COMENTÁRIO

Relação entre longevidade e sabedoria: 'mais complicada do que parece'

Dr. Mauricio Wajngarten

Notificação

22 de novembro de 2022

Em um domingo preguiçoso, leio um artigo encaminhado por um amigo sobre os caminhos para a longevidade. [1] O texto enfatiza a experiência de vida dos habitantes da ilha de Okinawa, no sul do Japão, que consta entre as cinco “zonas azuis” do mundo ― isto é, regiões onde a população local apresenta os maiores índices de longevidade. [2] O conceito de zona azul foi criado pelo pesquisador Dan Buettner, que dedica-se à pesquisa dos fatores relacionados à longevidade, a partir do trabalho dos demógrafos Gianni Pes e Michel Poulain. Em 2015, Dan Buettner classificou as seguintes regiões como zonas azuis:

  • Icária, Grécia;

  • Okinawa, Japão;

  • Sardenha, Itália;

  • Loma Linda, Estados Unidos; e

  • Nicoya, Costa Rica.

No Brasil, em 1994, o geriatra Dr. Emilio Moriguchi iniciou pesquisas sobre envelhecimento saudável na população do município de Veranópolis (Rio Grande do Sul), onde o percentual de idosos é cinco vezes maior do que a média nacional. Como elementos associados a uma qualidade de vida mais alta, o Dr. Emilio apontou: manter uma alimentação saudável; praticar exercícios físicos com regularidade; descansar adequadamente (seis ou sete horas por noite + sesta); dedicar-se a momentos de lazer com amigos e família (sobretudo aos finais de semana); ter um hobby; participar de atividades sociais ou voluntárias que promovam a sensação de utilidade no indivíduo; e ter fé ou alguma crença espiritual (independentemente da religião).

Em geral, os mesmos fatores foram observados nas zonas azuis.

Mas o que mais me chamou a atenção no artigo sobre Okinawa foi a análise da relação entre longevidade e sabedoria. Vale lembrar que a palavra “senado” vem do latim “senatus”, que significa senil. Os senadores romanos eram considerados os mais sábios entre os cidadãos comuns que formavam as assembleias da plebe, onde o requisito da idade era menor.

Em uma comunidade com muitos idosos, a sabedoria é mais prevalente?

O professor Dr. Dilip Jeste, um psiquiatra especializado em idosos, estudou o tema. No livro Wiser: The Scientific Roots of Wisdom, Compassion, and What Makes Us Good (em tradução livre: Mais sábio: as raízes científicas da sabedoria, da compaixão e do que nos torna bons), publicado no final de 2020 com Scott LaFee, “sabedoria” é definida como um traço da personalidade, tal como resiliência ou extroversão, e a empatia, como o componente mais importante da sabedoria. Dr. Dilip e Scott também indicam os seguintes elementos como determinantes da sabedoria: capacidade de raciocínio crítico em relação aos próprios pensamentos; estabilidade emocional; aceitação da incerteza; e capacidade de aceitar outras opiniões.

A sabedoria é influenciada pelo ambiente e pelo comportamento, e pode ser desenvolvida ao longo do tempo. Dr. Dilip e Scott enfatizam que não basta obter experiência, é sobre o que fazemos a partir dessa experiência. E não é tão simples quanto parece. Os autores acreditam que, de modo geral, a sabedoria aumenta com a idade, mas isso não é uma regra, e a sabedoria adquirida pode declinar em função das doenças neurodegenerativas.

A conexão com outras pessoas une a sabedoria à idade avançada?

A equipe do professor Dr. Dilip descobriu que a solidão e a sabedoria têm uma relação inversa: o isolamento e a angústia associada podem comprometer a capacidade de compaixão, uma característica da sabedoria.

Quem deseja se relacionar com os outros necessita praticar a empatia, aceitar a opinião das outras pessoas. Em lugares onde as pessoas vivem até uma idade avançada, existem fortes redes sociais que persistem por um longo tempo. Em Okinawa, são formados grupos de cinco ou mais pessoas, chamados “moai”, que se apoiam desde a infância. Eles se encontram semanalmente e se ajudam quando necessário.

Conclusão

Participar de uma verdadeira família escolhida pode otimizar o envelhecimento, mais do que seguir uma dieta específica ou praticar exercícios.

Em 2020, o Dr. Fabiano Serfaty e eu discutimos o tema “solidão” em um artigo publicado no Medscape em português. Falamos sobre as dificuldades de abordar e solucionar esse problema, que abrange múltiplos aspectos e cujas soluções devem contemplar desde estratégias individuais até políticas de saúde coletiva, bem como soluções urbanísticas que priorizem a população idosa.

Pelo visto, uma comunidade liderada por sábios pode implementar políticas que aumentem a compaixão e a conexão entre seus membros: que assim seja!

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