COMENTÁRIO

O estresse crônico acelera o envelhecimento: uma evidência epigenética

Dr. Mauricio Wajngarten

Notificação

12 de janeiro de 2022

O estresse crônico aumenta o risco de doenças cardiovasculares. Esse aumento é relacionado a mecanismos biológicos (metabólicos, hormonais, inflamatórios) e, em maior grau, a mecanismos comportamentais (estilo de vida). Há uma crença popular que diz: o estresse acelera o envelhecimento, o que faz sentido, se consideramos a velha ideia de que a nossa idade corresponde à idade das nossas artérias .

O estudo dos mecanismos dos fatores de risco psicossociais é de grande relevância para a criação de estratégias preventivas individuais e populacionais que possam garantir maior longevidade com manutenção da qualidade de vida.

Uma equipe da YaleUniversity recentemente trouxe uma contribuição valiosa para esta área do conhecimento. O grupo partiu das seguintes hipóteses: [1]

  1. O estresse está positivamente associado à aceleração do envelhecimento biológico, e esta relação é mediada por mudanças fisiológicas relacionadas ao estresse (p. ex., insulina e sinalização do eixo hipotálamo-hipofisário).

  2. Fortes fatores de resiliência psicológica podem proteger contra as consequências negativas do estresse no envelhecimento. (Relações preditivas, não causais, pois o estudo é transversal.)

O estudo

Diferentemente de estudos prévios, os pesquisadores fizeram uma cuidadosa seleção de 444 jovens hígidos (sem doenças clínicas ou transtornos psiquiátricos) de 18 a 50 anos na área metropolitana de New Haven, Connecticut, nos Estados Unidos. Foram incluídos indivíduos com obesidade, bem como um pequeno número de indivíduos com níveis de consumo de risco (geralmente de acordo com a prevalência de uma população da comunidade), considerando o uso de álcool e o índice de massa corporal (IMC) como covariáveis para explicar o impacto dessas variáveis nos resultados.

Outro aspecto metodológico relevante deste estudo foi a utilização do chamado "relógio epigenético" GrimAge. Nos últimos anos, foram desenvolvidas maneiras de determinar a idade biológica a partir do rastreamento de mudanças químicas no DNA, naturais da idade, mas que ocorrem em momentos diferentes em pessoas diferentes. Os "relógios epigenéticos" provaram ser melhores preditores de longevidade e saúde do que a idade cronológica. O desempenho do GrimAge em relação à predição da mortalidade foi superior ao de outros relógios epigenéticos.

Resultados

  1. O estresse cumulativo foi associado ao GrimAge acelerado e a medidas fisiológicas relacionadas ao estresse de sensibilidade adrenal (razão cortisol/ACTH) e resistência à insulina (HOMA). Depois de controlar para fatores demográficos e comportamentais, o HOMA se correlacionou com o GrimAge acelerado.

  2. Fatores de resiliência psicológica moderaram a associação entre estresse e envelhecimento: os sujeitos com pior regulação da emoção tiveram maior aceleração da idade relacionada ao estresse, enquanto aqueles com maior regulação da emoção não apresentaram qualquer efeito significativo do estresse no GrimAge. Os sujeitos com autocontrole mostraram uma grande atenuação da relação entre o estresse e a resistência à insulina.

  3. No modelo final, nos sujeitos com baixo controle emocional, o estresse cumulativo continuou a prever a aceleração adicional do GrimAge, mesmo considerando as covariáveis demográficas, fisiológicas e comportamentais.

Implicações

Os resultados demonstram, de modo elegante, que o estresse cumulativo está associado ao envelhecimento epigenético em uma população saudável e que esta associação é modificada por fatores biológicos e comportamentais de resiliência.

Mesmo depois de levar em consideração fatores demográficos e comportamentais, como tabagismo, índice de massa corporal, cor e renda, aqueles que pontuaram alto em medidas relacionadas ao estresse crônico exibiram marcadores de envelhecimento acelerado e mudanças fisiológicas, como aumento da resistência à insulina.

No entanto, os indivíduos com pontuação alta em duas medidas de resiliência psicológica – regulação da emoção e autocontrole – foram mais resilientes aos efeitos do estresse no envelhecimento e resistência à insulina, respectivamente.

Esses resultados apoiam a noção popular de que o estresse nos faz envelhecer (e adoecer) mais rápido, mas também sugerem uma promissora possível forma de minimizar as consequências adversas do estresse por meio do fortalecimento da regulação emocional e do autocontrole.

Em outras palavras, quanto maior a resiliência psicológica, maior a probabilidade de a pessoa viver uma vida longa e saudável. Um dos autores do estudo salientou que "gostamos de sentir que temos algum arbítrio sobre nosso destino e, portanto, vale a pena reforçar na mente das pessoas (e dos gestores da saúde) que é importante investir na saúde psicológica."

Nesses tempos de tanto estresse que estamos passando, cabe lembrar que não há saúde sem saúde mental. E, de quebra, se conseguirmos uma maior resiliência psicológica teremos maior possibilidade de retardar o envelhecimento.

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