Diferentes estudos têm investigado fatores de risco de tromboembolia venosa (TEV) em pacientes com covid-19, mas os resultados desses trabalhos ainda são inconsistentes. Cientes do potencial do aprendizado de máquina (machine learning) na investigação de questões complexas, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e colaboradores utilizaram o recurso na tentativa de aprofundar o conhecimento sobre a TEV na covid-19. Um artigo publicado no Internal and Emergency Medicine [1] traz os resultados da pesquisa que uniu a nova abordagem à estatística tradicional.
O estudo foi conduzido pelo médico Dr. Warley Cezar da Silveira durante seu mestrado em infectologia e medicina tropical na UFMG, e orientado pela professora Dra. Milena Marcolino. O Dr. Warley falou sobre os dados em uma entrevista ao Medscape.
Os autores analisaram uma coorte do Brazilian COVID-19 Registry [2] composta de 4.120 adultos diagnosticados com SARS-CoV-2 e internados entre março e setembro de 2020 em algum dos 16 hospitais incluídos na pesquisa, localizados em Minas Gerais, Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
A média de idade dos participantes era de 61 anos; 55,5% eram homens. A maioria (60,1%) foi hospitalizada em enfermarias e 39,3% estavam em estado crítico. Mais de 90% dos pacientes receberam tromboprofilaxia.
Durante a internação, 274 (6,7%) pacientes receberam diagnóstico de TEV, destes, 74,8% tiveram embolia pulmonar, 19,7% tiveram trombose venosa profunda e 5,4% ambas.
O estudo identificou que a presença de fibrilação atrial, valor elevado da razão entre saturação periférica de oxigênio e a fração inspirada de oxigênio (FiO2) – SF ratio – e o uso profilático de anticoagulantes foram fatores protetores contra a TEV nos pacientes com covid-19. Por outro lado, a análise combinada de regressão logística e aprendizado de máquina mostrou que D-dímero, temperatura axilar, contagem de neutrófilos, proteína C reativa (PCR) e lactato foram fatores de risco de TEV nesta população.
O Dr. Warley explicou que, dos cinco fatores de risco de TEV para os pacientes com covid-19 identificados na pesquisa, o único que também é reportado na população geral é a dosagem de D-dímero. “Um grande estudo observacional (LongitudinalInvestigationofThromboembolismEtiology) [3] que avaliou a associação entre fatores de risco de doença arterial e a ocorrência do primeiro episódio de TEV, mostrou que ter elevação basal de D-dímero parece estar fortemente associado à ocorrência futura de TEV, em um seguimento de oito anos. Enquanto naqueles pacientes que já tiveram TEV, temos evidência mostrando que a persistência de D-dímero elevado aumenta também o risco de recorrência de evento”, disse.
Quanto aos demais fatores de risco de TEV, o médico afirmou que, apesar de não serem usualmente identificados na população geral, podem ter aparecido como substitutos de fatores de risco já conhecidos.
A infecção aguda, por exemplo, é reconhecidamente um dos fatores de risco de TEV em pacientes hospitalizados. “É um dos critérios para estimar o risco de TEV em pacientes internados não cirúrgicos no conhecido escore de Padua, e costuma cursar com elevação de neutrófilos e de reagentes de fase aguda como a PCR”, destacou o Dr. Warley.
Já o lactato, explicou o pesquisador, é um produto do metabolismo anaeróbio e sua elevação funciona como um marcador de gravidade de doença, corroborando evidências que indicam aumento do risco trombótico em pacientes internados por sepse ou choque séptico.
A temperatura axilar, por outro lado, surge como uma novidade. Segundo o médico, não apareceu como fator de risco de TEV em estudos anteriores feitos com a população geral, tampouco naqueles conduzidos com pacientes com covid-19. “Nós ‘hipotetizamos’ que a elevação da temperatura corporal repercute em contração do volume, em função das perdas insensíveis, contribuindo assim com a estase venosa, um dos pilares da tríade de Virchow”, ressaltou.
Atualmente, já existe um escore para predizer TEV em pacientes hospitalizados com covid-19, o CHOD score. [4] E, segundo o Dr. Warley, existem várias semelhanças entre os fatores de risco que compõem este escore e os identificados no estudo. “CHOD é o acrônimo de C reactive protein (protéina C reativa) + heart rate (frequência cardíaca) + Oxigen saturation (saturação de oxigênio) + D-dimer levels (nível de dímero-D). Portanto, três dos quatro fatores de risco presentes no escore são identificados também em nosso estudo: D-dímero, PCR e saturação de oxigênio”, disse, lembrando que, no estudo da UFMG e colaboradores, a SF ratio apareceu como um fator protetor contra a TEV em pacientes com covid-19.
O CHOD score, de acordo com o pesquisador, é uma ferramenta que parece promissora, com um bom poder preditivo no estudo de derivação, no entanto, ainda demanda validação em populações maiores e mais diversas para provar sua utilidade.
Um dos grandes desafios da covid-19 é ser uma doença em constante mudança. Além das novas variantes, oriundas de mutações do SARS-CoV-2, o médico lembrou que a ampliação da vacinação populacional e os tratamentos que foram surgindo ao longo da pandemia também precisam ser considerados. “Todas essas mudanças têm impacto não apenas na ocorrência de evento trombótico, como também na morbimortalidade da doença”, destacou.
No caso específico da TEV, os dados atuais, segundo o especialista, já mostram taxas de eventos mais baixas do que as do início da pandemia, apesar de continuarem altas. No entanto, o médico considera que ainda é cedo para afirmar se essa redução nas taxas de eventos impactará os preditores de risco previamente identificados. “São necessários novos estudos incluindo pacientes nesse novo momento da pandemia”, concluiu.
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Citar este artigo: Fatores de risco de tromboembolia venosa em pacientes com covid-19 - Medscape - 6 de outubro de 2022.
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