Qual é a melhor tradução para “imaging” , na radiologia? Você já reparou na confusão quando a alopecia areata está sendo referida nos textos redigidos em inglês? A língua portuguesa está coalhada de termos provenientes do inglês e, por diferentes motivos, a linguagem médica recebe essa influência com bastante força. Diante disso, os profissionais da saúde frequentemente se deparam com quebra-cabeças linguísticos de difícil solução, que geram dúvidas, dificuldades e, consequentemente, neologismos e traduções mal-ajambradas, que comprometem a acurácia necessária ao discurso científico.
Pensando nisso, em abril, o Medscape em português iniciou a pré-publicação de trechos inéditos do “Dicionário de dúvidas e dificuldades da tradução do inglês médico para o português”, traduzido e adaptado para o português (e contexto clínico) brasileiro pela Dra. Carla Vorsatz e agora oficialmente lançado pelo Cosnautas.
Como essa complexa obra é “viva”, recebendo atualizações e novas entradas a cada semana, mesmo após o seu lançamento, continuaremos compartilhando (com acesso exclusivo) as novidades do dicionário. Acompanhe o blog e confira a nossa seleção de termos inéditos.
Hoje, o Quadro M12 aborda a nomenclatura dos anticorpos monoclonais, um motivo frequente de dúvidas e dificuldades.
Quadro V1 [monoclonal antibodies]
Nomenclatura dos anticorpos monoclonais
Com os avanços da engenharia genética, os anticorpos monoclonais se converteram em um dos grupos farmacológicos de maior expansão nos últimos anos. De fato, desde 1989 a Organização Mundial da Saúde (OMS) registra centenas de denominações comuns internacionais (DCI) para os anticorpos monoclonais, tais como glembatumumab, margetuximab e mogamulizumab. Nomes estranhos, sim, porém nada casuais nem sem sentido, como explicaremos a seguir.
Para complicar as coisas, o sistema de nomenclatura adotado para dar nome aos anticorpos monoclonais mudou consideravelmente em maio de 2017.
1. Sistema de nomenclatura adotado até 2017
Entre 1989 e 2017, o sistema de nomenclatura adotado para os anticorpos monoclonais foi mudando com o tempo, porém sempre em conformidade a uma lógica interna que cabe resumir como se segue. A DCI de qualquer anticorpo monoclonal de interesse diagnóstico ou terapêutico (à exceção do primeiro de todos, o muromonabe-CD3) incorpora, tanto em inglês como em português, depois de um prefixo livre (de fantasia), os três elementos a seguir, que trazem importantes informações farmacológicas e clínicas para quem conhece a lógica da formação dos termos:
(a) Sufixo final –mab, comum a todos os anticorpos monoclonais (e derivado, evidentemente, da abreviatura inglesa MAb, de monoclonal antibody).
(b) Imediatamente antes do sufixo –mab, existe uma letra ou sílaba indicativa da origem do anticorpo monoclonal: a (rato), e (hamster), i (primata), o (camundongo), u (ser humano), xi (quimera), zu (humanização).
Assim, portanto, a terminação –omab (p. ex., maslimomab) indica anticorpo monoclonal murino; a terminação –umab (p. ex., morolimumab), anticorpo monoclonal humano; a terminação –ximab (p. ex., abciximab), anticorpo monoclonal quimérico; a terminação –zumab (p. ex., trastuzumab), anticorpo monoclonal humanizado; a terminação –axomab (p. ex., ertumaxomab), anticorpo monoclonal quimérico de rato e camundongo e a terminação –xizumab (p. ex., ontuxizumab), anticorpo monoclonal quimérico humanizado.
(c) Antes da partícula de origem, existe uma sílaba (excepcionalmente duas) indicativa do alvo terapêutico do anticorpo monoclonal: ba ou bac (bactérias), ci ou cir (aparelho cardiovascular), col (câncer de cólon), fung (fungos), got (câncer testicular), gov (câncer de ovário), kin (interleucinas), les (lesões infecciosas ou inflamatórias), li o lim (linfócitos ou sistema imunitário), mar (câncer de mama), mel (melanoma maligno), mul (aparelho locomotor ou musculoesquelético), ne ou ner (sistema nervoso), os ou so (ossos), pr ou pro (câncer de próstata), toxa (toxinas), tu ou tum (tumores malignos), vir (vírus).
Consequentemente, nomes como pagibaximab e edobacomab indicam ação antibacteriana; volociximab e ramucirumab, ação cardiovascular; edrecolomab, ação antineoplásica no câncer de cólon; efungumab, ação antifúngica; anrukinzumab, ação interleucínica; sulesomab, afinidade pelas lesões infecciosas ou inflamatórias; priliximab e belimumab, ação linfocitária; urtoxazumab, ação antitoxinas; ontuxizumab e adecatumumab, ação antitumoral; e sevirumab, ação antiviral.
Com as múltiplas variações ocorridas ao longo do tempo, ultimamente a atribuição da DCI para os novos anticorpos monoclonais se baseava em uma tabela como a seguir, com quatro colunas ou elementos: um prefixo de fantasia, dois infixos (A: indicativo do alvo – molécula, célula ou órgão; e B: indicativo da espécie animal da qual o anticorpo monoclonal é derivado) e o sufixo (sempre –mab):
Prefixo | Infixo A (alvo terapêutico) | Infixo B (origem) | Sufixo | ||
---|---|---|---|---|---|
[livre: de fantasia] | –b(a)– | bactérias | –a– | rato | –mabe |
–am(i)– | amiloidose | –axo– | quimérico de rato e camundongo | ||
–c(i)– | aparelho cardiovascular | –e– | hamster | ||
–f(u)– | fungos | –i– | primata | ||
–gr(o)– | receptores e fatores do crescimento | –o– | camundongo | ||
–k(i)– | interleucinas | –u– | humano | ||
–l(i)– | imunomodulação | –vet– | para uso veterinário | ||
–n(e)– | sistema nervoso | –xi– | quimérico | ||
–s(o)– | ossos | –xizu– | quimérico humanizado | ||
–tox(a)– | toxinas | –zu– | humanizado | ||
–t(u)– | tumores | ||||
–v(i)– | vírus |
2. Sistema de nomenclatura adotado desde 2017
Já há alguns anos era evidente que o sistema tradicional de nomenclatura trazia graves problemas. Depois de mais de quinhentos anticorpos monoclonais em uso, cada vez se tornava mais difícil, respeitando o sistema dos quatro elementos, escolher novos nomes identificadores que fossem minimamente pronunciáveis e tivessem um tamanho razoável. Por outro lado, o infixo B de espécie tinha se transformado com o tempo em um instrumento publicitário: só por sua terminação, alguns anticorpos monoclonais eram considerados “melhores” que outros em termos de imunogenicidade, mesmo na ausência de dados científicos que respaldassem essa percepção.
A OMS decidiu então iniciar um processo de reforma que finalmente levou à aprovação, em maio de 2017, de um novo sistema de nomenclatura para as DCI dos anticorpos monoclonais. A principal alteração introduzida foi a eliminação do infixo B (exceto para o infixo vet, indicativo de uso veterinário, que passou a ser incorporado na lista de infixos A). Esta alteração permite encurtar a parte final do nome e, portanto, abre a possibilidade de escolher prefixos de fantasia maiores e mais variados.
Para evitar confusão entre os sistemas antigo e novo de nomenclatura, foi necessário modificar ligeiramente alguns infixos tradicionais; por exemplo, os antigos infixos tu (indicativo de alvo tumoral) e fu (indicativo de alvo fúngico) passaram então a ser ta e fung, respectivamente.
Assim, portanto, a designação das DCI para os novos anticorpos monoclonais se baseia atualmente na tabela a seguir, somente com três colunas ou elementos: prefixo de fantasia, infixo de alvo terapêutico (ou uso previsto) e sufixo –mab:
Prefixo | Infixo (alvo terapêutico) | Sufixo | |
---|---|---|---|
[livre: de fantasia] | –ba– | bactérias | –mabe |
–ami– | amiloidose | ||
–ci– | aparelho cardiovascular | ||
–fung– | fungos | ||
–gros– | receptores e fatores do crescimento | ||
–ki– | interleucinas | ||
–li– | imunomodulação | ||
–ne– | sistema nervoso | ||
–os– | ossos | ||
–toxa– | toxinas | ||
–ta– | tumores | ||
–vet– | para uso veterinário | ||
–vi– | vírus |
Saiba mais sobre a obra
Mais conhecido como “Libro rojo”, o “Diccionario de dudas y dificultades de traducción del inglés médico” foi concebido e elaborado pelo consagrado lexicógrafo, farmacologista e tradutor médico, Dr. Fernando A. Navarro, e teve sua primeira edição publicada em 2000 pela editora McGraw-Hill Interamericana, como livro físico. Em 2015, passou a ser uma obra exclusivamente digital e pode ser acessada em Cosnautas – Essential resources for medical translators and writers .
Agora, a Dra. Carla Vorsatz, médica com especialização em doenças infecciosas e parasitárias, graduada e pós-graduada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), tradutora médica e CEO da XSTZ | Medical Texts , traz a versão brasileira da obra, com o conteúdo das entradas originais do “Libro Rojo” e o acréscimo de termos e especificidades regionais. O texto foi adaptado pela autora à realidade da prática e, naturalmente, da linguagem médica no Brasil .
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Citar este artigo: Do inglês médico ao português: monoclonal antibodies - Medscape - 25 de mai de 2022.
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