Os principais desafios no manejo da hepatite C

Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck

Notificação

17 de janeiro de 2022

A introdução dos antivirais de ação direta contribuiu de forma significativa para o aumento das taxas de sucesso no tratamento da infecção pelo vírus da hepatite C (HCV), mas, apesar deste avanço, ainda há desafios, alguns dos quais foram debatidos em uma mesa-redonda no XXII Congresso Brasileiro de Infectologia (INFECTO 2021), um evento da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), realizado de 14 a 17 de dezembro em formato híbrido – presencial e on-line.

A sessão foi presidida pela Dra. Roseane Porto Medeiros, infectologista do Conjunto Hospitalar do Mandaqui e do Centro de Vigilância Epidemiológica "Prof. Alexandre Vranjac". O debate foi comandado pelo Dr. José David Urbaez Brito, infectologista da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

Hepatite C aguda exige tratamento imediato ou não?

A necessidade de intervenção terapêutica imediata na hepatite C aguda ainda gera dúvidas. Entre os motivos dessas questões, estão a possibilidade de clareamento viral espontâneo, a limitação de dados acerca da eficácia do uso de antivirais de ação direta na fase aguda da infecção, a carência de estudos avaliando a custo-efetividade da estratégia e a ideia de que o HCV não seria sexualmente transmissível.

Durante sua apresentação no evento, o Dr. Mario Peribañez Gonzalez, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, debateu essas questões, destacando por que defende o tratamento imediato nesses casos.

Segundo o especialista, a literatura mostra que, em média, de 15% a 25% das pessoas infectadas pelo HCV evoluem com clareamento viral espontâneo em até seis meses. Além disso, quadros agudos não são frequentes e, quando ocorrem, os sintomas costumam ser muito leves e passar despercebidos, “portanto, é importante estarmos atentos”, destacou, acrescentando a necessidade de monitorar a elevação das transaminases.

O Dr. Mario pontuou que estudos mostram que a transmissão sexual do HCV pode ocorrer, especialmente entre homens que fazem sexo com homens. [1,2]

Quanto à eficácia dos novos tratamentos, o médico afirmou que, apesar de os estudos ainda serem escassos, os resultados são promissores; segundo ele, os antivirais de ação direta não estão associados a eventos adversos na infecção aguda, sendo, portanto, seguros e aparentemente eficazes neste grupo. [3,4]

No que tange a custo-efetividade, o Dr. Mario lembrou que há evidências de benefícios associados ao tratamento da hepatite C aguda, mencionando um trabalho, publicado no periódico Hepatology, [5  ]cujos resultados mostraram que, “com 98% de resposta virológica sustentada (RVS), é custo-efetivo tratar os pacientes sem risco de transmissão do HCV se o clareamento viral espontâneo for < 31%. Nós não temos um clareamento viral espontâneo de 31% na história natural do HCV, portanto, é custo-efetivo mesmo naqueles que a princípio não iam transmitir para outros. Agora, em um subgrupo que tem alto risco de transmitir o vírus, como usuários de drogas intravenosas ou homens que fazem sexo com homens adeptos a práticas mais arriscadas, precisaríamos de um clareamento viral espontâneo < 44%, ou seja, por este estudo, é altamente custo-efetivo tratar as pessoas que têm risco de transmitir”, disse.

Diante desses dados, o Dr. Mario destacou a importância da intervenção terapêutica imediata em caso de hepatite C aguda, assim como da redução de todos os tipos de gargalos e barreiras ao acesso ao tratamento. Segundo o palestrante, iniciar o tratamento sem o resultado da genotipagem, apenas com a data da coleta do exame em mãos, é algo que deveria ser considerado.

Tratamento da hepatite C crônica: conduta na ausência de resposta

A incorporação dos antivirais de ação direta e do tratamento universal de pacientes com hepatite C crônica, independentemente do grau de fibrose, contribuiu para melhorar e ampliar o acesso ao tratamento. Atualmente, segundo a Dra. Maria Cássia Mendes Correa, médica do Instituto de Medicina Tropical (IMT) e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), as taxas de falha são bastante razoáveis, variando de 5% a 10%. [6,7,8,9] As falhas terapêuticas podem ocorrer por vários motivos, dentre os quais, aspectos relativos ao vírus (p.ex.: variantes e resistência), ao paciente (p.ex.: adesão e tolerabilidade), ao esquema terapêutico e aos medicamentos.

De acordo com a Dra. Maria Cássia, tanto a guia europeia European Association for the Study of the Liver (EASL) quanto a norte-americana American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD) atualmente apontam a associação de sofosbuvir + velpatasvir + voxilaprevir por 12 semanas como segunda linha de tratamento para pacientes que não responderam ao esquema com sofosbuvir + NS5A. Outra opção seria o glecaprevir + pibrentasvir, e no caso do genótipo 3, há a possibilidade de acréscimo da ribavirina por mais tempo.

No Brasil, o esquema com sofosbuvir + velpatasvir + voxilaprevir ainda não está disponível. “Hoje em dia, nós utilizamos para resgate apenas glecaprevir + pibrentasvir com sofosbuvir (associado ou não à ribavirina). Na minha opinião, seria necessária uma utilização muito criteriosa desses medicamentos. É preciso atualizar os nossos esquemas para que nós não tenhamos perda da efetividade deles ao longo do tempo e falta de opções para substituí-los”, destacou a palestrante.

Além disso, a Dra. Maria Cássia defendeu a importância da implementação de um sistema de vigilância genômica em caso de falha terapêutica, bem como de orientação terapêutica por sistema de vigilância. “Com essas medidas, poderíamos caminhar para melhor direcionamento de políticas de manejo e maior custo-efetividade de distribuição de medicamentos no nosso país”, ressaltou.

Depois da resposta virológica sustentada

Segundo o Dr. Dimas Carnaúba Junior, infectologista do Centro de Referência e Treinamento em IST/Aids e do Hospital de Transplantes "Euryclides de Jesus Zerbini", quando se fala em resposta virológica sustentada, o padrão-ouro é alcançar níveis indetectáveis de RNA do HCV 12 semanas após o tratamento. Após a resposta virológica sustentada, o acompanhamento pode variar de indivíduo para indivíduo.

O médico disse que as diretrizes mais recentes da EASL, de 2021, [10] recomendam que pacientes com fibrose ausente a moderada (F0 a F2 na escala METAVIR) que obtiverem resposta virológica sustentada e não apresentarem comportamentos de risco ou comorbidades, devem ser liberados. Para os pacientes com fibrose avançada (F3) ou cirrose (F4) antes do tratamento, que obtiverem resposta virológica sustentada, devem ser rastreados para carcinoma hepatocelular a cada seis meses por meio de ultrassonografia. A resposta virológica sustentada está associada a uma redução do risco de carcinoma hepatocelular, mas esse risco não é eliminado. No caso de cirrose, para aqueles que já apresentavam varizes no esôfago na endoscopia realizada antes do início do tratamento ou que evoluíram com contagem de plaquetas < 150.000/mm3 e elastografia > 20 kPa, a recomendação é manter a vigilância para varizes com endoscopia (critérios do Baveno VI).

Além disso, as diretrizes da EASL [10]recomendam ainda que os profissionais de saúde conversem com os pacientes e expliquem o risco de reinfecção, com o intuito de modificar o comportamento das populações de risco. Segundo o Dr. Dimas, após a resposta virológica sustentada, deve ser realizado o monitoramento para reinfecção através da avaliação do RNA do HCV anual ou a cada dois anos em usuários de drogas injetáveis ou homens que fazem sexo com homens que apresentem comportamentos de risco contínuo. O médico também pontuou a importância de prestar um atendimento sem estigma, oferecendo tratamento oportuno para os pacientes que forem reinfectados.

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