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Especialistas do Hospital das Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCPA-UFRGS) desenvolveram uma ferramenta para a estratificação do risco de morte de pacientes com covid-19 internados em unidades de terapia intensiva (UTI) a partir de achados de ultrassonografias realizadas no local de atendimento e de variáveis clínicas e laboratoriais obtidas até 36 horas após a internação. Em referência ao termo em inglês point-of-care ultrasound (POCUS), a ferramenta foi nomeada de escore POCOVID.
O estudo que deu origem ao escore foi publicado no final de 2021 no Journal of Critical Care. [1] A Dra. Angela Santos, cardiologista do HCPA, professora do Programa de Pós-Graduação em Cardiologia e Ciências Cardiovasculares da UFRGS e uma das autoras da pesquisa, falou ao Medscape sobre o trabalho.
A pesquisa incluiu pacientes com covid-19 que foram internados na UTI do HCPA entre janeiro e setembro de 2020. Os autores coletaram dados clínicos e laboratoriais e realizaram uma ultrassonografia cardiopulmonar in loco até 36 horas após a admissão na UTI.
Segundo a Dra. Angela, a ultrassonografia in loco é realizada à beira leito por médicos treinados, em geral clínicos, emergencistas ou intensivistas, que não precisam ser especialistas em radiologia. “O ultrassom está se tornando uma ferramenta muito útil na terapia intensiva para guiar procedimentos como a passagem de acessos vasculares com maior segurança e precisão. Além disso, com o uso de protocolos e rotinas específicas, o exame auxilia na avaliação da condição cardiopulmonar e hemodinâmica dos pacientes de forma não invasiva e à beira do leito, diminuindo os riscos associados a procedimentos invasivos e o deslocamento de pacientes graves para outros setores do hospital”, disse ela.
Essas características, segundo a médica, são especialmente úteis para pacientes com covid-19 crítica admitidos na UTI, visto que permitem obter, de forma rápida e menos complexa, dados clinicamente relevantes para a avaliação da gravidade e do prognóstico da doença, fatores que podem nortear a otimização de recursos em cenários de escassez.
Dos 78 pacientes incluídos no estudo, 33 (42%) morreram durante a hospitalização. Ao comparar os resultados dos pacientes que sobreviveram com os daqueles que morreram, os autores identificaram que o segundo grupo foi composto de pessoas mais velhas, com pior pontuação no Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), níveis de troponina mais elevados à admissão, pior fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE), disfunção diastólica do VE e espessura da gordura epicárdica aumentada. Porém, Porém, a gravidade do comprometimento pulmonar, avaliada por escores ultrassonográficos, não foi determinante na identificação de pacientes com pior prognóstico nesse grupo.
A partir da análise multivariada desse estudo, o grupo desenvolveu o escore POCOVID, incluindo três das variáveis avaliadas: idade superior a 60 anos; lesão cardíaca (identificada por troponina elevada ou fração de ejeção do VE < 50%) e espessura da gordura epicárdica > 0,8 cm. A incidência de morte foi quase duas vezes maior entre os pacientes que apresentaram dois ou três desses fatores de risco, em comparação com aqueles que apresentaram até zero ou um fator de risco (66% versus 34%).
Para a Dra. Angela, os critérios identificados estão em sintonia com o que se sabe sobre a covid-19. “Desses três fatores de risco, o mais surpreendente para nós foi a gordura epicárdica, um depósito ectópico de gordura visceral. A gordura visceral (mais estudada como obesidade central abdominal) tem grande atividade inflamatória através da produção de citocinas e é um marcador de risco cardiovascular reconhecido. Apesar de pouco estudada no cenário da covid-19, a gordura visceral parece ser um reservatório do SARS-CoV-2, e pode ser um mediador importante na fase inflamatória da covid-19, facilitando a disseminação viral e a ativação imunoinflamatória”, explicou a médica, acrescentando que o aumento da espessura da gordura epicárdica detectada pela ultrassonografia in loco “pode ser uma janela para identificar pacientes com maior risco de apresentarem essa ‘tempestade inflamatória’, sendo de maior consequência nos indivíduos mais velhos e que apresentem sinais de comprometimento cardíaco agudo ou crônico.”
A médica lembrou que já foram identificados inúmeros marcadores/fatores de risco de covid-19 grave (por exemplo, perfil epidemiológico, avaliação clínica, exames laboratoriais e de imagem), e muitos desses parâmetros foram organizados em escores para a avaliação da gravidade ou da progressão da doença. “Utilizamos uma base de dados extensa para a elaboração do escore, mas o nosso objetivo primário foi estabelecer uma ferramenta de fácil aplicação, e que pudesse ser usada precocemente, com dados obtidos na própria UTI, no momento da internação”, ressaltou.
Segundo a pesquisadora, é importante destacar que a amostra do estudo foi restrita às primeiras ondas da pandemia, antes do surgimento das variantes de preocupação, e quando a maioria dos pacientes ainda não estava vacinada. Além disso, ela ressaltou que o escore POCOVID tem como foco os pacientes com covid-19 crítica que necessitam de cuidados intensivos (a maior parte em ventilação mecânica). “Dessa forma não é possível determinar o desempenho [da ferramenta] no contexto de pacientes menos graves”, esclareceu, pontuando que a facilidade de aplicação do escore nos serviços que dispõem de ultrassonografia à beira do leito pode “representar uma janela de oportunidade para validar o escore POCOVID de forma mais abrangente”, afirmou.
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Citar este artigo: Escore POCOVID: ultrassonografia à beira do leito permite avaliação do risco de morte na covid-19 grave - Medscape - 7 de fevereiro de 2022.
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