O risco de demência aumenta em pacientes com fibrilação atrial, mas algumas evidências sugerem que possa ser atenuado com tratamentos que restauram o ritmo sinusal. Entretanto, um novo estudo de coorte indica que a magnitude do efeito terapêutico pode depender da estratégia de controle do ritmo. Esse estudo sugere que a ablação por cateter na fibrilação atrial seja mais eficaz na redução do risco de demência do que o controle farmacológico do ritmo isoladamente.
O estudo de caso pareado com mais de 38.000 adultos que apresentavam fibrilação atrial observou uma redução de 41% (P < 0,0001) no risco de demência entre os pacientes que fizeram ablação por cateter após tentativa de controle do ritmo com antiarrítmicos, em comparação com pacientes tratados apenas farmacologicamente para controle do ritmo.
O estudo observacional, que abrange 20 anos de dados, tem grandes limitações e não pode indicar com certeza se a ablação por cateter é melhor do que apenas antiarrítmicos para reduzir o risco de demência na fibrilação atrial; entretanto, associado a outras evidências, embasa essa hipótese, que ainda precisa ser explorada em um ensaio clínico randomizado.
A análise mostrou, como achado secundário, uma redução semelhante entre mulheres e homens no risco de demência de 40% e 45%, respectivamente (P < 0,0001 para ambos), ocasionada pela ablação por cateter em comparação com os antiarrítmicos. Os achados são particularmente relevantes “dado o maior risco de demência ao longo da vida entre as mulheres e a menor probabilidade de indicação de ablação para mulheres, o que foi demonstrado repetidamente”, explicou ao Medscape a Dra. Emily P. Zeitler, médica do Dartmouth-Hitchcock Medical Center, nos Estados Unidos. “Acho que esta é outra razão para tentar ser mais generosos ao indicar ablação às mulheres”.
O tratamento da fibrilação atrial certamente evoluiu de forma importante de 2000 a 2021, período coberto pelo estudo. Mas uma análise de sensibilidade com base em dados de 2010 a 2021 não mostrou “diferenças significativas” nos resultados, disse a Dra. Emily, que apresentou os resultados em 30 de abril nas Sessões Científicas de 2022 da Heart Rhythm Society, realizadas virtualmente e também presencialmente nos EUA.
A Dra. Emily reconheceu que o estudo observacional, mesmo com suas coortes de ablação e de antiarrítmicos pareadas por propensão, pode apenas sugerir uma preferência pela ablação sobre os antiarrítmicos para reduzir o risco de demência associada à fibrilação atrial. “Sabemos que há fatores de confusão não avaliados e não corrigidos entre esses dois grupos, então consideramos o estudo realmente como gerador de hipóteses.”
Foi “uma análise bem-feita”, e a conclusão de que o risco de demência foi menor com a ablação por cateter é “absolutamente correta”, mas apenas até onde o estudo e suas limitações permitem, concordou o Dr. David Conen, médico da McMaster University, no Canadá, que não participou da pesquisa.
“Com o pareamento por propensão, pode-se evitar alguns tipos de fatores de confusão, mas é impossível eliminar todos os problemas de viés de seleção. Isso só é possível em ensaios clínicos randomizados”, disse em entrevista.
O Dr. David, que está estudando o declínio cognitivo na fibrilação atrial como o pesquisador responsável do estudo SWISS-AF, apontou um achado secundário da análise como evidência para tal confusão. O médico disse que a queda de quase 50% (P < 0,0001) no risco de ocorrência de morte antes do desfecho desejado no grupo de ablação, em comparação com pacientes tratados com antiarrítmicos, não é plausível.
O achado “sugere fortemente que essas pessoas fossem mais saudáveis e que houvesse algum tipo de viés de seleção. Esses participantes tinham menor risco de morte, menor risco de demência e, provavelmente, também de acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio, trombose e câncer, porque eram provavelmente um pouco mais saudáveis do que os demais”, disse o Dr. David. Os participantes dos grupos de ablação e os do grupo de antiarrítmicos “eram duas populações muito diferentes desde o início.”
A análise baseou-se em dados de seguros de saúde dos EUA e de registros do Medicare de pacientes com fibrilação atrial que fizeram ablação por cateter após tratamento com pelo menos um antiarrítmico ou indicação de pelo menos dois antiarrítmicos diferentes no ano após o diagnóstico de fibrilação atrial. Pacientes com história de demência, ablação por cateter ou cirúrgica ou procedimento valvar foram excluídos.
Os grupos de ablação e de antiarrítmicos isolados consistiram, cada um, em 19.066 pacientes após pareamento por propensão, e foram equilibrados em relação à idade, sexo, tipo de seguro, escores CHA2DS2-VASc e uso de inibidores do sistema renina-angiotensina, anticoagulantes orais e antiplaquetários.
O risco global de demência foi de 1,9% para o grupo de ablação e de 3,3% para o grupo de antiarrítmicos isolados (razão de risco [RR] de 0,59; intervalo de confiança [IC] de 95% de 0,52 a 0,67). As RR correspondentes por sexo foram 0,55 (IC 95% de 0,46 a 0,66) para homens e 0,60 (IC 95% de 0,50 a 0,72) para mulheres.
O risco de ocorrência de morte antes do desfecho desejado também foi significativamente reduzido no grupo de ablação (RR de 0,51; IC 95% de 0,46 a 0,55).
A Dra. Emily indicou um ensaio clínico randomizado atualmente nos estágios iniciais chamado Neurocognition and Greater Maintenance of Sinus Rhythm in Atrial Fibrillation, ou NOGGIN-AF, que explorará as relações entre o tratamento de controle de ritmo e a demência em pacientes com fibrilação atrial, a hipótese de a ablação por cateter ou os antiarrítmicos poderem mitigar esse risco e a vantagem de uma estratégia sobre a outra, entre outros objetivos.
“Estou otimista”, disse a médica, “e acho que isso aumentará ainda mais as motivações para a indicação de ablação de forma mais rápida e ampla”.
A análise foi financiada pela Biosense-Webster. A Dra. Emily P. Zeitler informou realizar consultoria para a Biosense-Webster e a Arena Pharmaceuticals (agora Pfizer); receber remuneração por palestras da Medtronic; e receber apoio para pesquisa da Boston Scientific, Sanofi e Biosense-Webster. O Dr. David Conen informou ter recebido previamente remuneração por palestras da Servier Canada.
Sessões Científicas de 2022 da Heart Rhythm Society (HRS). Resumo CA-532. Apresentado em 30 de abril de 2022.
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Citar este artigo: Reduzindo o risco de demência na fibrilação atrial: a estratégia de controle do ritmo é importante? - Medscape - 11 de mai de 2022.
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