PANTHER: Clopidogrel será ‘o novo ácido acetilsalicílico’ na doença coronariana?

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6 de setembro de 2022

O uso de inibidores do receptor plaquetário adenosina difosfato P2Y12, como o clopidogrel ou o ticagrelor, pode ser uma escolha melhor do que de ácido acetilsalicílico para a monoterapia antiplaquetária nos pacientes com doença coronariana, segundo os resultados de uma nova metanálise.

A metanálise PANTHER mostrou que o tratamento com um inibidor do P2Y12 reduziu o risco de isquemia, particularmente de infarto agudo do miocárdio (IAM), em comparação ao uso de ácido acetilsalicílico, sem aumentar o risco de sangramento.

O risco relativo de desfecho composto primário (morte de origem cardiovascular, IAM e acidente vascular cerebral [AVC]) foi 12% menor para os pacientes que receberam um inibidor do P2Y12, versus ácido acetilsalicílico, impulsionado principalmente pela relativa redução de 23% do IAM. Os casos de AVC também foram numericamente, porém não significativamente, mais baixos com o uso de inibidores do P2Y12.

O risco global de sangramento importante não diferiu de forma significativa entre os grupos, mas os casos de sangramento gastrointestinal e AVC hemorrágico foram menos frequentes entre os pacientes que receberam um inibidor do P2Y12 no lugar do ácido acetilsalicílico em monoterapia.

"A partir dessas evidências, a monoterapia prolongada com inibidores do P2Y12 em vez de monoterapia prolongada com ácido acetilsalicílico talvez se justifique para a prevenção secundária de pacientes com doença coronariana", concluiu o pesquisador responsável pela metanálise, o Dr. Marco Valgimigli, médico do Istituto Cardiocentro Ticino na Suíça.

O Dr. Marco apresentou os dados no European Society of Cardiology (ESC) Congress 2022 , recentemente realizado na Espanha.

A ‘ascensão das alternativas’ ao ácido acetilsalicílico

Convidado a comentar o estudo para o Medscape, o Dr. Heinz Drexel, médico afiliado ao Vorarlberg Institute for Vascular Investigation and Treatment na Áustria, afirmou: "O ácido acetilsalicílico é o alicerce da medicina cardiovascular, mas começaram a sugerir dados de que os inibidores do P2Y12 sejam melhores para a redução de eventos isquêmicos e hemorrágicos. De modo geral, eu diria que este é o início do futuro. A diferença não é grande a ponto de abandonarmos inteiramente o ácido acetilsalicílico, mas as vantagens parecem nitidamente maiores com o uso dos inibidores do P2Y12."

O clopidogrel foi o inibidor do P2Y12 utilizado pela maioria dos pacientes nesta análise, e esse medicamento está disponível em apresentação genérica, acrescentou Dr. Heinz, "de modo que é [um recurso terapêutico] barato. Então acredito que o clopidogrel vá se tornar o tratamento de escolha para a monoterapia antiplaquetária. O clopidogrel deve passar a ser o novo ácido acetilsalicílico".

Respondendo à indagação sobre este ser o início do fim do ácido acetilsalicílico, o Dr. Marco disse: "Eu não acho que seja o fim do ácido acetilsalicílico. Penso que esta seja a ascensão de alternativas ao ácido acetilsalicílico. Muitas diretrizes recomendam o ácido acetilsalicílico como antiplaquetário de primeira linha atualmente. Se houver contraindicação ou intolerância ao ácido acetilsalicílico, a segunda opção é um inibidor do P2Y12. Acho que agora podemos dizer que o inibidor do receptor plaquetário adenosina difosfato também pode ser considerado como primeira linha. A remoção completa do ácido acetilsalicílico desse cenário talvez exija mais estudos".

O Dr. Marco explicou que o ácido acetilsalicílico é a pedra angular da prevenção secundária para os pacientes com doença coronariana comprovada, e o acréscimo de um inibidor do P2Y12 ao ácido acetilsalicílico tornou-se o novo padrão terapêutico para os pacientes de maior risco (p. ex., pacientes com síndrome coronariana aguda ou que em preparo para intervenção coronariana percutânea) por conferir maior proteção contra eventos isquêmicos, embora isso esteja associado a um importante aumento do risco de sangramento.

A eficácia comparativa da terapia oral com inibidor de P2Y12 isolado vs. ácido acetilsalicílico isolado em pacientes com doença coronariana comprovada ainda não foi inteiramente compreendida. As diretrizes atuais recomendam o ácido acetilsalicílico como primeira linha após a cessação do duplo tratamento antiplaquetário.

A metanálise em tela foi feita com ensaios clínicos randomizados que compararam a monoterapia com inibidor oral do P2Y12 vs. ácido acetilsalicílico para a prevenção secundária de eventos isquêmicos em pacientes com cardiopatia, mas sem indicação de anticoagulação oral.

Foram elegíveis ensaios clínicos com fase antiplaquetária dupla inicial, mas a contribuição dessa fase se limitou à comparação da monoterapia pré-determinada após a exclusão dos pacientes que interromperam prematuramente o ensaio clínico durante a fase antiplaquetária dupla inicial.

Os sete ensaios analisados foram CAPRIE, HOST-EXAM, GLASSY, TICAB, DACAB, ASCET e CADET. A população do estudo foi formada pelos 24.325 pacientes inscritos nesses sete ensaios, dos quais 12.178 receberam monoterapia com inibidor do P2Y12 (clopidogrel 62,0%, ticagrelor 38,0%) e 12.147 receberam monoterapia com ácido acetilsalicílico. A duração mediana do tratamento foi de 557 dias.

O risco de desfecho primário da eficácia (um composto de morte de origem cardiovascular, IAM e AVC) foi menor para os pacientes em monoterapia com inibidor do P2Y12 do que para quem fez monoterapia com ácido acetilsalicílico (5,5% vs. 6,3%; razão de risco de 0,88; intervalo de confiança [IC] de 95% de 0,79 a 0,97; p = 0,014).

O número necessário para tratar de modo a prevenir um desfecho adverso foi de 123 pacientes.

O risco de sangramento importante foi numericamente, porém não significativamente, menor com inibição do P2Y12 do que com o ácido acetilsalicílico (1,2% vs. 1,4%; razão de risco de 0,87; IC 95% de 0,70 a 1,09; p = 0,23), mas houve uma redução clara e significativa dos casos de AVC hemorrágico (razão de risco de 0,32) e sangramento gastrointestinal (razão de risco de 0,75).

O risco liquidado de eventos adversos, definidos como o composto do desfecho primário de eficácia e sangramento maior, foi menor com a monoterapia com inibidor do P2Y12 do que com a monoterapia com o ácido acetilsalicílico (6,4% vs. 7,2%; razão de risco de 0,89; IC 95% de 0,81 a 0,98; p = 0,020); número necessário para tratar: 121 pacientes.

O benefício da monoterapia com inibidor do P2Y12 em comparação ao ácido acetilsalicílico foi impulsionado pela redução do IAM (2,3% vs. 3,0%; razão de risco de 0,77; IC 95% de 0,66 a 0,90; p < 0,001). O número necessário para tratar na prevenção do IAM com inibidor do P2Y12 foi de 136 pacientes. O risco de trombose definitiva ou provável da endoprótese para os pacientes que fizeram intervenção coronariana percutânea também foi significativamente reduzido (> 50%).

Não houve evidências de diferentes efeitos em nenhum subgrupo examinado, como por idade, sexo, tabagismo, diabetes mellitus, doença arterial periférica, história de AVC ou IAM, história de doença renal, apresentação clínica e tipo de inibidor do P2Y12 utilizado.

Mas o Dr. Marco chamou atenção para um grupo específico de pacientes: "Os pacientes que fizeram intervenção coronariana percutânea apresentaram uma impressionante redução de 30% no desfecho composto com inibidor do P2Y12, enquanto os pacientes que fizeram revascularização cirúrgica, ou não fizeram, foram menos impressionantes", relatou o médico.

"Isso pode ser uma interpretação exagerada dos dados, mas essa observação se encaixa muito bem no achado de uma redução acentua na trombose da endoprótese com os inibidores do P2Y12 vs. o ácido acetilsalicílico", comentou.

Implicações clínicas importantes

No papel de debatedor do estudo na sessão de ESC Hotline, o Dr. Steffen Massberg, médico associado à Klinikum der Universität München, referiu o estudo como "uma análise contemporânea muito importante e bem-feita", e disse que "os achados têm implicações clínicas importantes".

Segundo o Dr. Steffen, a análise revisita um dogma em muitas diretrizes, que recomendam a monoterapia com ácido acetilsalicílico como primeira linha para a prevenção secundária nos pacientes com doença coronariana estável, com o inibidor do P2Y12 considerado apenas para os pacientes com doença arterial periférica ou doença cerebrovascular.

O Dr. Steffen explicou que a razão para isso vem principalmente de evidências históricas do grande estudo CAPRIE, que sugeriu algum benefício do clopidogrel sobre o ácido acetilsalicílico, mas isso ocorreu principalmente entre os pacientes com doença arterial periférica ou com história de AVC, e nenhum benefício foi observado no subgrupo de pacientes com história de IAM.

Nos últimos anos, vários outros estudos analisaram essa questão (p. ex., os grandes ensaios clínicos GLASSY, TICAB e HOST-EXAM), e quando os dados provenientes de todos esses estudos foram combinados na metanálise PANTHER, foi visto um benefício moderado no desfecho composto de isquemia para os pacientes que receberam um inibidor do P2Y12, disse o médico. Os resultados também sugerem um benefício particular dos inibidores do P2Y12 para os pacientes que fizeram uma intervenção coronariana percutânea.

Ao contrário das metanálises anteriores, a PANTHER utilizou dados individuais dos participantes, só inseriu pacientes com doença coronariana comprovada e excluiu estudos com inibidores do P2Y12 desatualizados (ticlopidina), observou o comentarista.

Quanto às possíveis limitações da análise, o Dr. Steffen ressaltou que a média de idade dos pacientes avaliados na PANTHER foi de 64 anos, questionando se os dados são aplicáveis aos pacientes mais idosos. Além disso, a história pregressa de sangramento foi baixa (0,4%), portanto, pode ter havido viés na admissão de pacientes com baixo risco de sangramento, e o prasugrel não foi usado em nenhum dos ensaios clínicos analisados, o que significa que os resultados não são generalizáveis para todos os inibidores do P2Y12.

"A minha opinião é que estes resultados são muito importantes e vão modificar a prática clínica, mas acredito que o ácido acetilsalicílico ainda seja um padrão válido, pois está associado a melhor adesão e a menos efeitos secundários fora do alvo (em comparação ao ticagrelor), a uma menor variação na resposta ao tratamento (em comparação ao clopidogrel), sendo, provavelmente, economicamente mais vantajoso", comentou.

"Contudo a PANTHER, e particularmente o estudo HOST-EXAM, nos dão bons argumentos para o uso da monoterapia com inibidores do P2Y12 no lugar do ácido acetilsalicílico, particularmente para os pacientes mais jovens com história de revascularização", acrescentou o Dr. Steffen.

Benefício apesar da falta de genotipagem

Copresidente da sessão ESC HOTLINE, o Dr. Gabriel Steg, médico afiliado ao Hôpital Bichat na França, observou que, "ao discutir o uso de inibidores do P2Y12, estamos falando primariamente no clopidogrel".

Existe uma grande variação no metabolismo do clopidogrel, o que pode ter importantes consequências clínicas, ressaltou o Dr. Gabriel, mas foi observado benefício nesta análise, apesar de não ter sido feita nenhuma genotipagem para identificar os pacientes que não metabolizam bem o clopidogrel.

"Fiquei impressionado com o fato de os pacientes asiáticos, que tendem a apresentar maior prevalência de genótipos que predispõem a não metabolizar bem o clopidogrel, aparentemente terem respondido aos inibidores do P2Y12 ao menos tão bem quanto os outros grupos de pacientes", disse Dr. Gabriel.

"Eu, sinceramente, acho que apenas um número relativamente baixo de pacientes não responde ao clopidogrel, cerca de 5% com a mutação homozigótica", explicou o Dr. Marco. "Ao olhar para estudos de urgência de pacientes com síndrome coronariana aguda, se vê um sinal preliminar quando o ácido acetilsalicílico é suspenso e o paciente fica somente com o clopidogrel; pode haver aumento do risco de IAM, mas nesta metanálise focamos mais no tratamento prolongado, no qual o risco isquêmico é menor e os pacientes têm mais tempo para metabolizar o medicamento. Talvez seja essa a razão pela qual, em longo prazo, não se observa diferença entre o clopidogrel e o ticagrelor."

A análise PANTHER foi financiada por duas instituições acadêmicas suíças, o Istituto Cardiocentro Ticino e Inselspital o Universitätsspital Bern.

European Society of Cardiology (ESC) Congress 2022. Apresentado em 29 de agosto de 2022.

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