A suplementação oral de cálcio foi associada a menor sobrevida e maior necessidade de substituição valvar aórtica em idosos com estenose aórtica leve a moderada, descobre novo estudo.
"Nossos achados sugerem que a suplementação de cálcio para esta população não confira nenhum benefício cardiovascular, e em vez disso, essas relações devem ser ponderadas criteriosamente à luz das crescentes evidências e preocupações pelo comprometimento cardiovascular, particularmente com a suplementação desnecessária", concluíram os autores.
O estudo foi publicado on-line no periódico Heart em 25 de abril.
Os pesquisadores, liderados pelo médico Dr. Nicholas Kassis, da Cleveland Clinic Foundation nos Estados Unidos, explicaram que a estenose aórtica é a doença valvar mais comum entre os adultos nos países desenvolvidos. Com o aumento da idade, tem uma prevalência de 2% entre as pessoas com mais de 65 anos e de 4% entre aquelas com mais de 85 anos.
A doença é caracterizada por calcificação grave, causando imobilidade do folheto valvar e obstrução ao fluxo de saída, processo que ocorre ao longo de uma duração média de oito anos e causa um drástico aumento do número de mortes se a doença não for tratada quando os sinais e sintomas aparecem. Sem tratamento farmacológico comprovado, a substituição da valva aórtica é a única modalidade terapêutica indicada.
Os pesquisadores indicaram que, embora seja uma doença da idade, vários fatores de risco modificáveis também foram identificados para estenose aórtica, como hipercolesterolemia, tabagismo e aumento do cálcio ionizado sérico, do hormônio paratireoide e da vitamina D3.
Além disso, ressaltaram que o uso de suplementos de cálcio e de vitamina D aumentou nos últimos anos, especialmente entre as mulheres na menopausa com risco de osteoporose, mas há poucos dados sobre seus efeitos valvares.
O estudo em tela foi feito com 2.657 pacientes (média de idade de 74 anos; 42% mulheres) com estenose aórtica nativa leve a moderada, selecionados do Cleveland Clinic Echocardiography Database de 2008 a 2016, acompanhados, em mediana, durante 69 meses.
Desses pacientes, 1292 (49%) não tomaram suplementos de cálcio ou de vitamina D, 332 (12%) tomaram somente vitamina D e 1.033 (39%) tomaram suplementos de cálcio com ou sem vitamina D.
Os resultados mostraram que o risco absoluto de morte de causa cardiovascular foi de 13,7 por 1.000 pessoas-ano para os pacientes que tomaram cálcio com ou sem suplementos de vitamina D, em comparação a 9,6 por 1.000 pessoas-ano entre os que tomaram apenas vitamina D e 5,8 por 1.000 pessoas-ano entre os que não tomaram suplementos.
A morte por todas as causas também foi significativamente maior com a suplementação de cálcio.
A substituição valvar aórtica foi realizada em quase metade dos pacientes que tomavam cálcio, em comparação a apenas 11% dentre os que não tomavam suplementos.
O risco de morte por todas as causas e de origem cardiovascular também foi maior entre os pacientes que tomavam suplementos de cálcio que não fizeram a substituição valvar aórtica.
Ao estratificar por osteoporose, as diferenças nas taxas de sobrevida e de substituição valvar aórtica persistiram entre os grupos.
Em análises de regressão multivariada ajustada de Cox, o cálcio com ou sem vitamina D, mas não a vitamina D isolada, foi associado a maior mortalidade por todas as causas (razão de risco [RR] de 1,38; P = 0,009) e mortalidade de origem cardiovascular (RR de 2,0; P = 0,001), com tendência a maior número de mortes não cardiovasculares entre os que não tomavam suplementos.
"Fortalecido pelo grande tamanho da amostra e pelo longo período de acompanhamento, nosso estudo sugere que a suplementação com cálcio não confere nenhum benefício cardiovascular e, em vez disso, pode refletir um risco global elevado de substituição valvar aórtica e morte, especialmente entre os pacientes que não fazem a substituição valvar aórtica", afirmaram os autores.
No editorial que acompanha o estudo , a Dra. Jutta Bergler-Klein, professora de medicina e cardiologia da Medizinische Universität Wien, na Áustria, observou que a calcificação é o processo cardinal que origina um ciclo vicioso que propaga rigidez e obstrução da valva aórtica.
O metabolismo desregulado entre o cálcio e o fosfato é um importante determinante da esclerose do folheto aórtico e da estenose aórtica calcificada, deflagrada pelo comprometimento da função renal, e do hiperparatireoidismo primário ou secundário, informou.
"A identificação de fatores de risco suscetíveis de calcificação valvar, que podem ser modificados por medidas não invasivas, como medicamentos direcionados ou mudanças alimentares, em vez da substituição valvar aórtica puramente mecânica por cirurgia, é altamente desejável", acrescentou.
A Dra. Jutta destaca que a osteoporose e a menor densidade mineral óssea têm sido associadas à progressão mais rápida da estenose aórtica, mas no estudo em tela, o aumento das mortes entre os pacientes que tomavam suplementação de cálcio foi independente do estado de osteoporose ao início do estudo.
A editorialista disse que a segurança do consumo de suplementos artificiais de cálcio deve ser considerada "de uma perspectiva individual e criteriosa", e que a avaliação da doença cardiovascular subjacente e dos fatores de risco deve ser levada em conta ao considerar a prevenção e o tratamento da osteoporose. A visualização de calcificações cardiovasculares deve ser incluída nas modalidades de exames de imagem para osteoporose ao decidir quando se deve dar apenas vitamina D ou também cálcio adicional.
"Para os pacientes com estenose aórtica calcificada e alto risco cardiovascular, este estudo agrega fortes dados às evidências de que a suplementação contínua de cálcio deve ser evitada se não houver indicação formal", concluiu a editorialista.
Este estudo foi financiado por subsídios filantrópicos irrestritos do Cleveland Clinic Heart, Vascular e Thoracic Institute. Os autores informaram não ter conflitos de interesses relevantes.
Heart. Publicado on-line em 25 de abril de 2022. Texto completo, Editorial
Siga o Medscape em português no Facebook, no Twitter e no YouTube
Créditos
Imagem principal: Dreamstime
Medscape Notícias Médicas © 2022 WebMD, LLC
Citar este artigo: Suplementos de cálcio ligados a piores desfechos na estenose aórtica - Medscape - 9 de mai de 2022.
Comente