Dieta cetogênica após traumatismo cranioencefálico: um estudo inusitado

Pauline Anderson

Notificação

10 de fevereiro de 2022

A dieta cetogênica parece ser uma estratégia terapêutica promissora para o tratamento de sintomas de traumatismo cranioencefálico (TCE) leve, sugerem resultados preliminares.

Os resultados de um estudo com modelos murinos mostraram que uma dieta rica em gordura e pobre em carboidratos, que induza o metabolismo da gordura e a produção de corpos cetônicos, foi associada a redução no comprometimento cognitivo, perda neuronal e inflamação do sistema nervoso central (SNC) associados ao TCE.

"Nossos resultados sugerem que a dieta cetogênica pode ser uma modalidade terapêutica vital", escreveram o nutricionista Meirav Har-Even Kerzhner, da Faculdade de Medicina Sackler, em Israel, e seus colaboradores.

Os pesquisadores relataram que planejam realizar um estudo semelhante em humanos com TCE.

Os achados foram publicados on-line em 07 de dezembro no periódico Scientific Reports.

Sem tratamento comprovado

Lesão em serviço às forças armadas ou durante a prática de esportes, acidente automobilístico, queda e agressão física são as causas mais comuns de TCE.

Estima-se que, por ano, cerca de 2,8 milhões de pessoas nos Estados Unidos recebam atendimento médico em função de um TCE, principalmente como resultado de acidente automobilístico, queda, agressão física e/ou lesão durante a prática de esportes. Os traumas leves representam 80% a 95% desses casos. São quadros de difícil diagnóstico, porque os exames de rotina, inclusive os de imagem, não mostram alterações na estrutura cerebral.

Pacientes com TCE podem apresentar comprometimento comportamental, emocional e cognitivo, o que pode incluir déficit de memória e concentração, função executiva deficiente, depressão e ansiedade. Trauma cerebral também é um fator de risco de patologias como doença de Alzheimer e doença de Parkinson. Atualmente, não há estratégia terapêutica com eficácia comprovada para o TCE.

A dieta cetogênica induz a cetose, um estado metabólico no qual o organismo usa corpos cetônicos como fonte de energia, ao invés da glicose, e resulta em um estado de jejum.

Essa dieta vem sendo usada há anos por pacientes com epilepsia resistente, e estudos recentes exploraram seu benefício em outros distúrbios neurológicos, incluindo nas doenças de Parkinson e Alzheimer.

Pesquisas anteriores sugerem que a dieta cetogênica pode induzir efeitos anti-inflamatórios, aumentar a tolerância do cérebro à isquemia e reduzir a expressão microglial ativada. Há também indícios de que a dieta seja neuroprotetora, possivelmente pela alteração da expressão da proteína SIRT1.

A SIRT1 está envolvida no desenvolvimento do hipocampo e em vários processos fisiológicos, por exemplo, na resposta ao estresse oxidativo, no silenciamento genético, na estabilidade do genoma e na extensão da vida celular, observaram os pesquisadores.

"A SIRT1 é uma proteína muito relevante para todo o organismo, especialmente para o cérebro, porque desempenha um papel muito importante no envelhecimento celular", disse Meirav ao Medscape.

Atenuação dos sintomas

Os pesquisadores usaram quatro grupos de murinos machos adultos para os experimentos. Em dois grupos com TCE leve, uma parte dos animais foi alimentada com dieta cetogênica e a outra com dieta padrão. Dois grupos de controle, sem lesão, também foram alimentados com dieta cetogênica e padrão.

A dieta cetogênica foi composta de 90,5% de gordura, 9,2% de proteína e 0,3% de carboidrato. E a dieta padrão, de 12,5% de gordura, 10,1% de proteína e 77,4% de carboidrato. Todos os modelos murinos foram acompanhados por até 30 dias.

Para simular um TCE leve, os animais foram atingidos na região temporal direita, entre a orelha e o canto do olho.

"Este modelo foi escolhido por simular traumas cranianos, como vistos em acidentes automobilísticos e quedas, visto que causa uma lesão difusa e inespecífica", escreveram os pesquisadores.

Em comparação com os grupos de controle, os grupos com TCE apresentaram diminuição da memória visual e espacial, bem como altos níveis de astrócitos e outros marcadores neurológicos de inflamação cerebral.

Os pesquisadores também realizaram uma série de testes cognitivos e celulares para avaliar os efeitos da dieta cetogênica. Eles descobriram que a dieta atenuou os déficits cognitivos na memória espacial e visual, além das alterações celulares nos neurônios e nas células da glia causadas pela lesão.

Para entender melhor os efeitos moleculares da dieta e do TCE, os pesquisadores também avaliaram os níveis de SIRT1 em duas regiões do cérebro que desempenham um papel crucial na formação da memória: o córtex e o hipocampo.

O TCE reduziu os níveis de SIRT1 no córtex e no hipocampo 30 dias após a lesão, o que foi atenuado pela dieta cetogênica. Isso, observaram os pesquisadores, sugere um possível mecanismo, que pode contribuir para o comprometimento cognitivo e a melhora dos sintomas relacionados quando essa dieta é feita.

Agora, os pesquisadores pretendem realizar uma pesquisa clínica em pacientes com TCE. Como a dieta é extremamente restritiva, o estudo incluirá consultas com nutricionistas especializados, disse Meirav.

O plano é avaliar os desfechos cognitivos por meio de testes padronizados, como Miniexame do Estado Mental e Montreal Cognitive Assessment, e a atividade cerebral através de eletroencefalogramas um e talvez três meses após o início da dieta, acrescentou.

O estudo foi financiado pelo Fundo Ari e Regine Aprijaskis, o Centro Dr Miriam e Sheldon G. Adelson para a Biologia dos Transtornos de Dependência a Substâncias, e o Instituto de Esportes Sylvan Adams. Os pesquisadores informaram não ter conflitos de interesse financeiros.

Sci Rep. Publicado on-line em 07 de dezembro de 2021. Artigo completo

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