COMENTÁRIO

Esclerose múltipla: implicação dos biomarcadores nas decisões terapêuticas

Dr. Renan Domingues; Dr. Márcio Vega; Dr. Fernando Brunale; Dr. Carlos Giafferi; Dr. Carlos Senne

14 de junho de 2022

Colaboração Editorial

Medscape &

A esclerose múltipla é uma doença autoimune e heterogênea que acomete o sistema nervoso central (SNC), caracterizada por inflamação crônica, desmielinização, gliose e perda neuronal. Seu curso pode ser recorrente-remitente (85% dos casos) ou progressivo.

Pacientes com doença mais ativa apresentam surtos clínicos mais frequentes, maior carga lesional à ressonância magnética e maior risco de evoluir, em menos tempo, com sequelas definitivas. Contudo, os critérios mais usados para avaliar a atividade da doença (quadro clínico e ressonância) ainda carecem de sensibilidade, principalmente para determinar a atividade da doença nos estágios iniciais. Outro parâmetro ainda pouco avaliado através dos exames de rotina é o grau de degeneração axonal, que está correlacionado com piora da evolução clínica, pois é difícil mensurá-lo na prática clínica.

Os medicamentos modificadores da doença são a base do tratamento da esclerose múltipla. O tratamento deve ser iniciado logo após o diagnóstico, com o objetivo de reduzir a atividade da doença, prevenir a ocorrência de lesões e sintomas e retardar a evolução para a forma progressiva. O tratamento precoce pode possibilitar a manutenção da funcionalidade dos pacientes por mais tempo.

Nos últimos anos, houve uma mudança considerável em relação aos medicamentos modificadores da doença, especialmente em função da introdução de medicamentos mais eficazes. Dentre eles, podem ser citados os anticorpos monoclonais (p. ex.: natalizumabe, ocrelizumabe, alentuzumabe e ofatumumabe) e a cladribina. Além disso, alguns estudos mostraram eficácia do ocrelizumabe no tratamento da forma progressiva primária, que, até então, não era contemplada pelos medicamentos modificadores da doença aprovados.

Com o desenvolvimento e a disponibilização de vários medicamentos modificadores da doença, que apresentam diferentes mecanismos de ação, é importante detectar biomarcadores confiáveis ​​para identificar os pacientes com esclerose múltipla de alto risco e alta atividade, que possam receber medicamentos mais potentes, mas também com maior risco de efeitos adversos. É necessário também identificar os pacientes para os quais o uso de medicamentos com menos risco de efeitos adversos, mas com menor eficácia, seria justificável (p. ex.: betainterferona, glatirâmer, teriflunomida, fumarato de dimetila e fingolimode). Contudo, os métodos convencionais de análise da atividade da doença ainda apresentam limitações para identificar, desde o início da doença, os pacientes que deveriam ser tratados com um ou outro grupo de medicamentos.

Biomarcadores

A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) mostra-se promissora para demostrar o grau de atividade da doença e auxiliar a diferenciar pacientes com esclerose múltipla com alto risco de incapacidade dos pacientes com uma doença mais benigna. Estudos relatam que uma maior quantidade de bandas oligoclonais (tanto IgG quanto IgM), altos índices quantitativos de IgG e altos níveis de cadeias leves kappa (índice kappa bastante elevado), teriam um papel prognóstico.

Os neurofilamentos compõem o citoesqueleto neuronal. São liberados em quantidade significativa após o dano axonal ou a degeneração neuronal, tanto no líquido intersticial quanto no LCR. A avaliação da quantidade de neurofilamentos no LCR, particularmente da subunidade de cadeia leve (NfL), é um marcador fidedigno de dano axonal. Estudos mostram níveis elevados de NfL no LCR em uma ampla variedade de distúrbios neurológicos associados a degeneração axonal. Na esclerose múltipla, a dosagem do NfL no LCR serve para avaliar:

  • a atividade da doença;

  • a atrofia cerebral;

  • a progressão do processo neurodegenerativo; e

  • a eficácia do tratamento.

O NfL sérico de pacientes com esclerose múltipla também tem sido estudado. A análise do sangue é, obviamente, preferível à do LCR, pois não requer punção lombar. Embora exista uma correlação estatisticamente significativa entre os níveis séricos e liquóricos, a concentração de NfL no LCR é mais elevada. Em amostras pareadas, a concentração sérica de NfL foi cerca de 100 vezes menor do que no LCR. Os métodos convencionais não são suficientemente sensíveis para detectar as baixas concentrações de NfL sérico, sendo necessária a utilização da plataforma SIMOA (single-molecular array).

Outros biomarcadores liquóricos avaliados:

CXCL13: Quimiocina associada a neogênese linfoide meníngea. Prediz a conversão de síndrome clinicamente isolada para esclerose múltipla clinicamente definida, além de correlacionar-se com taxa de surtos, incapacidade medida pelo EDSS e número de lesões à ressonância. Um estudo identificou uma subpopulação com níveis aumentados de dano cortical e pior curso da doença. Nesta subpopulação, havia altos níveis de CXCL13 no LCR.

GFAP: A proteína citoesquelética astrocítica GFAP é altamente expressa na astrogliose e nas lesões da esclerose múltipla. Altos níveis de GFAP são associados à maior incapacidade, principalmente nos pacientes com a forma secundariamente progressiva.

Proteína YKL-40: É uma glicoproteína predominantemente expressa pela glia e macrófagos ativados, células musculares lisas vasculares, epitélios das vias respiratórias e condrócitos. Um estudo mostrou aumento da YKL-40 no LCR de pacientes com síndrome clinicamente isolada que evoluíram para esclerose múltipla clinicamente definida. Os níveis de YKL40 no LCR correlacionam-se com a quantidade de lesões à ressonância e progressão clínica da doença.

Conclusão

Alguns biomarcadores, em especial o NfL, têm mostrado potencial eficácia para prever o curso da esclerose múltipla. A dosagem destes e de futuros novos biomarcadores poderá trazer contribuições ainda mais específicas para a prática clínica, direcionando as opções terapêuticas de forma mais ajustada às características da doença de cada paciente.

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