O estresse causado pela perda de um familiar pode levar à morte precoce de pacientes com insuficiência cardíaca (IC), segundo um grande estudo sueco que ressalta a necessidade de maior integração dos fatores de risco psicossociais ao tratamento da IC.
O risco relativo (RR) ajustado de morte foi quase 30% maior nos pacientes enlutados com IC (RR de 1,29, intervalo de confiança [IC], de 95%, de 1,27 a 1,30) e levemente maior para aqueles que sofreram a perda de mais de um membro da família (RR de 1,35).
O maior risco ocorreu na primeira semana após a perda (RR de 1,78), persistindo após 5 anos de acompanhamento (RR de 1,30).
"A insuficiência cardíaca é uma doença muito difícil e possui um prognóstico muito ruim, podendo ser comparada a muitos tipos de câncer", disse ao Medscape a autora principal do estudo, Dra. Krisztina László, Ph.D., do Instituto Karolinska, na Suécia. "Portanto, é importante estarmos cientes desses riscos aumentados e entendê-los melhor."
O risco de morte precoce pode estar relacionado à cardiomiopatia induzida por estresse, também conhecida como síndrome de Takotsubo, e à ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, do sistema renina-angiotensina-aldosterona e do sistema nervoso simpático, explicou ela. Riscos aumentados no longo prazo podem significar um estresse crônico, levando a doenças malcuidadas e um estilo de vida não saudável.
"Se entendermos melhor os mecanismos subjacentes, talvez possamos dar orientações mais específicas", disse a Dra. Krisztina. “Neste momento, acredito que ter consciência do risco, tentar acompanhar os pacientes (ou, pelo menos, não permitir que fiquem sem o acompanhamento de rotina), fazer perguntas e tentar entender quais são suas necessidades… Talvez seja isso que possamos fazer bem. "
Um artigo de posicionamento recente da European Association of Preventive Cardiology mostrou que fatores de risco psicossociais, como depressão e isolamento social, podem exacerbar a insuficiência cardíaca. Além disso, o documento pede uma melhor integração de fatores psicossociais ao tratamento de pacientes com IC crônica.
"Não fazemos um trabalho muito bom nesse sentido, mas acredito que esses fatores sejam muito importantes", observou o médico Dr. Stuart D. Russell, especialista em IC avançada e professor de medicina na Duke University, nos Estados Unidos, que não participou do estudo.
"Quando ouvimos sobre a morte de um cônjuge, podemos até ligar e prestar solidariedade. Entretanto, esse é um grupo de pacientes que, provavelmente, deveria ser acompanhado mais de perto nos próximos 6 meses (em média) para verificarmos se existe algo que possa ser feito, tanto do ponto de vista médico quanto social, para evitar parte desse aumento da mortalidade", disse ele ao Medscape.
Embora vários estudos tenham relacionado o luto com desfechos de saúde adversos, este é apenas um dos dois estudos que analisaram especificamente o papel desta condição no prognóstico da IC, observou a Dra. Krisztina. Um estudo de 2013 com 66.000 veteranos do sexo masculino relatou que os viúvos tinham um risco de mortalidade por todas as causas quase 38% maior do que os veteranos casados.
O estudo recente estendeu esses achados para 490.527 pacientes do Registro Sueco de Insuficiência Cardíaca entre 2000 e 2018 e/ou do Registro Sueco de Pacientes com diagnóstico primário de IC entre 1987 e 2018. Durante um acompanhamento médio de 3,7 anos, 12% dos participantes perderam um familiar e 383.674 participantes morreram.
Os resultados mostraram que o risco de mortalidade por IC aumentou 10% após a morte de um filho, 20% após a morte de um cônjuge/companheiro, 13% após a morte de um irmão e 5% após a morte de um neto.
Não foi observado aumento do risco após a morte de um dos pais, provavelmente devido à idade média dos pacientes de cerca de 75 anos, o que "corresponde às nossas expectativas neste momento da vida", disse a Dra. Krisztina.
Foi observada uma associação entre luto e risco de mortalidade em casos de perdas causadas por doenças cardiovasculares (RR de 1,34) e outras causas naturais (RR de 1,27). Isso também ocorreu em casos de mortes não naturais, como no suicídio (RR de 1,13).
Os achados globais foram semelhantes independentemente da fração de ejeção do ventrículo esquerdo e da classe funcional de acordo com os critérios da New York Heart Association (NYHA). Eles também não foram afetados pelo sexo ou país de nascimento.
O Dr. Stuart concordou que a morte de um dos pais seria esperada entre os pacientes mais idosos com IC, mas disse que "se o mecanismo etiológico realmente for o aumento dos hormônios do estresse, como ocorre na síndrome de Takotsubo, seria razoável pensarmos que ele seria mais intenso no caso da morte de um filho. Isso me chocou um pouco."
“A forte associação entre a mortalidade e a perda de um cônjuge ou companheiro não foi surpreendente, uma vez que eles são uma importante fonte de apoio social mútuo”, ele acrescentou.
“Se o cônjuge de um paciente de 75 anos morre, precisamos ter certeza de que temos o número de telefone dos filhos ou de outras pessoas próximas para podermos entrar em contato e dizer: ‘Você poderia verificar como ele está?’”, disse ele. "Também precisamos ter certeza de que eles serão acompanhados por alguém, pois acredito que, provavelmente, pelo menos metade do que os pacientes ouvem em uma consulta clínica entra por um ouvido e sai pelo outro. Ter esse acompanhamento ajudaria bastante. Sendo assim, precisamos descobrir quem é essa nova pessoa de apoio para o paciente."
Questionado se haveria iniciativas em andamento para incorporar fatores psicossociais às diretrizes atuais nos Estados Unidos, o Dr. Stuart respondeu: "Certamente, no contexto da insuficiência cardíaca, não acredito que estejamos, de fato, discutindo essa questão e talvez essa seja a melhor parte do artigo. Ele realmente nos faz pensar em uma forma diferente de abordar esses pacientes mais idosos."
A Dra. Krisztina disse serem necessários estudos futuros para verificar se fontes menos graves de estresse também poderiam contribuir para um mau prognóstico na IC.
"Na população estudada, 12% dos pacientes foram afetados, o que é muito, mas existem pacientes com insuficiência cardíaca submetidos diariamente a outras fontes de estresse menos graves, porém crônicas, que afetam um grande número de indivíduos", disse ela. "Essa análise poderia ter implicações importantes na saúde pública e seria um próximo passo importante".
Os autores relataram que não conseguiram eliminar o confundimento residual devido a fatores genéticos, socioeconômicos, de estilo de vida ou de saúde não mensurados e compartilhados por membros de uma mesma família. Outras limitações foram a capacidade restrita de detectar um efeito moderado em algumas das subanálises e o fato de que os achados podem ser generalizáveis apenas para países com contextos sociais, culturais, e fatores relacionados à saúde semelhantes aos da Suécia.
O estudo foi apoiado por doações do Conselho Sueco de Vida Profissional e Pesquisa Social, da Fundação de Pesquisa do Instituto Karolinska e do Conselho de Bolsas de Estudo da China. A Dra. Krisztina também recebeu apoio de uma bolsa do Fundação do Coração e Pulmão da Suécia. Todos os outros autores e o Dr. Stuart informaram não possuir conflitos de interesses.
J Am Coll Cardiol HF. Publicado em 6 de julho de 2022. Abstract
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Imagem principal: Getty Images
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Citar este artigo: Sofrimento causado pelo luto pode ser fatal na insuficiência cardíaca - Medscape - 21 de julho de 2022.
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