Paracetamol ligado a diminuição da resposta à imunoterapia no câncer

M. Alexander Otto

Notificação

17 de junho de 2022

Pesquisadores franceses alertam sobre o uso de paracetamol em pacientes oncológicos em tratamento com bloqueadores de pontos de controle imunológico.

A equipe encontrou uma forte associação entre o uso de paracetamol e a diminuição da resposta aos inibidores de pontos de controle imunológico em um estudo com três coortes clínicas compostas de mais de 600 pacientes com câncer avançado.

Pacientes que utilizaram paracetamol no início da imunoterapia (com exposição ao paracetamol confirmada por dosagem plasmática) apresentaram sobrevida global e sobrevida livre de progressão da doença piores do que pacientes que não usaram o analgésico. A análise multivariada confirmou a associação, independentemente de outros fatores prognósticos. "É improvável que nossos dados sejam resultantes de viés ou fatores de confusão não mensurados", comentaram os autores.

Os achados "representam um argumento convincente a favor da cautela" no uso de paracetamol em pacientes com câncer em tratamento com bloqueadores de pontos de controle imunológico, concluíram o pesquisador sênior, médico Dr. Antoine Italiano, Ph.D., oncologista da Université de Bordeaux, na França, e colegas.

O estudo foi apresentado na reunião anual da American Society of Clinical Oncology e publicado simultaneamente no periódico Annals of Oncology.

"Pacientes com câncer avançado que utilizaram [paracetamol] durante a imunoterapia apresentaram piores desfechos clínicos, o que sugere que [o fármaco] diminua a imunidade antitumoral mediada por células T", comentaram os autores.

Eles também relataram pesquisas de bancada de laboratório e exames de sangue de quatro voluntários saudáveis, que mostraram uma suprarregulação de células T reguladoras imunossupressoras (Tregs) com o paracetamol, bem como outros achados que, juntos, sugeriram que o paracetamol prejudique os processos imunológicos antitumorais pelos quais os inibidores de pontos de controle funcionam.

Reconsidere o pré-tratamento com paracetamol

Após ouvir o Dr. Antoine apresentar os resultados na reunião, um oncologista polonês na plateia disse estar preocupado, pois sua clínica utiliza paracetamol como pré-medicação antes do bloqueio dos pontos de controle imunológico, ele queria saber se deveria parar de fazê-lo.

"Não acho que induzir células Tregs em pacientes com câncer seja uma boa abordagem. Faço muitos ensaios clínicos, e não entendo por que, em vários casos, os patrocinadores exigem pré-medicação obrigatória com paracetamol. Acho que deveríamos reconsiderar essa abordagem", disse o Dr. Antoine.

Existem precedentes para os achados. Em alguns estudos, o paracetamol (também conhecido como acetaminofeno), demonstrou limitar a proliferação de células imunitárias, a resposta de anticorpos dependentes de células T e a depuração viral, entre outras coisas. Após um ensaio randomizado mostrando respostas atenuadas a vacinas em indivíduos que tomaram paracetamol, a Organização Mundial da Saúde recomendou, em 2015, contra o uso concomitante de paracetamol e a aplicação de vacinas.

Corticoides, antibióticos e inibidores da bomba de prótons também demonstraram recentemente piorar os resultados com pembrolizumabe, observou a debatedora convidada, Dra. Margaret Gatti-Mays, oncologista afiliada à Ohio State University, nos Estados Unidos.

"Estamos começando a entender que (...) medicamentos comumente utilizados podem ter um maior impacto sobre a eficácia e toxicidade do bloqueio de pontos de controle imunológico do que foi visto historicamente com a quimioterapia", disse ela.

No entanto, ela expressou alguma incerteza sobre os achados franceses, pois estava preocupada que até mesmo a análise multivariada não descartasse completamente o fato de os pacientes em uso de paracetamol já terem doenças mais graves, portanto, seria de se esperar que seus desfechos fossem piores.

Ela também não tinha certeza sobre qual quantidade de paracetamol seria demais.

O paracetamol tem uma meia-vida de cerca de três horas, enquanto os inibidores de pontos de controle imunológico têm uma meia-vida de cerca de 20 dias.

Diante disso, a Dra. Margaret se perguntou: "[seria] uma única dose de paracetamol suficiente para impedir o benefício da inibição de pontos de controle? A exposição precisa ser contínua?"

Ela admitiu que o uso de paracetamol pode ser mais um dos muitos fatores individuais que surgiram ultimamente, tais como estresse crônico, dieta, flora bacteriana corporal e idade fisiológica, que podem ajudar a explicar o motivo para a inibição dos pontos de controle funcionar em apenas cerca de 20% dos pacientes com câncer elegíveis.

Detalhes do estudo

O Dr. Antoine e sua equipe analisaram amostras plasmáticas de 297 participantes do ensaio CheckMate 025 sobre nivolumabe para câncer renal, 34 participantes do estudo BIP sobre alterações moleculares acionáveis no câncer e 297 participantes do estudo PREMIS sobre eventos adversos relacionados à imunidade. Os pacientes nesses dois últimos estudos tinham diversos tipos de neoplasias e estavam tomando vários medicamentos.

Todos os 628 pacientes estavam em uso de inibidores de pontos de controle. Os pesquisadores dividiram os pacientes de acordo com a presença e ausência de níveis plasmáticos de paracetamol ou glicuronídeo (um metabólito) no início do tratamento com inibidores de pontos de controle.

No estudo CheckMate 025, a sobrevida global foi significativamente pior entre os participantes que apresentaram níveis plasmáticos detectáveis de paracetamol ou glicuronídeo (razão de risco [RR] de 0,67; P = 0,004).

Nenhum dos participantes do estudo BIP que utilizou paracetamol respondeu ao bloqueio de pontos de controle, em comparação com quase 30% dos que não usaram paracetamol. Os participantes que tomaram paracetamol também tiveram tendência à sobrevida livre de progressão (mediana de 1,87 versus 4,72 meses) e sobrevida global (mediana de 7,87 vs. 16,56 meses) piores.

No estudo PREMIS, a sobrevida livre de progressão foi uma mediana de 2,63 meses no grupo que utilizou paracetamol vs. 5,03 meses em participantes que não utilizaram o analgésico (P = 0,009). A sobrevida global mediana foi de 8,43 meses vs. 14,93 meses, respectivamente (P < 0,0001).

Foi realizada uma análise multivariada no estudo PREMIS. A exposição ao paracetamol foi associada tanto à sobrevida livre de progressão (RR de 1,43; P = 0,015) quanto à sobrevida global (RR de 1,78; P = 0,006) independentemente do status de desempenho, metástases hepáticas, metástases ósseas, número de sítios de metástases, tipo de tumor, número de esquemas de tratamento anteriores, uso de corticoides/antibióticos, níveis de lactato desidrogenase e outros fatores.

O estudo não recebeu financiamento externo. O Dr. Antoine atua como consultor para as empresas AstraZeneca, Bayer, Chugai, Deciphera, Merck, Parthenon, Roche e Springworks. Ele também recebeu verbas de pesquisa da AstraZeneca, Bayer, BMS, Merck, MSD, Novartis, Pharmamar e Roche. Dois autores trabalham para a Explicyte e um trabalha para a Amgen. A Dra. Margaret atua como consultora para a Seattle Genetics.

Annals of Surgery. Publicado on-line em 06 de junho de 2022.

Reunião anual da ASCO. Abstract 12000 ; apresentado em 06 de junho de 2022. 

O Dr. M. Alexander Otto é um médico assistente com mestrado em ciências médicas e graduado em jornalismo pela Newhouse. Ele é um premiado jornalista médico que trabalhou para diversos veículos de comunicação de grande porte antes de ingressar no Medscape e também é membro do MIT Knight Science Journalism. E-mail: aotto@mdedge.com

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