Quetamina + psicoterapia: resultados promissores no controle do transtorno por uso de álcool

Megan Brooks

Notificação

11 de fevereiro de 2022

A administração de três infusões semanais de quetamina, associada a psicoterapia baseada em atenção plena, pode contribuir para que adultos com transtorno por uso de álcool consigam sustentar a abstenção ao consumo de bebidas alcoólicas, segundo nova pesquisa.

Os resultados preliminares de um ensaio clínico de fase 2, duplo-cego e controlado por placebo mostram que, na avaliação de seis meses, a quetamina estava sendo bem tolerada pelos participantes, que apresentavam mais dias de abstinência do que aqueles que receberam placebo.

Os resultados sugerem que a associação de quetamina e psicoterapia possa ser um “tratamento novo, e relativamente breve, com efeitos duradouros no transtorno por uso de álcool”, disse ao Medscape a Dra. Celia Morgan, Ph.D., professora de psicofarmacologia, University of Exeter, no Reino Unido.

O estudo foi publicado on-line  em 11 de janeiro no periódico American Journal of Psychiatry.

Alvo: a depressão

Sintomas depressivos são comuns em pacientes em tratamento para transtorno por uso de álcool, e aumentam o risco de recidiva.

A quetamina pode contribuir para a abstinência alcoólica ao atenuar temporariamente os sintomas depressivos nas semanas seguintes à desintoxicação, um período de alto risco de recaída, observaram os pesquisadores.

A quetamina também poderia potencializar momentaneamente “a sinaptogênese e a neurogênese, permitindo que as psicoterapias e as novas estratégias de controle da dependência sejam assimiladas com mais rapidez", acrescentaram.  

Para testar essas teorias, os pesquisadores recrutaram 96 adultos com transtorno por uso de álcool grave para o estudo (média de idade de 44 anos; 35 mulheres).

Todos os participantes precisaram se abster do uso de álcool por no mínimo 24 horas antes do início do ensaio, e apresentar um resultado de 0,0 na leitura do teste do bafômetro na consulta inicial.

Os participantes foram randomizados entre quatro grupos para receber três infusões intravenosas por semana de 0,8 mg/kg de quetamina ou solução salina (placebo) durante 40 minutos:

  1. quetamina + psicoterapia;

  2. solução salina + psicoterapia

  3. quetamina + educação sobre álcool

  4. solução salina + educação sobre álcool

O desfecho primário foi o percentual de dias de abstinência informado pelo próprio participante, bem como confirmação de recidiva de uso de álcool no acompanhamento de seis meses.

No acompanhamento de seis meses, o uso de quetamina foi associado a um número significativamente maior de dias de abstinência alcoólica (diferença média: 10,1%; intervalo de confiança [IC] de 95% de 1,1 a 19,0), "apesar de os intervalos de confiança terem sido amplos, consistentes com um estudo de prova de conceito", pontuaram os autores.

A maior quantidade de dias sem consumo de bebida alcoólica foi observada no grupo quetamina + psicoterapia em comparação com o grupo solução salina + educação sobre álcool (diferença média: 15,9%; IC de 95% de 3,8 a 28,1).

Não houve diferença significativa na taxa de recidiva entre os grupos quetamina e placebo. Não foram notificados efeitos adversos graves em nenhum grupo.

Cada vez mais evidências

Esses achados estão de acordo com os de alguns outros estudos, que também sugeriram benefício com o uso de quetamina no transtorno por uso de álcool. 

Como noticiado pelo Medscape, um estudo recente mostrou que apenas uma infusão de quetamina + aconselhamento pode contribuir para que pacientes com transtorno por uso de álcool controlem a vontade de beber.

Outro estudo demonstrou que uma dose única de quetamina + terapia centrada na reativação de "memórias mal adaptativas de recompensa" relacionadas com o consumo de álcool reduziu os impulsos de consumo e a ingestão de álcool mais do que quetamina isolada ou placebo.

"O fato de a quetamina ser capaz de reduzir o consumo de álcool e a depressão no transtorno por uso de álcool é um incentivo em termos terapêuticos", escreveram os pesquisadores.

"Apesar de a clara associação entre a depressão e o transtorno por uso de álcool ser reconhecida, os centros psiquiátricos e de tratamento do abuso de álcool ainda se esforçam para atender às necessidades dos pacientes com os dois diagnósticos, portanto, a quetamina pode representar uma solução para esta antiga comorbidade", acrescentaram eles.

A Dra. Celia disse ao Medscape que a quetamina adjuvante à terapia de prevenção de recaídas vem "sendo administrada nas  Awakn Clinics  no Reino Unido e na Noruega, mas precisamos conduzir o estudo de fase 3, a fim de tornar o tratamento mais acessível".

"Nova terapia intrigante"

Convidado a comentar o estudo, o Dr. Timothy Brennan, médico e chefe de serviços clínicos, Addiction Institute of Mount Sinai, nos EUA, disse que a quetamina "continua a ser uma intrigante nova terapia para vários transtornos psiquiátricos".

"Infelizmente, o estudo não mostrou qualquer diferença nas taxas de recidiva para o álcool, embora uma melhora nos dias de abstinência seja certamente notável", disse ele ao Medscape.

"Como este foi apenas um estudo de prova de conceito, e não comparou quetamina a outra farmacoterapia aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA para o transtorno por uso de álcool, ainda é muito cedo para recomendar infusões de quetamina para quem apresenta o transtorno", advertiu.

O estudo recebeu apoio do Medical Research Council. A Dra. Celia recebeu royalties para a distribuição de licenças da terapia KARE (Ketamine for Reduction of Alcoholic Relapse). A terapia KARE é licenciada pela University of Exeter para a Awakn Life Sciences. Ela recebeu financiamento de pesquisa da Awakn Life Sciences e presta consultoria para a Janssen Pharmaceuticals. Outros coautores informaram relações com a indústria; a íntegra da declaração de conflitos de interesses consta no artigo original. O Dr. Timothy informou não ter conflitos de interesses.

Am J Psychiatry. Publicado on-line em 11 de janeiro de 2022. Texto completo

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