Risco de suicídio e depressão para pacientes com câncer

Nancy A. Melville

Notificação

10 de maio de 2022

Viver com câncer pode ser emocionalmente devastador. Agora, dois estudos amplos ressaltam a quantificação do ônus que o diagnóstico de câncer e o tratamento da doença podem ter para a saúde mental e o risco de suicídio.

Em um deles, uma metanálise de 28 estudos, somando mais de 22 milhões de pacientes, os pesquisadores constataram que a taxa de suicídio entre os pacientes com câncer é quase duas vezes maior do que entre a população geral. O risco mais elevado foi para os pacientes com mau prognóstico.

No outro, uma análise de registros de saúde de 460.000 pessoas diagnosticadas com 26 tipos de câncer, mais de 1% dos pacientes relataram automutilação após o diagnóstico. As taxas foram maiores entre os indivíduos com diagnóstico prévio de alguma doença psiquiátrica.

"Apesar das diferentes abordagens e desfechos, os dois estudos enfatizam a enorme importância do trabalho contínuo para implementar ferramentas de triagem apropriadas e melhorar o acesso aos serviços de suporte" após um diagnóstico de câncer e durante o tratamento, de acordo com os autores de um editorial que acompanhou os estudos, publicados em 28 de março no periódico Nature Medicine. “Uma estratégia sensata pode ser abordar os pacientes no início, desde o diagnóstico, e colocar um foco especial nas neoplasias com taxas mais altas de acometimento psiquiátrico e/ou risco de suicídio”, escreveram os editorialistas.

Câncer e o risco de suicídio

A Dra. Corinna Seliger-Behme, médica e autora sênior da metanálise, esperava ver uma diferença entre indivíduos com e sem neoplasia, já que pesquisas anteriores indicaram taxas mais altas de suicídio entre pacientes com câncer nos Estados Unidos; mas os resultados foram um tanto surpreendentes.

"Nós levantamos a hipótese de que as taxas de suicídio seriam maiores nos pacientes oncológicos, mas ficamos surpresos com o quão altos os números realmente são", disse ao Medscape a Dra. Corinna, médica do Departamento de Neurologia da Universitätsklinikum Heidelberg, na Alemanha.

A metanálise, que os autores descreveram como a "maior e mais abrangente" sobre mortalidade por suicídio em pacientes com câncer, envolveu uma revisão sistemática de 28 estudos de coorte de alta qualidade, com mais de 22,4 milhões de pacientes com neoplasias nos Estados Unidos, Europa, Austrália e Ásia.

A equipe avaliou o risco de mortalidade por suicídio com base em fatores como prognóstico da neoplasia, estadiamento, região geográfica e tempo desde o diagnóstico.

A taxa global de suicídio foi 85% maior entre os indivíduos com câncer versus população geral (razão de mortalidade padronizada [SMR, sigla do inglês Standardized Mortality Ratio] = 1,85).

As maiores taxas de suicídio ocorreram entre os pacientes com prognóstico reservado (mais de três vezes maiores do que entre a população geral), definidos como indivíduos com taxa de sobrevida em cinco anos < 50%. As neoplasias de esôfago (SMR de 6,01), hepática e do sistema biliar (SMR de 3,13), de pâncreas (SMR de 6,42) e o mesotelioma (SMR de 13,07) foram associados a prognósticos reservados. Da mesma forma, as taxas de suicídio foram significativamente maiores entre pacientes diagnosticados com um câncer em intervalo menor que um ano.

Também foram encontradas diferenças de acordo com a área geográfica analisada. A mortalidade por suicídio entre pacientes com câncer foi significativamente maior nos Estados Unidos, em comparação com Europa, Austrália e Ásia. Tais diferenças geográficas não foram encontradas na análise da população geral.

A etnia não pareceu apresentar-se como fator de risco de suicídio. No geral, entre os negros estadunidenses, a taxa de mortalidade por suicídio foi ligeiramente menor do que entre indivíduos de outros grupos étnicos.

Notavelmente, apesar da melhora substancial nas taxas de sobrevida e tratamentos para muitos tipos de câncer, os autores não encontraram diferenças significativas na mortalidade por suicídio antes e depois de 2000, disse a Dra. Corinna.

"O acesso a atendimento médico e acompanhamento deve, portanto, representar um componente integral de qualquer terapia contra o câncer", escreveram os autores. “Reconhecer e atenuar o impacto psicológico adverso de um diagnóstico de câncer pode não apenas reduzir as taxas de suicídio, mas também melhorar a qualidade de vida em geral”.

Doença psiquiátrica prévia aumenta o risco

No segundo estudo, a Dra. Alvina G. Lai, Ph.D., do Institute of Health Informatics da University College London, no Reino Unido, e o coautor Wai Hoong Chang, avaliaram os registros de saúde de cerca de 460.000 pessoas diagnosticadas com 26 tipos de câncer entre 1998 e 2020 no Reino Unido.

Os pesquisadores constataram que, em geral, a depressão foi o transtorno psiquiátrico mais comum entre os pacientes com câncer, seguida por transtorno de ansiedade, esquizofrenia, transtorno bipolar e transtorno de personalidade. Mais de 25% dos pacientes oncológicos apresentaram transtorno de abuso de substâncias.

Cerca de 1% dos pacientes relataram automutilação após o diagnóstico. Entre os cinco transtornos psiquiátricos analisados, a maior taxa de automutilação ocorreu entre os pacientes com depressão, especialmente dentro do primeiro ano após o diagnóstico (razão de risco ajustada = 44,1).

As taxas de tentativas de suicídio foram maiores entre os pacientes de regiões desfavorecidas socioeconomicamente e os diagnosticados com tumores cerebrais, câncer de próstata, linfoma de Hodgkin, melanoma ou câncer de testículo, sendo este associado às taxas mais altas de todos os transtornos psiquiátricos.

Além disso, os autores notaram que indivíduos com algum transtorno psiquiátrico pré-existente relataram taxas mais altas de automutilação.

O tratamento cirúrgico, com rádio e quimioterapia foram os principais fatores de risco associados ao desenvolvimento de uma doença psiquiátrica. O tratamento com quimioterápicos alquilantes mais agressivos foi associado a um peso maior na saúde mental, enquanto o tratamento com radioterapia menos agressiva ou inibidores de quinase foi associado ao menor risco.

"Mostramos que os transtornos psiquiátricos têm um grande impacto na vida após o diagnóstico de câncer, já que pacientes psiquiátricos apresentaram maior incidência de mortalidade e risco de suicídio, além de uma contagem maior (de anos de vida perdidos)", concluíram os autores.

Necessidade de intervenções na saúde mental

Embora os médicos possam estar cientes dos riscos elevados de sintomas psicossociais nos pacientes oncológicos, muitos talvez "não tenham tempo suficiente para aprofundar o tema com o paciente", pontuou ao Medscape a coautora do editorial, Dra. Cristiane Decat Bergerot, Ph.D., do Centro de Câncer de Brasília e do Instituto Unity de Ensino e Pesquisa.

A Dra. Cristiane recomendou que pacientes e cuidadores atentem especialmente ao estado emocional: características e duração dos sintomas, e se os sintomas interferem em atividades diárias ou relacionamentos.

A Dra. Corinna acrescentou que os oncologistas também devem ficar atentos aos sinais de alerta, que podem incluir sintomas depressivos de início recente ou agravados.

“Intervenções que podem ajudar a melhorar as taxas de suicídio incluem maior conscientização sobre suicídio em pacientes oncológicos, triagem aprimorada de pensamentos e intenções suicidas nos indivíduos com neoplasias e intervenções precoces com cuidados psicológicos, psiquiátricos e paliativos especializados”, disse ela.

Os autores e editorialistas informaram não ter conflitos de interesses financeiros relevantes.

Nat Med. Publicado em 28 de março de 2022. Seliger-Behme et al, Abstract ; Chang e Lai, Abstract ; Editorial

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