Esteatose
A etimologia de esteatose é στέατος (stéatos), genitivo singular do grego antigo στέαρ (stéar, “gordura sólida”, “sebo”), e entrou na linguagem médica significando a degeneração gordurosa de uma célula, tecido ou órgão com retenção de gordura.
Quando ocorre no fígado chama-se esteatose hepática, cuja definição é o acúmulo de gordura no interior dos hepatócitos, que se torna patológico quando representa 5% a 10% do peso do fígado.
Já a esteatoepatite é a inflamação do fígado causada pelo acúmulo de gordura, que ocorre em alguns pacientes com esteatose. Caracteriza-se pela presença de esteatose associada a evidências de lesão hepática, como aumento das enzimas hepáticas e dos parâmetros inflamatórios no sangue.
Vale destacar que pelas regras de formação de termos médicos, o formante esteato se une a hepatite sem hífen e sem o h, que na língua portuguesa não pode ser grafado entre duas vogais. Portanto a grafia correta é esteatoepatite e não “esteatohepatite”.
Então, na língua portuguesa, esses são os termos descritivos da degeneração gordurosa do fígado, com ou sem processo inflamatório concomitante, de qualquer etiologia.
Por força do inglês... “doença hepática gordurosa”
Acontece que a língua inglesa não é muito afeita a helenismos e, apesar de ter o termo steatosis, prefere criar novas denominações sem lançar mão do formante grego: fatty liver disease, rapidamente “traduzido” por “doença hepática gordurosa” – exatamente o que sempre foi chamado de esteatose hepática.
Precisamos compreender que a linguagem médica da língua inglesa é muito limitada comparada à das línguas latinas, justamente por ter raízes linguísticas diferentes e pelo fato de a medicina ocidental alopática e sua linguagem terem origem na Grécia Antiga, chegando até a atualidade com importantes contribuições latinas.
O inglês saxônico não incorpora (ou muito pouco) os helenismos e ao se expressar usa diretamente o latim (como na locução de novo, que suscita tantos problemas de tradução) ou a linguagem coloquial (como headache, enquanto nós usamos cefaleia na linguagem médica e dor de cabeça na linguagem coloquial).
Então a passagem direta dos termos ingleses para o português costuma não dar muito certo, daí a necessidade de um tradutor especializado.
Mas as coisas se complicam, posto que se multiplicam: fatty liver virou “fígado gorduroso” nas traduções e fatty liver disease ganhou adjetivos (e as indefectíveis siglas da língua inglesa), como “nonalcoholic fatty liver disease (NAFLD)”, novamente “traduzida” como “doença hepática gordurosa não alcoólica” ou “doença gordurosa não alcoólica” – que na verdade corresponde à esteatose hepática sem relação com bebidas alcoólicas ou de outra etiologia, exceto bebidas alcoólicas.
Qual é o problema?
Bom, temos três. O primeiro é autoexplicativo: por que substituir um termo do nosso idioma (esteatose hepática) por um estrangeirismo cujo significado é rigorosamente o mesmo (doença gordurosa hepática)? Isso descaracteriza a linguagem médica na língua portuguesa, formada essencialmente de elementos linguísticos greco-latinos, cujo sentido é inequívoco. Isso é precioso para a linguagem científica, o sentido unívoco.
Em segundo lugar, a sinonímia não enriquece a linguagem científica, antes a empobrece, dando margem à tão temida confusão. A ciência e a confusão não se conjugam. Como dizia Dr. Joffre M. de Rezende, “O ideal é que cada coisa seja designada por um só termo e que cada termo designe uma só coisa”.
O terceiro problema é o “não alcoólica”, já que em português advérbio é a classe gramatical que acompanha verbos, adjetivos verbais ou outros advérbios, acrescentando características ou intensificando o seu sentido. Os advérbios nunca estão ligados a um substantivo, por isso esse “não alcoólico” não faz parte do nosso modo de falar, é um decalque do inglês. Para fazer a negação em português não basta jogar um advérbio de negação antes de qualquer palavra, como em inglês; precisamos reescrever da maneira correta.
Em suma, essa pletora de “doença hepática” (gordurosa, gordurosa não alcoólica, gordurosa metabólica) e “fígado gorduroso”, “fígado gordo” é absolutamente desnecessária, já temos a esteatose hepática, obrigada.
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Citar este artigo: Ambulatório das palavras: esteatose - Medscape - 3 de agosto de 2022.
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