Uso de antibióticos na meia-idade pode aumentar o risco de declínio cognitivo, sugere estudo

Marta Zaraska

Notificação

19 de abril de 2022

Novo estudo publicado on-line em 23 de março no periódico PLOS ONE sugere que o uso prolongado de antibióticos na meia-idade esteja relacionado a declínio cognitivo anos depois.

Para o estudo, os pesquisadores parearam o uso de antibióticos referido por 14.000 enfermeiros de meia-idade com resultados em exames neuropsicológicos realizados sete anos depois. Os resultados revelaram que os enfermeiros que tomaram antibióticos por pelo menos dois meses durante um período de quatro anos apresentaram pontuações mais baixas em tarefas envolvendo memória, aprendizado, atenção e velocidade psicomotora. De modo geral, os efeitos negativos na cognição associados ao uso de antibióticos foram comparáveis aos causados por três a quatro anos de envelhecimento.

Embora o Dr. Andrew Chan, médico gastroenterologista da Harvard Medical School, nos Estados Unidos, que liderou o estudo, não exclua a possibilidade de os antibióticos terem agido diretamente no cérebro, ele disse ao Medscape que sua principal hipótese é que os medicamentos tenham causado efeitos disruptivos na microbiota intestinal. De fato, pesquisas em camundongos indicam que antibióticos como a ampicilina, embora indetectáveis no cérebro, estejam ligados à disbiose intestinal e ao comprometimento cognitivo.

Um estudo realizado em humanos mostrou que o microbioma intestinal de pacientes com demência por doença de Alzheimer apresentou alterações em comparação com o de voluntários saudáveis. Eles tinham, por exemplo, mais bactérias do gênero Bacteroides e menos do gênero Bifidobacterium . Outras pesquisas revelaram mudanças na diversidade e diminuição da riqueza do microbioma intestinal em várias outras doenças, desde a doença de Crohn e o transtorno do espectro autista até a esclerose múltipla e a doença de Parkinson.

“Vários estudos em animais, e alguns estudos em humanos também, mostraram que a disbiose intestinal está associada a comprometimento cognitivo e alterações cerebrais”, disse ao Medscape Viktoriya Nikolova, doutoranda e pesquisadora do King's College London, na Inglaterra, ao ser convidada para comentar em caráter independente. Os antibióticos podem causar alterações no microbioma que podem durar meses ou até anos.

Há muitas maneiras pelas quais os trilhões de microrganismos que residem no intestino humano podem afetar a mente. Eles podem invadir o nervo vago, liberar neurotransmissores no sangue que chegam ao sistema nervoso central e interagir com células imunológicas.

De acordo com o Dr. Andrew, “antibióticos e a desregulação do microbioma intestinal podem desencadear um estado crônico de inflamação que predispõe as pessoas a desenvolverem declínio cognitivo”. Essa inflamação pode ser causada, por exemplo, por endotoxinas bacterianas – compostos potencialmente tóxicos liberados por bactérias gram-negativas, como Bacteroides, as quais são encontradas em abundância nos intestinos de pacientes com doença de Alzheimer.

Experimentos mostram que a injeção de endotoxinas em camundongos pode levar a uma maior formação de placas amiloides – aglomerados insolúveis de proteínas mal dobradas que se formam entre as células nervosas do cérebro, potencialmente bloqueando a sinalização célula a célula. Pesquisas com roedores sugerem que os antibióticos podem realmente afetar a formação de placas amiloides.

Embora o novo estudo no periódico PLOS ONE aumente o conhecimento sobre os potenciais efeitos negativos dos antibióticos na saúde do cérebro, o Dr. Andrew acredita que seja muito cedo para recomendar que o uso de antibióticos seja evitado especificamente por preocupações em relação à demência.

Ele acredita, no entanto, que o estudo “forneça alguma justificativa adicional para se ter cautela quanto ao uso de antibióticos”. Considerando que os Centers for Disease Control and Prevention dos EUA estimam que pelo menos 30% das prescrições de antibióticos ambulatoriais nos EUA sejam desnecessárias, isso certamente é motivo de preocupação.

O estudo recebeu apoio independente. O Dr. Andrew e Viktoriya informaram não ter conflitos de interesses.

PLOS ONE. Publicado on-line em 23 de março de 2022. Texto completo

Marta Zaraska é jornalista de ciências, reside na França e é autora do livro "Growing Young: How Friendship, Optimism and Kindness Can Help You Live to 100". Siga Mata Zaraska no  Twitter .

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