Em janeiro, foi realizado um procedimento cirúrgico pioneiro, aclamado e muito escrutinado: o transplante do coração de um porco geneticamente modificado para um paciente estadunidense. Mas pelo visto o órgão carregou junto um passageiro indesejado.
Existe a possibilidade de um citomegalovírus suíno (PCMV, do inglês porcine cytomegalovirus) no coração transplantado, que passou despercebido antes da cirurgia, ter sido crucial para a morte de David Bennett dois meses após o procedimento, segundo um artigo publicado em 04 de maio no periódico MIT Technology Review.
"A questão virou tema de grande debate entre especialistas que acham que a infecção pode ter contribuído para a morte de David e para o coração não ter resistido por mais tempo", segundo o artigo escrito pelo jornalista Antonio Regalado.
Conforme descrito na publicação, a nova reviravolta da saga do xenotransplante foi comunicada pelo cirurgião responsável pela cirurgia, Dr. Bartley P. Griffith, da University of Maryland School of Medicine, nos Estados Unidos. O médico relatou o achado da infecção pelo PCMV em uma apresentação on-line realizada em 20 de abril pela American Society of Transplantation.
O curso clínico inicialmente promissor, mas posteriormente conturbado de David descrito pelos cirurgiões envolvidos no caso e amplamente reportado após a morte do paciente, incluiu várias batalhas contra infecções e consequentes ajustes no esquema imunossupressor. Acredita-se que esses episódios tenham contribuído para o desfecho de morte, cuja verdadeira causa ainda está indeterminada, ou pelo menos ainda não foi relatada.
"Estamos começando a compreender por que ele morreu", diz o Dr. Bartley no artigo de Antonio, reconhecendo ainda que o vírus suíno “talvez tenha sido o ator, ou poderia ser o ator, responsável pelos eventos que levaram à morte de David”.
Especialistas em xenotransplante sabem que o PCMV pode ser um problema em órgãos de suínos, e sabem testá-los antes de tentar o procedimento em modelos animais, observa o artigo, referindo uma série de casos publicada sobre o transplante de corações de porcos para babuínos na Alemanha. Os corações "infectados pelo vírus duraram apenas algumas semanas, enquanto os órgãos sem a infecção conseguiram sobreviver por mais de meio ano".
O coração recebido por David foi extensivamente rastreado para infecção por bactérias, vírus e para outros problemas que poderiam ameaçar o órgão ou o paciente, mas o esforço aparentemente falhou. No artigo publicado no MIT Technology Review, o primeiro autor da série de casos alemã com babuínos especula sobre como a equipe da University of Maryland pode ter deixado de detectar o PCMV.
"A equipe dos EUA aparentemente testou o focinho do porco para o vírus, mas muitas vezes [o microrganismo] está oculto nos tecidos", diz no artigo o Dr. Joachim Denner, Ph.D. Instituto de Virologia da Freie Universität Berlin, na Alemanha. O vírus, ele afirma, "pode ser detectado e facilmente eliminado de populações de porcos, mas infelizmente eles não usaram um bom ensaio e não detectaram o vírus."
O fato de o PCMV não ter sido detectado antes da cirurgia "agora pode ser considerado por algumas pessoas que questionaram se o experimento deveria sequer ter sido realizado", propõe o artigo. "É um grande sinal de alerta", disse o bioético Dr. Arthur Caplan, Ph.D. da New York University, nos EUA, em uma citação. E acrescentou: "Se os médicos não conseguem prevenir ou controlar casos de infecção, ‘fica difícil justificar [a realização] desse tipo de experimento.’”
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Créditos
Imagem principal: University of Maryland School of Medicine
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Citar este artigo: Vírus é suspeito de causar morte do receptor do coração suíno - Medscape - 13 de mai de 2022.
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