Entenda as diferenças entre variantes, linhagens e vírus recombinantes do SARS-CoV-2

Mônica Tarantino

14 de abril de 2022

 

Nota da editora: Veja as últimas notícias e orientações sobre a covid-19 em nosso  Centro de Informações sobre o novo coronavírus SARS-CoV-2  . 

O primeiro caso conhecido de covid-19 provocado pela sublinhagem XE foi divulgado pelo Ministério da Saúde no dia 7 de abril. Ele foi identificado em São Paulo um dia antes pelo Instituto Butantan. Descoberta em meados de janeiro deste ano no Reino Unido, a sublinhagem XE é um vírus recombinante composto por uma mistura dos genomas de duas linhagens da variante Ômicron: as linhagens BA.1 e BA.2.

Embora mais estudos complementares sejam necessários, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já avisou que a XE pode ser ainda mais contagiosa. “Com base em análises iniciais de sequenciamento genético disponíveis, existe uma ligeira vantagem na sua transmissibilidade em relação à variante BA.2. Cerca de 10%, e não dez vezes, como foi reportado por alguns”, esclareceu a Dra. Maria Van Kerkhova, Ph.D, líder técnica da OMS, em mensagem em vídeo divulgada no dia 9 de abril.

A convite do Medscape em português, o virologista Anderson Brito contextualizou o aparecimento da linhagem recombinante XE e explicou como são classificadas as novas versões do SARS-CoV-2. Ele faz parte da Pango Network , uma equipe internacional lançada por pesquisadores da University of Oxford e da University of Edinburgh, no Reino Unido, para supervisionar a identificação e nomeação de diferentes linhagens do SARS-CoV-2. Biólogo de formação, tem mestrado em microbiologia pela Universidade de São Paulo e doutorado em biologia computacional pelo Imperial College London, no Reino Unido. É pesquisador afiliado à Yale University, nos Estados Unidos, e pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde (ITpS).

O sistema de classificação desenvolvido pela Pango Network é chamado de Phylogenetic assignment of named global outbreak lineages (do inglês Atribuição Filogenética de Linhagens de Surto Globais Nomeadas) ou Pangolin ou Pango, mais simplesmente. Há também outros sistemas, como o Nextclades . Segundo o pesquisador, o modelo Pango, que atribui às mutações nomes como P.1, BA.1 e XE, tem sido o mais usado para padronizar e vigiar as mutações.

Se inicialmente os cientistas pensavam que essas recombinantes do SARS-CoV-2 poderiam ser mais raras, hoje sabem que a evolução do novo coronavírus é muito dinâmica e que as suas versões surgem com muita rapidez. “É comum que as linhagens do SARS-CoV-2 surjam, aumentem e diminuam em frequência, até eventualmente serem tão raras a ponto de não serem mais detectadas”, diz o pesquisador. Pela classificação Pango, essas sub-linhagens são nomeadas em formato alfanumérico até o quarto nível. Depois, podem receber uma nova nomenclatura. “Foi assim com as novas sub-linhagens da variante Delta, que de B.1.617.2 passaram a ter o prefixo AY, por exemplo”, detalhou o pesquisador.

Da mesma forma, as sub-linhagens da variante Ômicron (B.1.1.529) ganharam o prefixo BA, e muitas das recombinantes da Ômicron hoje recebem o prefixo X (letra que denota cruzamento de linhagens), como a XE, XG, e vários outros recombinantes com perfis genéticos distintos. Em 2021, foram identificadas as sub-linhagens recombinantes XA, XB, XC e XD. A maioria não é mais detectada. Em 2022, essa lista ganhou nomes que vão até a letra S (ou XS). Veja mais informações a esse respeito no link sugerido pelo virologista.

A regra Pango e outros sistemas para nomear as sub-linhagens do SARS-CoV-2 ajudam evitar a confusão deflagrada por nomes como Delta Plus ou Deltacron, considerados inadequados. “O termo Deltacron logo se tornou muito popular e levou a população a pensar que havia uma nova cepa do vírus SARS-CoV-2, diferente das outras, o que é um equívoco”, disse o pesquisador ao Medscape. Na verdade, o termo foi erroneamente escolhido porque não designa uma variante específica, mas milhares de recombinações do vírus com perfis totalmente diferentes, como as sub-linhagens XF e XS, que são recombinantes de Ômicron com Delta.

Enquanto a XF tem um arcabouço da linhagem BA.1 da Ômicron e um fragmento inicial com mais características da Delta, a XS parece ser o contrário. Além das recombinações já identificadas e nomeadas, há novas que ainda não ganharam um nome.

Quanto mais o vírus se replica, maiores são as possibilidades de sofrer mudanças. Mas o que determina a identificação de uma nova variante? “O que distingue uma variante não é apenas uma mutação, mas centenas ou milhares. O genoma do vírus tem quase 30 mil nucleotídeos (subunidade que forma o ADN ou ARN). A mudança de cada nucleotídeo é uma mutação”, ensina o virologista. Foi o que ocorreu para levar ao surgimento das variantes de preocupação denominadas Alfa, Beta, Gama, Delta e Ômicron, que são as mais conhecidas.

Cerca de mil variantes do novo coronavírus foram detectadas no mundo desde o início da pandemia. Dentre todas, as que se tornaram mais transmissíveis, patogênicas ou oferecem maior escape dos mecanismos de proteção das vacinas são chamadas de variantes de preocupação (VOC, do inglês variant of concern). Fazem parte desse grupo as variantes Alfa, Beta, Gama, Delta e Ômicron, para registrar as mais conhecidas.

As versões do vírus diretamente aparentadas constituem linhagens, como a Ômicron BA.1 e BA.2. Em uma analogia, o Dr. Anderson comparou com membros de um grupo familiar que tem o mesmo ascendente: “Os Lima são mais parecidos geneticamente entre eles, assim como os Brito são mais similares entre si. Podem ter semelhanças, mas são linhagens humanas distintas, com características próprias. Ou seja, somos linhagens humanas distintas porque sofremos mutações. Com os vírus, a lógica é a mesma”, detalha o Dr. Anderson.

Neste momento, os especialistas buscam as respostas do organismo humano às recombinações existentes. A única certeza é que as vacinas disponíveis oferecem proteção contra as formas graves da doença, internação e óbito se a pessoa for infectada por uma das versões mescladas já identificadas.


“Se a pessoa foi exposta à Delta há poucas semanas e agora é exposta a um vírus recombinante mais Delta do que Ômicron, o organismo reconhecerá vários fragmentos da Delta, mas tem pedacinho ali que não pertence a ela, como se fosse uma ‘máscara’ de Ômicron. Isso pode trazer um pouco de confusão para o nosso sistema imunológico por ser algo que o nosso corpo nunca viu na vida”, diz o virologista.

Vale lembrar que a alta circulação de mais de um tipo viral ao mesmo tempo facilita o surgimento das recombinações, esses mosaicos virais. “A probabilidade é de que muitos vírus surgidos não tenham nenhuma vantagem muito maior em relação aos seus competidores, porque esses vírus estão competindo entre si. Quem é mais rápido em se disseminar terá descendentes. Os que forem um pouco mais lentos logo diminuem em frequência”, diz o Dr. Anderson.

Também não se pode dizer que um vírus desaparece. “Pode estar só em frequência muito baixa. A variante Gama não desapareceu, certamente existe algum lugar do mundo circulando de maneira quase silenciosa, porque se tornou rara. Nós vamos criando resistência a ela até que uma outra variante com alguma característica vantajosa consiga se sobrepor”. Por isso é importante lembrar o organismo, com o reforço vacinal, de que é preciso produzir defesas continuamente contra o novo coronavírus.

Panorama geral

Desse modo, quem teve covid-19 pela variante Ômicron ou anteriores está igualmente sujeito a pegar a XD ou XE, mas isso não quer dizer que a infecção será mais forte ou fraca. “Por causa das vacinas, o organismo humano já tem barreiras ao vírus. O problema é que algumas pessoas são mais vulneráveis e não desenvolveram essas defesas com tanta força. A sociedade tem que reconhecer que existem pessoas mais vulneráveis, ser solidária e recorrer às medidas de proteção para prevenir a infecção.” O pesquisador lembra que as variantes e recombinantes do novo coronavírus são alvo de vigilância constante.
  
Panorama global

De acordo com o mais recente boletim epidemiológico divulgado pela OMS, em 5 de abril, a variante Ômicron BA.2 já é predominante nos 68 países onde há dados de sequenciamento genético do vírus SARS-CoV-2. Segundo o relatório, o número total de sequências de Ômicron submetidas por pesquisadores de todo o mundo mantém a tendência de queda. Porém, entre as suas sub-linhagens, a proporção relativa de BA.2 subiu para 93,6% e a BA.1.1 registra 4,8% dos casos. Enquanto isso, a BA.1 e a BA.3 são menos de 0,1% de todas as linhagens circulantes da Ômicron.

Na América do Sul, especificamente, a sublinhagem BA.2 da Ômicron começou a aumentar mais recentemente e em ritmo mais lento do que em outras localidades. Divulgados em rede social no dia 24 de março, dados do Instituto Todos pela Saúde (ITpS) baseados na análise de 118.639 testes de covid-19 feitos entre cinco de dezembro de 2021 e 19 de março de 2022 revelaram que, em três semanas, houve uma alta na proporção de casos suspeitos de BA.2 de 3,8% para 27,2% das amostras positivas. De acordo com a OMS, os dados devem ser compreendidos levando em consideração as diferenças na capacidade de sequenciamento, vigilância e estratégias de contenção de cada país.

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