Danos causados pelo amianto seguem na invisibilidade e população, em risco

Clarinha Glock

5 de maio de 2022

A inalação da fibra de amianto, ou asbesto, pode causar mesotelioma, que normalmente se manifesta a partir de 20 anos após o início da exposição ao mineral, e outros tipos de câncer, além de outras doenças. O III Seminário Internacional do Amianto: Uma Abordagem de Vigilância em Saúde, que acontece entre os dias 04 e 06 de maio de 2022, em São Paulo, tem como objetivo conscientizar os profissionais da saúde sobre a necessidade de busca ativa destes casos, bem como alertar as autoridades sobre a urgência de interromper a extração e a utilização do amianto de forma definitiva no Brasil.

Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter banido a extração da substância em novembro de 2017, uma lei estadual, sancionada em julho de 2019, autorizando a extração do amianto crisotila em Goiás, coloca em risco os trabalhadores da área de extração, transporte e armazenamento, bem como os respectivos familiares.

O amianto foi muito usado na indústria da construção civil devido à sua abundância, baixo custo de exploração, além da grande resistência mecânica e às altas temperaturas, ao ataque ácido, alcalino e de bactérias. Ainda é possível encontrá-lo em pisos, telhas, caixas d’água, tubulações, materiais de isolamento acústico ou térmico, entre outros. Há um passivo ambiental in natura nas minas e empresas que utilizaram o amianto, assim como nos produtos instalados. É indestrutível. Embora a contaminação tenha diminuído após a proibição do STF, as consequências persistem na população que foi exposta até 2017, e seguem sendo perigosas. A exposição ao amianto impregnado nas roupas e nos cabelos dos trabalhadores envolvidos na extração do mineral pode ter contaminado seus parentes e contatos próximos. Vizinhos de minas de extração e crianças expostas ao material abandonado, que acaba virando objeto de brincadeira, também podem ter sido intoxicados.

O Ministério da Saúde não tem processos e fluxos estabelecidos para o diagnóstico, tratamento e registro das doenças relacionadas ao amianto no Sistema Único de Saúde (SUS). O subdiagnóstico e a consequente subnotificação do número de contaminados e mortes decorrentes da exposição a esse mineral contribui para a invisibilização do problema tanto nos serviços públicos como nos privados. Isso acontece porque são raros os médicos que sabem fazer o diagnóstico – a maioria não associa os sinais e sintomas de exposição ao amianto, informou o Dr. Ubiratan de Paula Santos, médico e coordenador dos ambulatórios de Doenças Respiratórias Ambientais, Ocupacionais e de Cessação de Tabagismo da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas de São Paulo.

O amianto aumenta o risco de câncer de pulmão, ovário, laringe, mesotelioma maligno de pleura, peritônio e pericárdio, bem como de túnica vaginal, fibrose das pleuras e asbestose – uma doença fibrosante do tecido pulmonar.

“Quando são identificadas alterações nos exames de imagem, é importante perguntar se houve exposição [ao amianto]”, explicou o Dr. Ubiratan. Como o tempo de latência entre o diagnóstico e o início da contaminação é muito grande, nem sempre as pessoas se lembram. Para pessoas com história de exposição que apresentam queixa de dispneia, fadiga, dor torácica ou alteração na prova de função pulmonar sem alteração radiográfica, é indicado realizar uma tomografia computadorizada de alta resolução de tórax, preferencialmente com baixa dose de radiação.

O diagnóstico precoce é essencial para garantir a sobrevida, principalmente em casos de câncer de pulmão, ovário ou laringe, disse o Dr. Ubiratan. “O rastreamento no pulmão é recomendado a cada dois anos para quem tem 55 anos de idade em diante, que fuma um maço de cigarro por dia por mais de 15 anos, ou meio maço por 30 anos, e principalmente com um ou mais anos de exposição ao amianto”, afirmou.

Entretanto, o rastreamento para o diagnóstico precoce do câncer de pulmão só deve ser realizado se o serviço de saúde tiver estrutura para realizar as intervenções necessárias, como biópsias e cirurgias, e nos prazos adequados. Caso contrário, além do custo, não há contribuição para o tratamento ou aumento da sobrevida dos pacientes, observou. Ele salientou também a importância de explicar aos pacientes, com linguagem clara e acessível, que é preciso voltar às consultas, mesmo sem ter sintomas, para fazer o rastreamento.

Por lei, as empresas que utilizaram amianto para a fabricação de produtos devem acompanhar por 30 anos a saúde dos funcionários expostos, mesmo se tiverem deixado de usar a fibra. Mas nem sempre isso acontece. Por isso, os médicos devem investigar o histórico ocupacional e ambiental, orientou o Dr. Eduardo Algranti, pneumologista e pesquisador da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro). “É importante estabelecer a relação ocupacional, do ponto de vista legal e socioeconômico, porque o doente tem como pedir indenização ou compensação previdenciária”, informou o médico.

Ele explicou que, com a proibição da extração de amianto, o diagnóstico de asbestose tende a ser mais raro, pois a doença está associada a alta exposição ao mineral. Já as placas pleurais geralmente são assintomáticas. Quando muito extensas, podem contribuir para dispneia de esforço. As placas pleurais e a fibrose pulmonar decorrentes da exposição ao amianto podem não ser causa de óbito, mas demandam suporte de fisioterapia e oxigenoterapia, além de monitoramento de infecções respiratórias. O mesotelioma, por sua vez, é um tumor muito agressivo, que depende menos da quantidade de fibra inalada. Cerca de 95% dos pacientes morrem até 24 meses após o diagnóstico.

Pesquisadores da Fundacentro e do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia realizaram um estudo comparando as taxas de mortalidade por doenças típicas relacionadas ao amianto (mesotelioma, asbestose e placas pleurais) e para o câncer de pulmão e ovário nos municípios brasileiros com histórico de mineração e indústrias de amianto, e nos demais municípios que não tiveram essa situação. Um dos artigos resultantes foi publicado em março de 2022 no International Journal of Environmental Research and Public Health, [1] sob o título Sex-Specific Mortality from Asbestos-Related Diseases, Lung and Ovarian Cancer in Municipalities with High Asbestos Consumption, Brazil, 2000–2017. “Demonstramos que a mortalidade aumenta em ambos os sexos, como era esperado”, disse o Dr. Eduardo, que é um dos autores do trabalho. “Este é um estudo ecológico, que aponta direções e hipóteses, e necessita investigações no futuro”, analisou.

Para os médicos que buscam informação, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) traz em seu site [2] as Diretrizes Brasileiras para Diagnóstico do Mesotelioma Maligno de Pleura e algumas referências bibliográficas que indicam os riscos e medidas efetivas para a prevenção. A Divisão de Pneumologia do InCor de São Paulo responde a dúvidas em contato por e-mail.[3]

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