Parte da população brasileira desconhece riscos e sintomas do câncer de pulmão, indica pesquisa

Mônica Tarantino

18 de novembro de 2022

Apesar das campanhas anuais de prevenção, a maioria dos brasileiros acima de 40 anos sabe pouco a respeito dos sintomas e da gravidade do câncer de pulmão. Apenas 15% dos participantes de uma pesquisa on-line recente, que entrevistou 2.179 pessoas de seis países latino-americanos (Argentina, Brasil, Chile, Colombia, Costa Rica e México), demonstraram estar informados sobre a gravidade dessa doença.

Os resultados do levantamento, encomendado pela biofarmacêutica AstraZeneca, foram divulgados no final de outubro durante o lançamento da campanha “Cuide-se Hoje”, que visa aumentar o conhecimento sobre o câncer de pulmão e a importância do diagnóstico precoce. A iniciativa recebe apoio de entidades e organizações não governamentais, que formaram um conselho de especialistas para oferecer apoio a pacientes com diferentes necessidades e de condições socioeconômicas variadas.

No plano latino-americano, a Argentina e a Costa Rica foram os países que menos reconheceram a gravidade da doença. Já o México e o Chile foram os que menos associaram o câncer de pulmão ao tabagismo, que é o principal fator de risco. Colômbia, México e Argentina registraram o menor índice de intenção de busca por atendimento médico em caso de dispneia, um sintoma fortemente associado a esse tipo de câncer, e o mais citado pela amostra.

O diagnóstico precoce pode salvar muitas vidas por ano. Atualmente, 85,5% dos casos de câncer de pulmão no Brasil são identificados em fase avançada, segundo os dados veiculados no lançamento da pesquisa. Nesses casos, 18% a sobrevida após o diagnóstico da doença é de aproximadamente cinco anos ou mais. Quando o tumor é identificado em estágio inicial, a taxa de sobrevida após cinco anos é de até 56%. Assim, um dos grandes desafios imediatos é ampliar o número de diagnósticos e a capacidade de prevenção.

No Brasil, cerca de 13% dos novos casos de câncer são de pulmão. Esse é o segundo tipo de tumor mais comum, tanto em homens como em mulheres, no país (atrás apenas do câncer de pele não melanoma).

Um estudo publicado pela Economist Intelligence Unit em 2018 [1] mostra que, na América Latina, o câncer de pulmão é a principal causa de morte por câncer tanto de homens como de mulheres.

Tabagismo é o principal fator de risco de câncer de pulmão, responsável por cerca de 64% dos casos na América Latina. Os outros 36% são atribuídos a problemas de saúde pública, como exposição à poluição, ao radônio residencial e ao arsênico, presente na água potável.

Os dados brasileiros deixam evidente a necessidade de melhorar a comunicação sobre a doença e promover o acesso à prevenção e ao diagnóstico precoce. Entre os participantes brasileiros, fumar foi o fator de risco mais apontado, tendo sido mencionado em 93% das respostas. No entanto, 7% demonstraram não ter consciência sobre a relação entre o tabagismo e o câncer de pulmão. O uso de cigarro eletrônico e de drogas ilícitas foi mencionado como fator de risco por 83% dos entrevistados; 71% sabem que a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é também um fator de risco de câncer de pulmão, mas 29% ainda precisariam receber essa informação.

A exposição a agentes físicos ou químicos foi identificada por 65% dos entrevistados como fator de risco, mas 35% não conheciam os riscos da exposição à fumaça de fogões a lenha ou carvão e das queimadas florestais. Entre os agentes físicos e químicos de risco, podem ser incluídos os defensivos agrícolas, também conhecidos como agrotóxicos, pesticidas, praguicidas ou produtos fitossanitários.

A poluição do ar foi reconhecida como um fator de risco de câncer de pulmão por 68% dos entrevistados brasileiros, quatro pontos percentuais acima do conjunto da América Latina. Comprovadamente cancerígenos, poluentes ambientais derivados do petróleo, como benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos (BTEX), causam problemas à saúde humana mesmo quando presentes no ar em baixas concentrações. Os fatores genéticos constaram na lista de riscos de 68% dos entrevistados.

Nas questões ligadas ao estilo de vida, o sedentarismo foi citado como fator de risco por 40% dos participantes; ou seja, ao menos 60% não relacionam a prática de exercícios físicos à redução do risco de câncer.

O uso de bebidas alcoólicas foi citado por 25% (versus 75% que provavelmente desconhecem a relação entre álcool e tumores). O consumo de corantes e conservantes alimentares foi assinalado, respectivamente, por 22% e 21% dos participantes da pesquisa. Já a ingestão de alimentos embutidos foi citada por 16%, e a de carne processada por 15% dos entrevistados. O consumo de refrigerantes foi indicado como fator de risco por 13%, e outros 13% identificaram que a baixa qualidade da água também pode aumentar os riscos de câncer.

Sintomas e busca por atendimento médico

Na lista de sintomas que despertariam a suspeita de câncer de pulmão, 55% dos entrevistados citaram problemas respiratórios (dificuldade respiratória, dispneia, apneia); 42% indicaram problemas pulmonares (tosse seca e/ou persistente etc.); 17% mencionaram diferentes tipos de dor (desconforto respiratório, dor torácica, lombalgia); 15% citaram fadiga e 3% também consideraram perda de peso como um possível sintoma.

Entre os sintomas que motivariam a busca por assistência médica, a presença de expectoração sanguinolenta foi o que mais assustou os participantes brasileiros. Fortemente vinculado ao câncer de pulmão, a hemoptise é capaz de levar 82% dos respondentes a agendarem uma consulta médica. O segundo sintoma que mais mobilizaria os brasileiros seria a dispneia, seguido por tosse persistente.

Sinais de alerta

O gráfico abaixo mostra os sintomas mais associados ao câncer de pulmão pelos participantes da pesquisa no Brasil, e revela a importância desses sintomas na busca por ajuda especializada:

Fonte: Pesquisa Cuide-se Hoje encomendada pela AstraZeneca. Setembro de 2022.

Apesar de o tabagismo ter sido reconhecido na pesquisa como o fator de risco de câncer de pulmão mais importante, quase um terço dos participantes brasileiros afirmou que fuma. E uma parte fuma bastante. Dentre os brasileiros adeptos ao tabagismo, 32% fumam entre 11 e 20 cigarros por dia e 7% fumam mais de um maço de cigarros diariamente. Quanto à frequência, 17% fumam todos os dias e 25%, ao menos três vezes por semana. O tabagismo (ativo ou passivo) está ligado a 80% dos casos de câncer de pulmão. 

Ao menos 9% dos tabagistas fumam charuto, cigarro, cachimbo ou narguilé cerca de três vezes por semana. Já os cigarros eletrônicos fazem parte dos hábitos de 6% dos fumantes, ao menos três vezes ao dia.

A quantidade de brasileiros preocupados com a própria saúde e com a prática de atividade física foi alta: 87% disseram que vão a uma consulta preventiva ao menos uma vez por ano; 31% afirmaram praticar exercícios cinco ou mais vezes por semana; 25% o fazem até quartro vezes por semana; e 26%, até três vezes. Nove por cento disseram que não praticam exercícios físicos.

A proporção de população sedentária no país é, no entanto, um dado sujeito a muitas variações de acordo com o desenho do levantamento realizado. Uma pesquisa feita pela Ipsos em 29 países, divulgada em agosto de 2021, indicou o Brasil era o segundo país com mais pessoas que declaram não investir nenhum tempo em atividade física (31%), perdendo apenas para o Japão (34%).

Perspectivas de enfrentamento

O câncer de pulmão mata mais de 28 mil pessoas e responde por quase 30 mil novos casos por ano no Brasil, o que faz deste um dos tipos de câncer mais incidentes e letais no país. Se nada for feito, a tendência é de aumento nos números de casos e mortes. “A perspectiva é de que, até 2030, o câncer se torne a principal causa de morte no mundo”, disse a Dra. Suellen Nastri Castro, oncologista na BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, ao comentar a pesquisa no dia de sua publicação. Para ela, as desigualdades sociais brasileiras dificultam a chegada da informação às diversas populações.

“A maior parte dos pacientes no Brasil ainda é diagnosticada em fase mais tardia, primeiramente pela falta de acesso à saúde. Apesar de acharmos que muito se fala sobre o câncer de pulmão — em maio, mês do tabagismo, e em novembro, quando abordamos o câncer de pulmão —, precisamos fazer a informação chegar a quem precisa, e melhorar o acesso e a jornada do paciente”, disse a médica.

Outro ponto levantado pela Dra. Suellen é que os médicos generalistas e de outras especialidades também precisam se atualizar sobre a doença. “Ao avaliar o paciente com suspeita de câncer de pulmão, alguns médicos acreditam que os sintomas podem ser acompanhados por algum tempo até que um [especialista] faça o diagnóstico”, disse a oncologista.

A Dra. Suellen explicou que a radiografia de tórax permite o diagnóstico da doença avançada. Ela defende que pessoas com perfil de risco sejam submetidas anualmente a uma tomografia com baixa dose de radiação. O exame de rastreamento indicado para os pacientes de alto risco é a tomografia computadorizada com baixa dose de radiação, capaz de identificar lesões pulmonares que podem ser câncer. “Isso reduziria a mortalidade. No entanto, apenas 15% das cidades brasileiras têm tomógrafos. A gente luta pela implementação disso no Brasil”, afirmou. 

Marlene Oliveira, ativista e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, apoia essa ideia. “Eu acho que o nosso país precisa começar a ter responsabilidade e seriedade ao falar sobre o rastreamento do câncer de pulmão. Parece tabu falar de rastreamento neste país. Eu não preciso ser economista para fazer as contas e saber que, se o paciente for diagnosticado de forma precoce, ele custará menos para o sistema. Se a doença estiver em fase avançada, o impacto financeiro será muito maior, e não apenas para o paciente, mas também para a sua família”, disse Marlene em entrevista ao Medscape em português. O Instituto Lado a Lado pela Vida, criado há 13 anos, se dedica à prevenção do câncer e das doenças cardiovasculares, e também à conscientização dos homens sobre a própria saúde.

Segundo a Dra. Suellen, as fontes pagadoras precisam considerar o custo-benefício e investir o quanto antes em prevenção e diagnóstico precoce.

A campanha Cuide-se Hoje reuniu depoimentos de médicos e pacientes gravados em diferentes países da América Latina. As histórias trazem um panorama da complexidade da doença e do seu impacto.

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