Estudo que analisou pacientes críticos com SARS-CoV-2 admitidos entre março e maio de 2020 na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Unimed-Rio, um hospital privado no Rio de Janeiro, revela alta incidência de casos de infecção bacteriana multirresistente nesta população, isto é, secundária à infecção pelo novo coronavírus.
No artigo sobre o trabalho, publicado na Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, [1] os pesquisadores afirmam que os frequentes casos de infecção por bactérias Gram-negativas multirresistentes foram associados a piores desfechos.
Conversamos com o autor correspondente, Dr. Rafael Lessa, cardiologista do Hospital Unimed-Rio, sobre os dados da pesquisa. Leia a seguir.
Detalhes do estudo
O estudo de coorte retrospectivo incluiu 191 pacientes adultos admitidos consecutivamente na UTI do Hospital Unimed-Rio. O diagnóstico de covid-19 dos participantes foi confirmado por laboratório. A maioria era do sexo masculino (60,7%) e a média de idade, de 70,5 anos.
Dos 191 participantes, 57 (29,8%) tiveram infecções secundárias, somando um total de 97 eventos. Os agentes etiológicos mais frequentes foram Acinetobacter baumannii (28 de 97; 28,9%), Pseudomonas aeruginosa (22 de 97; 22,7%) e Klebsiella pneumoniae (14 de 97; 14,4%). Ao considerar apenas os casos de infecção por A. baumannii, os autores notaram que em 96% dos eventos (27 de 28) havia multirresistência antimicrobiana. No caso da K. pneumoniae, a taxa foi de 57% (8 de 14).
A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM) foi a infecção mais prevalente, tendo acometido 57,9% dos pacientes com infecção bacteriana. A traqueobronquite ficou em segundo lugar (26,3%).
Segundo o Dr. Rafael, a prevalência das infecções secundárias e os agentes envolvidos não foram as maiores surpresas para o grupo. “A PAVM é uma complicação infelizmente presente em muitas unidades de terapia intensiva”, disse ele. No entanto, o cardiologista destacou que o perfil de sensibilidade antimicrobiana das bactérias foi algo que gerou bastante preocupação.
Para ele, embora diferentes fatores possam ter contribuído para as altas taxas de infecção bacteriana multirresistente identificadas no estudo, dois aspectos merecem destaque. Em primeiro lugar, apontou o médico, está o uso de antibióticos em larga escala. “No início da pandemia, era muito mais difícil identificar qual perfil de paciente iria se beneficiar do uso do antimicrobiano, de forma que o protocolo inicial previa uso generalizado”, afirmou. Além disso, ele destacou que, ao longo da pandemia, o controle das barreiras de infecção passou por transformações, visto que a logística de uso e a distribuição dos equipamentos de proteção individual, como capotes impermeáveis, toucas, luvas e máscaras faciais, foram mudando, por vários fatores, inclusive desabastecimento do mercado.
A forma grave da covid-19, segundo o Dr. Rafael, pode demandar diferentes suportes artificiais de vida disponíveis na UTI. “Para esses pacientes que já têm um quadro muito crítico, uma nova infecção por bactéria multirresistente pode contribuir para um desfecho indesejado. Então, o maior desafio é evitar que esses pacientes sejam expostos a esses microrganismos e, consequentemente, a essas infecções", destacou.
De fato, a pesquisa mostrou que os pacientes que apresentaram infecções secundárias permaneceram por mais tempo na UTI (40 dias versus 17 dias), assim como necessitaram mais de suporte ventilatório (24 dias versus 9 dias) do que aqueles que não tiveram essa complicação. Além disso, a ocorrência de infecção secundária foi associada a maior mortalidade. A análise multivariada apontou ainda uma relação entre infecções secundárias e Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS 3).
Diante dos achados, a unidade hospitalar em questão adotou medidas para melhorar o cenário. A Comissão de Controle de Infecção Hospitalar elaborou um novo esquema empírico para infecções nosocomiais, tendo por base o perfil de sensibilidade aos antibióticos identificados através das culturas dos materiais biológicos, como sangue, secreção traqueal, urina e outros. O resultado foi a substituição da associação de quinolonas, aminoglicosídeos e oxazolidinonas por um esquema mais complexo, composto de carbapenemico, glicilciclina e polimixina B.
Além disso, as equipes de saúde foram retreinadas para higienização das mãos e uso de equipamentos de proteção individual, e foi implementada uma política de uso único de jaleco para o atendimento de pacientes colonizados por bactérias multirresistentes. Houve intensificação do treinamento em limpeza e desinfecção de leitos e quartos da UTI. Também foi criado um curso sobre uso racional de antimicrobianos e foi formada uma equipe voltada para a prevenção da PAVM. “Já observamos uma redução da incidência dessas infecções e alguma melhora no perfil de resistência antimicrobiana desses germes. Atualmente, nosso esquema de antibiótico empírico é um pouco menos complexo", disse o Dr. Rafael.
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Citar este artigo: Infecção bacteriana secundária prevalente em pacientes com covid-19 - Medscape - 6 de mai de 2022.
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