A resistência aos antimicrobianos é uma ameaça crescente à saúde pública, que representa um desafio para pesquisadores de todo o mundo. A busca por novas estratégias de prevenção, diagnósticas e terapêuticas é uma preocupação constante e foi tema de uma sessão científica do XXII Congresso Brasileiro de Infectologia (INFECTO 2021), evento da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) realizado de 14 a 17 de dezembro em formato híbrido – presencial e on-line.
A mesa-redonda, que abordou as novidades sobre o tema, foi presidida pelo Dr. Estevão Urbano Silva, infectologista e professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH) e da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (CMMG), e contou com a presença da Dra. Ana Cristina Gales, médica, professora de infectologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Comitê de Resistência Bacteriana da SBI, como debatedora.
Enterobactérias: resistência à associação de antibióticos betalactâmicos + inibidores de betalactamases
O Dr. Jorge Luiz Mello Sampaio, médico responsável pelo setor de microbiologia do Fleury Medicina e Saúde e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), explicou que tem sido observado no Brasil um aumento significativo na frequência tanto da presença da enzima metalobetalactamase “New Delhi” (NDM-1) como da expressão combinada de Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC)/NDM em enterobactérias resistentes a carbapenêmicos. [1]
Outra preocupação no país é a emergência de mutantes de KPC resistentes ao antibiótico ceftazidima + avibactam (CAZ-AVI). O Dr. Jorge Luiz e sua equipe do Grupo Fleury isolaram 16 cepas de K. pneumoniae com esse perfil de resistência entre março de 2019 e junho de 2021, e apresentaram o achado no 31º Congresso Brasileiro de Microbiologia (CMB 2021).
Se, por um lado, o aumento da resistência antimicrobiana assusta, por outro, impulsiona o desenvolvimento de novos compostos. Estudos mostram que as associações de cefepima + zidebactam ou de cefepima + taniborbactam têm, respectivamente, 96% e 75% de atividade contra a KPC. [2] Segundo o Dr. Jorge Luiz, o nacubactam é promissor para a maioria das enterobactérias, mas não tem atividade significativa contra boa parte das KPC. A combinação de meropenem + nacubactam tem atividade antimicrobiana isolada. Atualmente, alertou o especialista, “não há um inibidor que consiga ser ativo contra 100% das enterobactérias resistentes a carbapenêmicos, portanto, é preciso utilizar antimicrobianos com atenção redobrada e sabedoria”, disse ele.
Resistência do pneumococo
O uso de vacinas conjugadas tem promovido uma redução expressiva dos casos de pneumonia pneumocócica e doenças pneumocócicas invasivas. Atualmente, estão disponíveis no Brasil as vacinas pneumocócicas conjugadas 10 e 13-valentes (VPC10 e VPC13) e a vacina pneumocócica polissacarídica 23-valente (VPP-23).
Segundo o Dr. Eitan Berezin, médico e professor de pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, é importante ter atenção especial aos pacientes com fatores de risco. Para este grupo, é importante utilizar vacinas com a maior imunogenicidade e valência possíveis, e potencializar a proteção individual com esquema combinado de VPC + VPP.
Com relação às cepas resistentes, o Dr. Eitan destacou que penicilina é sempre a melhor solução. O medicamento também é importante para a redução de estado de portador. Ele destacou que o uso inadequado de antibióticos é um importante fator de contribuição para a resistência, com a necessidade de vacinação com cobertura mais ampla para diferentes sorotipos ficando cada vez maior. E também lembrou que novas vacinas estão chegando: “uma delas é a VPC10 com algumas substituições de sorotipos que estão na 10 que nós utilizamos. A nova incorpora os sorotipos 6A e 19A no lugar de outros sorotipos que se tornaram menos frequentes”. Essa mudança é importante, visto que a 19A está entre as cepas cuja frequência vem aumentando, além de ter sido associada a resistência bacteriana no Brasil. [3] Outras vacinas em vias de aprovação são a VPC15 e a VPC20.
O médico lembrou que a incorporação de vacinas pneumocócicas conjugadas aos programas de imunização levou à substituição de sorotipos circulantes por tipos não vacinais, o que incialmente contribuiu para reduzir a resistência antimicrobiana. No entanto, a exposição contínua de cepas não cobertas pela vacina e a pressão seletiva de antibióticos levou ao surgimento de resistência antimicrobiana em cepas não incluídas na VPC.
Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter spp.: resistência à colistina (polimixina E) + polimixina B
Segundo o Dr. Lauro Vieira Perdigão Neto, infectologista do Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ) e do Hospital Estadual Leonardo da Vinci (HELV), dados do Programa de Vigilância Antimicrobiana SENTRY mostram que, entre Pseudomonas aeruginosa, a resistência às polimixinas têm sido um evento raro, com taxas próximas a zero. [4] Mas, no caso da Acinetobacter baumannii, a taxa de resistência às polimixinas evoluiu de 0,4% em 2005 para 9,0% em 2016 na América Latina. [5] A questão, portanto, configura uma ameaça, especialmente frente ao aumento das infecções por Acinetobacter spp. na era da covid-19, inclusive no Brasil. [6]
O Dr. Lauro afirmou que, atualmente, para a testagem de sensibilidade às polimixinas deve ser priorizado o método de microdiluição, no entanto, dada a complexidade do processo, é necessário discutir a incorporação de métodos alternativos.
Quanto ao tratamento, o médico explicou que, na ausência de sensibilidade in vitro, a terapia combinada é o caminho, porém ainda não se sabe qual é a melhor combinação.
Candida parapsilosis e Aspergillus spp.: resistência aos azólicos
Estudos epidemiológicos de candidemia têm revelado que, na última década, a Candida parapsilosis se tornou um dos agentes mais relevantes nos serviços de saúde brasileiros. [7] O aumento da prevalência, segundo o Dr. João Nobrega Almeida Junior, médico do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) e pesquisador do Laboratório Especial de Micologia (LEMI) da Escola Paulista de Medicina (EMP) da Unifesp, foi seguido pela emergência de resistência aos azólicos. [8] “Precisamos tomar cuidado, porque pode haver disseminação clonal. Estamos vendo uma quebra de paradigma, esses organismos têm provavelmente uma adaptação melhor do que os organismos sensíveis”, destacou.
Com relação aos Aspergillus spp., o médico destacou que especialmente os centros que abrigam pacientes imunodeprimidos, transplantados e expostos a antifúngicos, devem ter MALDI-TOF (do inglês, Matrix Assisted Laser Desorption Ionization – Time of Flight) para tentar identificar as espécies de Aspergillus.
Para o Dr. João, ainda é preciso estudar mais o impacto ambiental do Aspergillus no Brasil. Um estudo de 2020 identificou A. fumigatus com mutações relacionadas à resistência no ambiente em isolados clínicos de pacientes brasileiros. [9] “Esses são os primeiros dados brasileiros em relação a A. fumigatus resistentes aos azólicos com mutações bastante preocupantes”, alertou. “Precisamos verificar se há Aspergillus fumigatus resistentes aos azólicos em nossa comunidade e precisamos de mais estudos sobre o tema. Além disso, também precisamos começar a monitorar isso mais de perto, fazendo o teste de sensibilidade do A. fumigatus nos nossos pacientes”, alertou.
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Citar este artigo: Resistência antimicrobiana em pauta no INFECTO 2021 - Medscape - 12 de janeiro de 2022.
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