Ácido fólico associado a redução das tentativas de suicídio

Pauline Anderson

Notificação

11 de outubro de 2022

A prescrição de ácido fólico, uma forma sintética da vitamina B9, pode ser uma estratégia segura e eficaz para diminuir a ideação suicida, sugere nova pesquisa.

Após ajuste para múltiplos fatores, os resultados de um grande estudo farmacoepidemiológico mostraram que a utilização de ácido fólico foi associada a uma redução de 44% dos suicídios.

Dr. Robert Gibbons

"Esses resultados estão realmente colocando o ácido fólico diretamente na mesa como potencial de prevenção em larga escala, em nível populacional", disse ao Medscape o Dr. Robert D. Gibbons, Ph.D., professor de bioestatística do Center for Health Statistics, University of Chicago, Estados Unidos.

"O ácido fólico é seguro, barato e geralmente disponível, e se futuros ensaios clínicos randomizados e controlados mostrarem que esta associação está além de uma sombra de dúvida de relação causal, teremos uma nova ferramenta no nosso arsenal terapêutico", disse Dr. Robert.

Ter essa ferramenta seria extremamente importante, dado que o suicídio é uma crise de saúde pública tão significativa no mundo inteiro, acrescentou.

Os achados foram publicados on-line em 28 de setembro no periódico JAMA Psychiatry.

Pesquisas anteriores "bem tênues"

O ácido fólico, a forma natural da B9, é essencial para a neurogênese, a síntese de nucleotídeos e a metilação da homocisteína. Estudos anteriores sugeriram que tomar ácido fólico pode evitar defeitos do tubo neural e do coração do feto durante a gestação, e pode prevenir o acidente vascular cerebral e reduzir a perda auditiva relacionada com a idade em adultos.

Na psiquiatria, o papel do ácido fólico já é reconhecido há mais de uma década. Pode melhorar os efeitos dos antidepressivos; e a deficiência de ácido fólico pode prever uma pior resposta aos inibidores seletivos da recaptação da serotonina.

Isso gerou recomendações de aumento do ácido fólico nos pacientes com níveis baixos ou normais no início do tratamento da depressão .

Embora pesquisas anteriores tenham mostrado uma ligação entre o ácido fólico e o suicídio, os achados têm sido "bem tênues", com estudos "geralmente pequenos, e muitas casuísticas", disse o Dr. Robert.

O estudo em tela segue uma análise anterior, que utilizou uma nova metodologia estatística para gerar sinais de segurança dos medicamentos, que foi criada por Dr. Robert e colaboradores. Esse estudo comparou as taxas de tentativas de suicídio antes e depois do início de 922 medicamentos com pelo menos 3.000 prescrições.

Seus resultados mostraram que 10 fármacos foram associados a aumento do risco de suicídio após a exposição, com as associações mais fortes ocorrendo com alprazolam, butalbital, hidrocodona e a associação de codeína/prometazina. Além disso, 44 medicamentos foram associados à diminuição do risco de suicídio, muitos dos quais eram antidepressivos e antipsicóticos.

"Um dos achados mais interessantes em termos de redução do risco foi o do ácido fólico", disse o Dr. Robert.

Inicialmente, os autores pensavam que isto se devia a mulheres que tomavam ácido fólico durante a gestação. Mas ao restringir a análise aos homens, eles constataram o mesmo efeito.

O próximo passo foi realizar o atual estudo farmacoepidemiológico em grande escala.

Prescrições para a dor

Os pesquisadores utilizaram um banco de dados de pedidos de reembolso contendo 164 milhões de inscritos. A coorte do estudo foi formada por 866.586 adultos com plano de saúde (81,3% mulheres; 10,4% com 60 anos e mais) para os quais foi dispensada uma prescrição de ácido fólico entre 2012 e 2017.

Mais da metade das prescrições de ácido fólico foram associadas a distúrbios da dor. Cerca de 48% foram para um único agente na dose de 1 mg/dia, que é o limite máximo tolerável para adultos, inclusive na gestação e na lactação.

Outras doses diárias de agente único, variaram de 0,4 mg a 5,0 mg, representando 0,11% das prescrições. O restante era multivitamínicos.

Os participantes foram acompanhados por 24 meses. A análise entre as pessoas comparou as tentativas de suicídio ou os eventos de autoagressão resultando em atendimento ambulatorial ou internação do paciente durante períodos de tratamento com ácido fólico versus períodos sem tratamento.

Durante o período de estudo, a prevalência global de suicídios foi de 133 por 100.000 habitantes, o que representa um quarto da prevalência nacional nos Estados Unidos informada pelos National Institutes of Health dos EUA, de 600 casos por 100.000 habitantes.

Após o ajuste por idade, sexo, diagnósticos relacionados ao comportamento suicida e deficiência de ácido fólico, história de medicamentos redutores de ácido fólico e história de eventos suicidas, a razão de risco estimada de eventos suicidas ao tomar ácido fólico foi de 0,56 (intervalo de confiança [IC] de 95% de 0,48 a 0,65) que indica uma redução de 44% dos eventos suicidas.

"Esta é uma redução muito grande, e é extremamente significativa e animadora", disse o Dr. Robert.

Ele pontuou que a diminuição dos eventos suicidas pode ter sido ainda maior, considerando que o estudo capturou somente a prescrição de ácido fólico e os participantes também podem ter tomado produtos sem receita.

"A redução de 44% das tentativas de suicídio pode realmente ser subestimada", disse o Dr. Robert.

A idade e o sexo não moderaram a associação entre o ácido fólico e as tentativas de suicídio, e uma associação semelhante foi encontrada nas mulheres em idade fértil.

Resultados instigantes?

Os pesquisadores também avaliaram um grupo de controle negativo com 236.610 pessoas tomando cianocobalamina durante o período do estudo. A cianocobalamina é uma forma de vitamina B12, que é essencial para o metabolismo, síntese de células sanguíneas e sistema nervoso. Não contém ácido fólico e costuma ser usada no tratamento da anemia.

Os resultados não mostraram associação entre a cianocobalamina e os eventos suicidas na análise ajustada (razão de risco de 1,01; IC de 95% de 0,80 a 1,27) ou análise não ajustada (razão de risco de 1,02; IC de 95% de 0,80 a 1,28).

O Dr. Robert observou que este resultado reforça o argumento de que a associação entre o ácido fólico e a diminuição das tentativas de suicídio "não se deve somente à busca da saúde, como ao tomar suplementos vitamínicos".

Outra análise de sensibilidade mostrou que cada mês adicional de tratamento foi associado a uma redução de 5% na prevalência de eventos suicidas.

"Isto significa que quanto mais tempo você tomar ácido fólico, maior o benefício, que é o que se esperaria ver se houver uma associação real entre um tratamento e um resultado", disse o Dr. Robert.

Os novos resultados "são tão animadores, que realmente exigem a necessidade de um ensaio clínico controlado e randomizado sobre o ácido fólico e os eventos de suicídio", possivelmente em uma população de alto risco, como os veteranos, observou o pesquisador.

Um estudo deste tipo poderia usar avaliações longitudinais de eventos suicidas, como a Computerized Adaptive Test Suicide Scale (CAT-SS), que é validada, acrescentou. Essa escala contínua de questões relacionadas com o suicídio varia de subclínica, significando desamparo, desesperança e perda do prazer, às tentativas de suicídio e ao ato consumado.

Quanto às limitações do estudo, os pesquisadores indicaram que este estudo foi observacional, podendo haver efeitos de seleção. E o uso de dados de solicitações de reembolso provavelmente sub-representou o número de eventos suicidas por causa da notificação incompleta. Como indicam os pesquisadores, a prevalência de eventos suicidas neste estudo foi muito menor do que a prevalência nacional.

Outras limitações citadas foram que a associação entre o ácido fólico e os eventos suicidas pode ser explicada por viés saudável do usuário; e embora os pesquisadores tenham feito uma análise de sensibilidade em mulheres em idade fértil, não tinham dados sobre mulheres que planejavam ativamente engravidar.

‘Impressionante e animador’

Convidada a comentar o estudo para o Medscape, a Dra. Shirley Yen, Ph.D., professora associada de psicologia do Beth Israel Deaconess Medical Center, Harvard Medical School nos EUA, descreveu as novas descobertas como "bastante impressionantes" e "extremamente animadoras".

No entanto, a comentarista notou que "ainda é muito prematuro" sugerir o uso generalizado de ácido fólico para os pacientes com sinais e sintomas depressivos.

A Dra. Shirley, que já pesquisou os riscos de suicídio anteriormente, não participou deste estudo.

A comentarista concordou com os pesquisadores que os resultados exigem "estudos controlados mais robustos. Estes poderiam ser ensaios clínicos duplos-cegos randomizados e controlados, que poderiam ‘avaliar mais formalmente’ a utilização do ácido fólico em vez de somente as prescrições”, disse a Dra. Shirley.

O estudo foi financiado pelo National Institutes of Health, the Agency for Healthcare Research and Quality e pelo Center of Excellence for Suicide Prevention (US Department of Veterans Affairs). O Dr. Robert Gibbons informou atuar como perito em casos para o Departamento de Justiça dos EUA; receber honorários de especialista das empresas Merck, GlaxoSmithKline, Pfizer e Wyeth; e ter fundado a Adaptive Testing Technologies , que distribui a Computerized Adaptive Test Suicide Scale. A Dra. Shirley Yen informou não ter conflitos de interesse relacionados com o tema.

JAMA Psychiatry. Publicado on-line em 28 de setembro de 2022. Texto completo

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