A migrânea é uma doença altamente prevalente que acomete de 12% a 15% da população mundial e tem um grande impacto, sendo a segunda maior causa de anos vividos com incapacidade.
A expressão clínica da migrânea é determinada em 40% a 60% por fatores genéticos, todavia fatores não genéticos endógenos (p. ex.: idade e flutuações hormonais) e exógenos (p. ex.: traumatismo craniano, fadiga e alterações do sono) modulam o risco e atuam como gatilho.
Estudos preliminares indicam que os loci de risco de migrânea estão envolvidos na síntese de moléculas relacionadas à neurotransmissão glutamatérgica, ao desenvolvimento de sinapses, à plasticidade sináptica, às metaloproteinases e à sensibilidade à dor.
A contribuição genética nos diferentes tipos de migrânea não é homogênea. Em algumas síndromes monogênicas, ocorre uma herança mendeliana:
arteriopatia cerebral autossômica dominante com infartos subcorticais e leucoencefalopatia (CADASIL, do inglês Cerebral Autosomal Dominant Arteriopathy with Subcortical Infarcts and Leukoencephalopathy);
vasculopatia retiniana com leucoencefalopatia cerebral e manifestações sistêmicas (RVCL-S, do inglês Retinal Vasculopathy with Cerebral Leukoencephalopathy and Systemic manifestations);
síndrome familiar da fase avançada do sono (FASPS, do inglês Familial Advanced Sleep-Phase Syndrome); e
enxaqueca hemiplégica familiar (FHM, do inglês Familial Hemiplegic Migraine).
Nestas síndromes, identificam-se mutações genéticas específicas e bem determinadas: a CADASIL é causada por mutações no gene NOTCH3 e a RVCL-S é causada por mutações no gene TREX1, que codifica uma exonuclease 3'-5'. Na FASPS, há mutações no gene CSNK1D, que codifica a caseína quinase 1δ, um regulador do ritmo circadiano, afetando o sono e causando migrânea com aura. A FHM pode estar associada a três diferentes genes, FHM tipo 1, 2 e 3, e eles podem estar respectivamente associados a mutações nos genes CACNA1A, que codifica uma subunidade de canal de cálcio; ATP1A2, que codifica uma subunidade de bomba de sódio/potássio; e SCN1A, que codifica uma subunidade de canais de sódio.
As síndromes monogênicas são bastante raras. Em geral, a migrânea está associada a diferentes loci de susceptibilidade, que são avaliados por estudos de associação de todo o genoma (GWAS, do inglês Genome-Wide Association Study). Em fevereiro de 2022, Hautakangas et al. publicaram na revista Nature Genetics, através do International Genetics Headache Consortium, o maior GWAS e migrânea já realizado. Este, que foi um estudo europeu, incluiu uma amostra total de 102.084 casos e 771.257 controles. Foi também avaliada a especificidade do subtipo dos loci de risco em casos de migrânea com e sem aura.
Os autores identificaram 123 loci genômicos, dos quais 86 eram desconhecidos até então. Nas análises dos tipos de migrânea, foram identificados loci de risco aparentemente específicos apenas para migrânea com aura ou para migrânea sem aura ou para loci compartilhados por ambos os tipos. Três variantes foram identificadas como específicas para migrânea com aura: rs12598836 no locus HMOX2, rs10405121 no locus CACNA1A e rs11031122 no locus MPPED2. Duas variantes foram específicas para migrânea sem aura: rs7684253 e rs8087942. Nove variantes foram associadas tanto à migrânea com aura quanto à migrânea sem aura. A observação de que o gene CACNA1A está associado às formas monogênica e poligênica de migrânea sugere o compartilhamento de variantes entre os dois transtornos.
Os dados do estudo apoiam o conceito de que a migrânea é causada por fatores genéticos neuronais e vasculares. O envolvimento neuronal foi corroborado por dados de expressão gênica de 13 regiões do cérebro, como o núcleo caudado, o córtex pré-frontal dorsolateral, entre outras. A análise da expressão de genes vasculares corrobora uma correlação genética entre migrânea e determinadas doenças cardiovasculares. Além destes achados, os autores reportaram novos loci de risco relacionados a genes-alvo de terapias recentes para a migrânea; por exemplo, no peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP, do inglês Calcitonin Gene-Related Peptide) e ao receptor serotoninérgico 5-HT1F.
O trabalho em questão traz, portanto, contribuições para o entendimento da genética da migrânea, apoiando a noção de que esta é uma doença neurovascular e os diferentes tipos de migrânea, apesar de compartilharem alguns loci de risco, possuem determinantes genéticos próprios. O estudo também identifica novos loci de alvos terapêuticos para a migrânea. Estes dados indicam a complexidade da biologia da migrânea e apontam para a genética como uma forma de desenvolver novas terapias contra esta doença.
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Citar este artigo: A genética da migrânea: entenda a influência - Medscape - 27 de mai de 2022.
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