro de 2012 e 22 de novembro de 2017, os participantes do estudo foram aleatoriamente selecionados para receber uma combinação oral de 500 mg de claritromicina, 400 mg de metronidazol e 30 mg de lansoprazol (grupo erradicação ativa: 2.677 pacientes), ou placebo oral (grupo controle: 2.675 pacientes), duas vezes ao dia por uma semana. Os participantes, os médicos e profissionais de saúde assistentes, os enfermeiros da pesquisa, a equipe de pesquisa, o comitê de adjudicação e a equipe de análise foram todos cegados para a alocação dos grupos durante todo o estudo.

A média de idade dos participantes no momento da randomização era de 73,6 anos, e 72,8% eram do sexo masculino. Os grupos de tratamento foram equilibrados quanto aos fatores de risco de úlcera e dados demográficos. Doença coronariana foi a comorbidade mais comum entre as indicações para o uso de AAS, seguida por diabetes e história de acidente vascular cerebral (AVC)/ataque isquêmico transitório (AIT), disseram os autores.

Os participantes foram acompanhados por uma mediana de cinco anos, e o desfecho primário foi o tempo até a internação ou o óbito em decorrência de sangramento de úlcera péptica confirmado ou provável.

Terapia de erradicação associada a redução do risco de internação

Durante o período do estudo ocorreram 141 episódios de sangramento gastrointestinal clinicamente significativo, sendo que 44 pacientes tiveram episódios inéditos de sangramento confirmado/provável por úlcera péptica, 18 no grupo de erradicação ativa e 26 no grupo controle.

Nos primeiros dois anos e meio de acompanhamento, os pacientes que receberam a terapia de erradicação tiveram "menos chances de serem internados" devido a um sangramento ulceroso do que os pacientes do grupo placebo (6 versus 17), uma "redução de 65%", disseram os autores.

"A proteção ocorreu rapidamente", destacaram, acrescentando que a internação causada por sangramento ulceroso em pacientes que receberam o placebo ocorreu após seis dias, em contraste com o período de 525 dias até a internação dos pacientes medicados com a terapia de erradicação.

Chris Hawkey, coordenador do estudo e professor na Faculdade de Medicina da University of Nottingham e no Nottingham Digestive Diseases Centre, ambos no Reino Unido, disse: "O AAS tem muitos benefícios em termos de redução do risco de infarto agudo do miocárdio e AVC em pacientes com risco elevado. Também há evidências de que [o medicamento] retarde alguns tipos de câncer."

Considerando-se um período mais prolongado, segundo os autores, a proteção aparentemente diminuiu. "A perda da proteção contra úlceras ao longo do tempo parece realmente ter ocorrido, e não pode ser atribuída ao aumento do uso de gastroprotetores, que teriam o efeito oposto", eles explicaram, sugerindo que as causas podem ter sido o aumento da secreção ácida ou a redução da liberação de prostaglandinas protetoras após a erradicação da H. pylori. "É possível também que a erradicação da H. pylori crie um novo grupo de úlceras idiopáticas, com alta taxa de recidiva", disseram eles.

Possibilidade de ‘uso mais liberal’ do AAS

"Os riscos para os pacientes que já tomam AAS são baixos. São maiores quando as pessoas iniciam o [uso do] AAS em um momento em que valeria a pena pesquisar e tratar a presença de H. pylori", disseram os autores, acrescentando que os achados do estudo têm "potencial para o uso clínico" e podem orientar o desenvolvimento de diretrizes.

"Seria possível usar uma estratégia 'teste e trate' no momento da primeira prescrição [do AAS], quando provavelmente existe um período de risco elevado de úlcera péptica e sangramento gastrointestinal", disseram eles.

No entanto, os autores fizeram alguns alertas, e destacaram que os achados "não são um argumento forte" para ampliar a prática de erradicação da H. pylori no Reino Unido para além dos pacientes com alto risco de sangramento por úlcera péptica. Eles apontaram que, em média, 238 pacientes precisariam ser tratados para evitar uma única internação por sangramento de úlcera péptica.

No entanto, a baixa taxa de sangramento ulceroso no estudo, somada à disponibilidade das terapias profiláticas de erradicação da H. pylori e de supressão ácida, também devem orientar a avaliação do equilíbrio entre riscos e benefícios do AAS, possivelmente respaldando um "uso mais liberal" do medicamento, apontaram os autores. Eles sugeriram que essas informações sejam consideradas em "reavaliações" do papel do AAS nas doenças cardiovasculares e na possível ampliação do uso do medicamento para a prevenção de câncer colorretal e outros tumores.

"As implicações dos resultados em longo prazo são animadoras em termos de prescrição segura", enfatizou o Prof. Chris. 

 

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