Médicos falam dos riscos de dar orientações médicas a amigos e parentes

Amanda Loudin

Notificação

15 de agosto de 2022

O Dr. Stephen Pribut, médico podiatra especialista em medicina do esporte em Washington, DC, sempre teve muitos amigos ou familiares pedindo orientação médica. É uma situação que todo médico vai enfrentar em um momento ou outro de sua carreira, e nunca é fácil.

O Dr. Stephen recebeu uma ligação de um amigo sobre um ombro machucado na natação, dizendo que o médico dele tinha descartado a possibilidade de lesão do manguito rotador. "Meses depois, exames de imagem revelaram que era uma lesão do manguito rotador e ele queria que eu o orientasse", disse o médico.

Não sendo especialista em ombro, o Dr. Stephen limitou a sua contribuição. "Disse-lhe que considerasse um bom fisioterapeuta ou especialista em ombro e lhe falei sobre algumas técnicas alternativas de natação que pudessem não agravar a lesão", explicou o médico.

Mas o médico admite que algumas situações são complicadas. "Eu tive um parente me perguntando sobre uma terceira pessoa com lesão no tornozelo. Orientei a não usar a prancha de equilíbrio até ficar bom, e a não deixar de consultar um especialista", disse o Dr. Stephen.

"Finalmente vi uma foto que revelou edema até o maléolo sem indícios de hematoma – muito mais baixo do que veríamos em uma lesão do ligamento do tornozelo. Gostaria que ele fosse ver um médico podiatra especialista em medicina do esporte ou um ortopedista especialista em pé e tornozelo, mas agora tenho de ficar tranquilo quando a orientação não é seguida", afirmou.

A maioria dos médicos se depara com a "olhadinha" muitas vezes, e a maior parte, segundo uma recente enquete do Medscape, resolve o problema. Quando perguntados "Você dá orientações médicas aos seus amigos?", 96% dos entrevistados responderam que sim.

O Dr. Yazan Abou-Ismail, professor assistente de medicina na divisão de hematologia na University of Utah, nos EUA, muitas vezes enfrentou perguntas de amigos e familiares, particularmente durante toda a pandemia da covid-19. "Como você responde é algo que todos os médicos precisam analisar cuidadosamente", disse o professor. "Me fazem perguntas regularmente, mas isso aumentou muito com a covid-19".

"Compartilhar informações gerais está certo e é até mesmo uma exigência que orientemos sobre esses temas", disse o Dr. Yazan. "Mas se alguém sabe que está com covid-19, por exemplo, e quer orientação sobre como proceder, é importante encaminhá-lo ao seu médico do atendimento primário para uma avaliação, em vez de dar instruções sobre o que fazer".

O Dr. Yazan disse que a maioria das "olhadinhas” é sinônimo de falta de um acompanhamento ético. "Se você deu uma orientação médica sem ter avaliado o paciente, falta a anamnese, o exame físico e você não deve dar orientações", disse. "Isso também se aplica aos acompanhamentos".

Ao longo da pandemia, os pedidos de orientação sobre a covid-19 para o Dr. Yazan se estenderam a indagações on-line, muitas vezes de estranhos. "Este não é o lugar para fazer uma avaliação formal", lembra o médico. "Mas existem determinados tipos de orientações que podem ser dadas de forma adequada".

O Dr. Yazan considera que a orientação segura são simples mensagens de saúde pública, nada específico. Coisas como "não fumar" ou "fazer uma alimentação saudável" e "dormir o suficiente", caem nesta zona de segurança. Até mesmo, "O que é a doença xyz?" ou "Como funcionam as vacinas anticovídicas?" são temas que ele diz responder confortavelmente.

"Mas dizer a alguém que precisa de um tratamento específico para uma doença é inadequado", explicou. "Esta é uma forma geral de praticar medicina. Sua orientação nunca deve se arriscar a potencialmente fazer mal".

Essa abordagem está exatamente de acordo com a orientação legal, segundo o advogado Dr. Jeff Caesar Chukwuma, fundador e sócio sênior do Chukwuma Law Group nos Estados Unidos. "Não significa que os médicos nunca devam dar orientações médicas para amigos ou parentes, mas, se o fizerem, devem tratar de tomar várias precauções para proteger tanto a si mesmos como a sua família e amigos", afirmou o advogado.

Quando o pedido de orientação médica de um conhecido entra em áreas em que o médico não é especialista, as recomendações tornam-se ainda mais complicadas e mais questionáveis do ponto de vista ético.

Segundo o Dr. Jeff Caesar, "Os médicos devem evitar dar orientações sobre temas fora da sua área de especialização para reduzir a possibilidade de transmitir informações equivocadas ou prejudiciais", afirmou.

Como ficar seguro quando solicitado a dar orientações

A American Medical Association (AMA) se manifestou sobre o tema. No Parecer 1.2.1 do Código de Ética Médica, a AMA afirma que "tratar-se a si mesmo ou a um membro da própria família representa vários desafios para os médicos, como questões de objetividade profissional, autonomia do paciente e o consentimento livre e esclarecido".

Mas e os amigos ou conhecidos?

Mesmo assim, alguns profissionais indagados manifestaram preocupações nestes casos. Respostas como: "Por questões éticas, eu preferiria que fossem e obtivessem primeira, segunda e terceira opiniões" e "Normalmente, a orientação médica é muito básica nos primeiros socorros (muitas vezes, primeiros socorros em saúde mental), e se for algo remotamente mais complicado, encaminho diretamente ao profissional adequado".

A AMA coloca a orientação para amigos no mesmo pé que a orientação e o tratamento de familiares ou de si mesmo. Em um artigo no periódico AMA Journal of Ethics , o médico Dr. Horacio Hojman, professor assistente da Tufts University School of Medicine nos EUA, se posicionou: "Em primeiro lugar, os pacientes merecem objetividade por parte dos seus médicos. Quando um médico está emocionalmente envolvido com um paciente, a objetividade desse médico pode ser questionada".

Por que a orientação médica é tão espinhosa ao ser direcionada a amigos ou parentes?

Em alguns casos, o médico pode não fazer a um amigo perguntas pessoais relevantes sobre a sua história clínica, por exemplo. Ou o amigo pode não querer compartilhar detalhes com o médico. Em qualquer caso, a ausência de troca de informações pode levar a orientações inadequadas.

A questão de dar orientações médicas a amigos, familiares e conhecidos também pode entrar em território legal. "Pessoalmente ou profissionalmente, a confiança é o fator decisivo que nos coloca à vontade com as pessoas que nos rodeiam", disse o advogado Dr. Jeff Caesar. "Em nenhum setor isto é mais verdadeiro do que na medicina, onde nos aproximamos dos médicos com algumas das questões mais delicadas da nossa vida e confiamos o nosso cuidado a eles, especialmente quando o médico em questão é um amigo próximo ou membro da família".

O Dr. Jeff Caesar ressalta que, embora existam poucas proibições legais rigorosas contra médicos que prestam atendimento ou orientações a familiares e amigos, o código de ética da AMA afirma que tal conduta deve ser reservada a situações raras, tais como emergências ou situações de isolamento, nas quais não exista outro médico qualificado disponível, ou para problemas menores imediatos.

Isso foi parte da equação para o Dr. Stephen quando ajudou sua mãe a fazer seu tratamento para câncer de mama. "Para os parentes próximos, oferecer orientações e ajuda pode ser muito difícil", disse.

"Isto se destina a proteger tanto os pacientes como os médicos", disse o Dr. Jeff Caesar. "Embora a busca de orientações de um membro da família ou amigo que seja médico possa ser mais conveniente para o paciente, corre-se o risco de receber um atendimento inadequado ao não fazer uma consulta médica formal e completa, com exames laboratoriais, exame clínico e acompanhamento".

O advogado oferece orientação sobre como compartilhar orientações médicas de modo ético e legal com a família, amigos e conhecidos. "Em primeiro lugar, tanto quanto possível, falar sobre fatos e conhecimentos médicos gerais, em vez de comentar diretamente a situação particular do paciente", disse. "Na ausência de exames laboratoriais e de imagem, o conhecimento do médico sobre a doença do paciente é limitado, portanto, deve-se ter cuidado para não dar respostas aparentemente definitivas sobre a doença desse paciente em situações em que não se possa contar com dados para respaldar as orientações e recomendações".

O artigo do periódico Journal of Ethics da AMA compartilha estas dicas para permanecer no lado certo da linha ética quando se trata de amigos e familiares:

  • Educadamente se abstenha.

  • Ofereça outras formas de assistência – isso pode ajudar um amigo a encontrar o médico qualificado certo. Talvez ajude a se orientar no sistema de saúde, por vezes confuso.

  • Em uma emergência, não hesite – o clássico cenário "tem algum médico a bordo?" em um avião quando alguém está em perigo é um momento perfeitamente aceitável e recomendado para agir, mesmo que seja um amigo ou membro da família.

O Dr. Stephen, veterano de longa data das águas médicas revoltas que envolvem amigos e família, tem a seguinte sugestão para oferecer: "Seja cauteloso e permaneça sempre no domínio do que você sabe", disse. "Incentive sempre as pessoas a procurar a opinião de um médico qualificado. Ajude-os a encontrar um médico respeitável se isso for útil".

O Dr. Jeff Caesar acrescenta também que os médicos devem manter-se firmes quando são pressionados por algum amigo ou parente, especialmente quando oferecem orientações, mesmo que seja na forma de educação geral. "O médico deve deixar claro ao familiar ou amigo que sua orientação não substitui absolutamente o tratamento ou exame real por um médico e que, se necessário, o paciente deve procurar ajuda médica formal de outro médico, idealmente, alguém que não faça parte de suas relações pessoais", disse. 

"Ao adotarem essas medidas, os médicos podem ainda estar envolvidos nos cuidados dos seus amigos e familiares sem pôr em risco os seus entes queridos ou a si mesmos"

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