A relação entre apneia obstrutiva do sono e doenças cardiovasculares vem sendo evidenciada em vários trabalhos científicos. Segundo a Dra. Elizabeth Muxfeldt, médica cardiologista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Estácio de Sá, a prevalência de apneia obstrutiva do sono entre indivíduos com hipertensão resistente é de cerca de 80%. [1] De acordo com o Dr. Leonardo Siqueira, médico eletrofisiologista do Hospital Clementino Fraga Filho da UFRJ, estimativas apontam que aproximadamente metade dos pacientes com fibrilação atrial (FA) apresentam algum grau de apneia obstrutiva do sono.
Apesar da relevância do quadro, a apneia obstrutiva do sono ainda é subdiagnosticada, tanto na população geral quanto de pacientes com doenças cardiovasculares. Diante disso, foi feito um alerta durante uma sessão do 39° Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro (Socerj), realizado em maio de forma virtual.
Como e por que melhorar esse cenário?
Atualmente, muitos médicos ainda não avaliam de forma rotineira a qualidade do sono dos pacientes. Para o Dr. João Manoel Pedroso, médico e professor da UFRJ, que foi moderador da sessão científica, o profissional precisa perguntar ao paciente sobre a qualidade de seu sono e orientá-lo acerca das medidas de higiene do sono.
Segundo o Dr. Luiz Lazzarini, médico pneumologista do Hospital Pró-Cardíaco e professor da UFRJ, é necessário que os médicos, cardiologistas e das demais especialidades, intensifiquem a pesquisa de ronco e sonolência diurna, dois sintomas muito relacionados à apneia obstrutiva do sono. “Essa investigação pode ser feita por meio de perguntas simples, por exemplo: ‘Você ronca e/ou apresenta hipersonolência diurna?’ Se um desses questionamentos ou, principalmente, se ambos tiverem respostas positivas, devemos ao menos pensar na presença de apneia do sono”, destacou o médico durante o debate.
É indicado cogitar o diagnóstico de apneia obstrutiva do sono principalmente para pacientes com fatores de risco de doença cardiovascular. E, em alguns casos específicos, apesar da relevância da pesquisa de ronco e sonolência diurna, a investigação pode ser conduzida independentemente da resposta a esses questionamentos. Segundo a Dra. Elizabeth, isso vale, por exemplo, para os pacientes com hipertensão resistente, devido à elevada prevalência de apneia obstrutiva do sono nesta população.
Além de a maioria dos pacientes com hipertensão resistente apresentar esse transtorno do sono como comorbidade, a médica lembrou que mais da metade desses pacientes apresentam apneia moderada a grave.
Hoje em dia, lembrou o Dr. Luiz, já se sabe que a apneia do sono é a principal causa de hipertensão arterial sistêmica secundária. Isso significa que, após a predisposição genética, a apneia obstrutiva do sono é a maior causa de hipertensão.
Outro grupo que merece atenção especial é o de pacientes com FA. De acordo com o Dr. Leonardo, é importante pesquisar a ocorrência de apneia obstrutiva do sono nesta população de pacientes, especialmente em caso de FA recorrente ou da presença de outros fatores de risco, como hipertensão e diabetes. Para o especialista, a pesquisa também é relevante para aqueles com bradiarritmia e disfunção do nó sinusal, principalmente com pausas no holter durante a noite.
O Dr. Leonardo lembrou ainda que pacientes com apneia obstrutiva do sono têm incidência de extrassístoles ventriculares significativamente maior do que aqueles sem apneia. “Sabemos que apneia obstrutiva do sono está relacionada a aumento do risco de morte súbita”, completou.
A apneia central, por sua vez, é mais prevalente nos pacientes com insuficiência cardíaca (IC) congestiva, principalmente, em caso de IC sistólica, embora também ocorra na IC diastólica, segundo o Dr. Fernando Pacheco, médico pneumologista e presidente da Associação Brasileira do Sono – Regional do Rio de Janeiro. “A apneia central é um marcador de mau prognóstico na IC, estando associada a maior mortalidade”, destacou.
Diagnóstico e tratamento
O padrão-ouro para o diagnóstico da apneia obstrutiva do sono é a polissonografia. Apesar disso, o Dr. Luiz ressaltou que condutas inadequadas não são raras. “Hoje, estamos vendo pacientes com suspeita de apneia sendo encaminhados para fazer titulação de pressão positiva contínua nas vias respiratórias (CPAP, sigla do inglês, Continuous Positive Airway Pressure), sem sequer terem tido o diagnóstico”, lamentou, lembrando que a polissonografia não deve ser dispensada, pois fornece muitos dados, além da confirmação ou não da presença da apneia obstrutiva do sono.
“Vamos identificar o grau de apneia, o tipo de apneia, o quão longa é a apneia, se há maior predomínio de apneia ou hipopneia, o grau de hipoxemia arterial, se existe maior prevalência em alguma posição corporal. A polissonografia fornece uma série de dados. Se simplesmente pularmos essa etapa, com certeza não estaremos tratando bem o paciente”, completou o médico.
Uma vez feito o diagnóstico, a indicação de tratamento vai ser orientada pela gravidade dos sintomas, o que pode ser determinado a partir do índice de apneia/hipopneia (AHI).
Os especialistas disseram que, atualmente, a CPAP é considerada a terapia mais eficaz para apneia obstrutiva do sono, mas esta não é a única alternativa. Existem opções que vão desde mudança da posição corporal durante o sono até o avanço mandibular por meio de aparelho intraoral ou de intervenção cirúrgica. Mudanças de hábitos também são importantes, visto que há uma importante relação entre o peso corporal e a gravidade do quadro.
O acompanhamento prolongado é importante em todos os casos. Mesmo com a CPAP, afirmou o Dr. Luiz, é preciso acompanhar o paciente e monitorar a eficácia da terapia em longo prazo.
Além disso, o Dr. Fernando reforçou a importância de encaminhar os pacientes com apneia obstrutiva do sono grave para um especialista em medicina do sono. “Isso faz muita diferença; a visão individualizada, a melhor máscara, a busca pelo melhor aparelho, a desmistificação de que a CPAP não é somente um trambolho ao lado da cama e que, caso a pessoa não se adapte e tenha indicação, existem outros tratamentos”, explicou.
Tratamento da apneia melhora a saúde cardiovascular?
Frequentemente, profissionais questionam os benefícios de tratar a apneia obstrutiva do sono. Isso porque alguns estudos, tal como o SAVE, [2] mostraram que o tratamento da apneia obstrutiva do sono não mudou o prognóstico cardiovascular. No entanto, o Dr. Fernando lembrou que alguns aspectos dessas pesquisas podem ter levado a esses achados, por exemplo, a baixa adesão dos participantes à CPAP (média de 3,5 horas por noite) e a ausência de pacientes com hipersonolência diurna, justamente um dos fenótipos com maior mortalidade.
Por essas razões, o pneumologista entende que há todo um raciocínio que leva a crer que o benefício de fato exista naqueles com quadros graves e que são submetidos a tratamento prolongado. Além disso, ele completa que, provavelmente, os resultados positivos são ainda mais evidentes o quanto antes o tratamento é iniciado, entretanto, “ainda faltam estudos de longo prazo que confirmem essa hipótese”.
A Dra. Elizabeth mencionou dados do estudo HIPARCO, [3] publicado em 2021, que revelaram que o tratamento com CPAP por uma média de quase cinco anos reduziu a incidência de eventos cerebrovasculares de forma significativa. A abordagem “reduziu em três vezes o evento cerebrovascular, mas em relação à doença coronariana não houve redução”, pontuou.
Quanto ao controle pressórico, a Dra. Elizabeth comentou que, dentre os pacientes com hipertensão resistente, os refratários pareceram responder melhor à CPAP.
Em relação à morte súbita, o Dr. Leonardo explicou que ainda há poucas pesquisas, com poucos pacientes, e que algumas mostraram que a CPAP foi associada a benefício, enquanto outras não. “Esta é uma pergunta que ainda tem de ser respondida por estudos randomizados”, afirmou.
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Citar este artigo: Apneia do sono e doença cardiovascular: subdiagnóstico é frequente - Medscape - 23 de mai de 2022.
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