Níveis reduzidos de proteína tau plasmática fosforilada no sítio 217 [(P)-tau217 fosforilada] e de proteína ácida fibrilar glial (GFAP, sigla do inglês glial fibrillary acidic protein) no sangue podem indicar efeitos, após o tratamento, do clareamento da substância beta-amiloide (Aβ) cerebral na cascata de eventos que levam à neurodegeneração, segundo uma nova pesquisa.
Os pesquisadores constataram que as modificações nos níveis desses biomarcadores plasmáticos foram positivamente correlacionadas com a alteração percentual nos níveis da placa amiloide, conforme evidenciado na tomografia por emissão de pósitrons (PET, sigla do inglês Positron Emission Tomography).
Os resultados sugerem que esses biomarcadores possam ser usados em substituição à PET, mais cara e nem sempre disponível, para monitorar pacientes em tratamento para amiloidose.
“Provavelmente não podemos avaliar a remoção completa de substância amiloide com um exame de sangue, mas podemos ver que algo está ocorrendo e sabemos se há ou não algum efeito do tratamento”, disse ao Medscape o pesquisador do estudo, o Dr. Michael Pontecorvo, Ph.D., vice-presidente de desenvolvimento clínico da Avid Radiopharmaceuticals, ramificação de biomarcadores da Lilly.
Os achados foram apresentados no Annual Meeting 2022 da American Academy of Neurology (AAN).
Novas possibilidades
O efeito do donanemabe foi testado no TRAILBLAZER-ALZ, um estudo de fase 2, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo em pacientes com doença de Alzheimer precoce e sintomática. O estudo recrutou 257 pacientes; destes, 131 foram aleatoriamente designados para receber donanemabe e 126 para receber placebo.
O estudo, publicado no ano passado no periódico The New England Journal of Medicine, mostrou que o desfecho primário, a pontuação integrada da Alzheimer´s Disease Rating Scale, apresentou alteração, com relação ao início do estudo, após 76 semanas (-6,86 com donanemabe versus -10,06 com placebo), com uma diferença de 3,20 (intervalo de confiança, IC, de 95% de 0,12 a 6,27; P = 0,04).
A análise também mostrou redução robusta da placa amiloide e retardo do acúmulo da proteína tau em pacientes tratados com donanemabe, conforme avaliação pela PET.
“Até o final do estudo, os níveis de proteína amiloide em quase 70% dos pacientes voltaram ao normal, característica comum em um idoso sem amiloidose nem déficits cognitivos”, disse o Dr. Michael.
Durante o estudo, os pesquisadores realizaram coletas regulares de amostras de plasma. Os biomarcadores analisados foram a proporção de Aβ 42/40, GFAP, neurofilamento de cadeia leve (NfL, do inglês neurofilament light chain) e P-tau217.
Supõe-se que na doença de Alzheimer a substância amiloide desencadeie uma cascata de eventos, começando com aumento na fosforilação da proteína tau, seguido de acúmulo de emaranhados neurofibrilares, que, somados aos emaranhados amiloides, subsequentemente levam à inflamação e, por fim, à morte neuronal.
A análise mostrou que os níveis plasmáticos de P-tau217 e GFAP (um marcador inflamatório) foram significativamente reduzidos após 12 semanas de tratamento com donanemabe em comparação com placebo.
A redução dos níveis desses biomarcadores foi mantida durante todo o estudo, mesmo para os participantes que obtiveram diminuição do material amiloide e suspenderam o uso de donanemabe, segundo o pesquisador.
As alterações nos níveis plasmáticos de P-tau217 e de GFAP apresentaram correlação positiva com a alteração percentual nos níveis da placa amiloide na PET (P < 0,0001 para os dois marcadores).
Houve uma correlação positiva significativa entre a mudança na P-tau217 plasmática e a mudança na deposição da proteína tau na PET nos lobos frontal (P = 0,0019) e temporal (P = 0,0247) em 76 semanas, além de uma tendência à significância no lobo parietal (P = 0,0516).
“O que estamos mostrando com esses biomarcadores plasmáticos é que há uma forma de avaliar os efeitos sequenciais da proteína amiloide na cascata de eventos; podemos observar que a proteína interrompeu a geração de novas proteínas tau e reduziu a quantidade de inflamação no cérebro”, disse o Dr. Michael.
"Isso talvez esteja contribuindo para mais do que um efeito sobre o tratamento individual, talvez até para um efeito modificador da doença, interferindo na cadeia que, por fim, leva à neurodegeneração", acrescentou.
Não houve diferenças significativas nos níveis plasmáticos de Aβ 42/40 e NfL entre os braços de tratamento em 76 semanas. O Dr. Michael acredita que, para o biomarcador Aβ 42/40, "isso é apenas uma observação sobre a qualidade do ensaio específico" utilizado durante o estudo.
Além disso, o problema com o NfL, um marcador de neurodegeneração, é que o dano ocorre "significativamente em fases mais iniciais da cascata de eventos", pontuou. "Minha hipótese é que precisamos de estudos mais longos para ver um efeito no NfL".
Os novos resultados “abrem possibilidades” para uma utilização mais ampla desses exames de sangue, comentou o autor. Por exemplo, eles podem ser usados para determinar o momento de suspensão do tratamento, assim que determinados níveis de material amiloide forem atingidos.
Também podem ser usados para verificar se um paciente que interrompeu o tratamento precisa reiniciá-lo, acrescentou. “Quando a P-tau sérica começa a subir, provavelmente há níveis significativos de substância amiloide começando a entrar em ação, e pode ser necessária uma triagem, além de se considerar o reinício da terapia.” No entanto, acrescentou, neste momento isso é "tudo especulação".
Donanemabe foi considerado um medicamento "inovador" pela Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos. O fabricante submeteu o fármaco ao programa de aprovação rápida. Um estudo confirmatório de fase três está em andamento.
Eficácia do rastreamento
Convidada a comentar sobre o estudo para o Medscape, a Dra. Rebecca Edelmayer, Ph.D., diretora sênior de envolvimento científico da Alzheimer's Association, nos Estados Unidos, disse que os novos dados corroboram a ideia de que um painel de biomarcadores plasmáticos possa ser usado no futuro para prever com mais precisão as alterações cerebrais biológicas na doença de Alzheimer.
"Embora esses resultados não sejam necessariamente surpreendentes, os dados de biomarcadores sanguíneos analisados juntamente com a PET do amiloide cerebral, a PET da proteína tau e os resultados cognitivos ajudam a respaldar a validação dessas ferramentas para uso clínico no futuro", disse ela.
Os biomarcadores sanguíneos também podem ser úteis para rastrear os efeitos do tratamento, acrescentou. "Quanto mais aprendemos sobre biomarcadores plasmáticos, mais entendemos sobre sua utilidade não apenas na detecção da patologia relacionada à doença de Alzheimer, mas também no rastreamento da eficácia de tratamentos recém-desenvolvidos que têm essa base biológica como alvo."
Annual Meeting 2022 da American Academy of Neurology (AAN): Abstract 1087. Apresentado em 5 de abril de 2022.
Siga o Medscape em português no Facebook, no Twitter e no YouTube
Créditos
Imagem principal: Dreamstime
Medscape Notícias Médicas © 2022
Citar este artigo: Exame de sangue revela que medicamentos para Alzheimer têm efeito redutor na proteína amiloide - Medscape - 22 de abril de 2022.
Comente