Dr. Valentin Fuster: "Doença aterosclerótica começa na artéria femoral"

Pamella Lima (colaboraram Teresa Santos e Dra. Ilana Polistchuck)

Notificação

1 de dezembro de 2021

Os avanços em tecnologia e genoma suscitam muitas questões, entre elas: até que ponto a genética e o estilo de vida contribuem para o risco individual de doença arterial coronariana? Até que ponto os genes podem ser contidos por um estilo de vida saudável?[1] O Dr. Valentin Fuster, diretor do Mount Sinai Heart e médico-chefe do Mount Sinai Hospital (Nova York, EUA), tem se dedicado a diversas pesquisas sobre o assunto. No encontro on-line do ACC Latin America 2021, realizado em novembro, o cardiologista falou sobre suas hipóteses e achados a respeito da imagenômica do coração e do cérebro no contexto da cardiologia do Século 21.

Ele contou sobre suas pesquisas [2,3,4,5,6] e seu programa de desenvolvimento e inovação em saúde cardiovascular, com pessoas de diferentes faixas-etárias, desde crianças até indivíduos da terceira-idade. Segundo o médico, o trabalho tem sido um processo de aprendizado e descobertas. “Estamos começando a entender como a doença pode se desenvolver mais cedo e como podemos evitar sua progressão. Portanto, nada mais benéfico do que começar a ver como a doença se inicia nas artérias com o uso tecnologias de imagens que estarão disponíveis no mundo inteiro nos próximos dois anos”, disse e completou: “através do uso em conjunto de biomarcadores de imagem e genômicos estamos começando a entender mais precocemente se a pessoa está em risco”, disse.

O médico afirmou ser preciso falar mais sobre saúde e artérias saudáveis, assim como buscar epistemologias mais modernas, citando a sua metodologia da imagenômica – combinação de imagem, genômica e inteligência artificial. “Poder ver quem de fato somos é fascinante e isso tudo é completamente novo”, expressou.

Para a pergunta que lançou em sua apresentação “como saber se pessoas entre 40 e 60 anos estão desenvolvendo uma doença ou não?”, respondeu: “combinando sete fatores de risco – obesidade, síndrome metabólica, pressão arterial, diabetes, tabagismo, sedentarismo e alimentação inadequada”. Segundo disse, seu grupo de pesquisa analisou como estes fatores se relacionam nos novos exames de imagem de alta qualidade. Quatro mil pessoas sem doença cardiovascular prévia foram submetidas à tecnologia de ultrassom 3D e foram examinadas em cinco regiões do corpo: as duas carótidas, a aorta e as duas artérias femorais. [3]

“A primeira coisa que eu queria destacar é que a doença tem início em uma região muito inusitada e nós nem sabíamos disso, só soubemos desse desenvolvimento através dos exames de imagem, exame das placas. A doença começa na artéria femoral e, de fato, começa com um processo inflamatório – observado em autópsia –, que pode levar a tecidos fibróticos e, posteriormente, numa idade mais avançada, pode se estabelecer como uma placa vulnerável com material lipídico”, explicou.

O Dr. Fuster contou que suas pesquisas têm mostrado progressão elevada de doenças em grupos de pessoas que são acompanhados há 20 anos. O mais interessante foi perceber como as lesões são silenciosas e avançam com o passar dos anos.

“A doença aterosclerótica aparece como fenômeno silencioso na vida inicial e agrava segundo a existência dos fatores de risco que estimulam a progressão”, disse.

O especialista fez uma nova pergunta: “como é possível identificar uma doença subclínica em pessoas que têm poucos fatores de risco ou nenhum?”. Ele respondeu: “o que chamamos de normal, na verdade, não é normal”. Segundo o cardiologista, para não haver doença subclínica é necessário colesterol LDL de 70 mg/dL [7] e HbA1c (hemoglobina glicada) entre 5 e 6%.

“O fato de verificarmos que pessoas aparentemente sem fatores de risco desenvolvem doença aterosclerótica se dá porque o que nós consideramos normal na verdade, não é”, disse. Para o médico, é preciso levar em consideração aquilo que aconteceu nos primeiros 40 anos de vida dessas pessoas. 

O Dr. Fuster e equipe também investigaram pessoas de 60 a 100 anos de idade. Nesta análise, seis mil pessoas foram submetidas à mesma tecnologia e acompanhadas por 12 anos. Os dados finais são de um mês atrás e ainda serão publicados, mas, segundo o palestrante, indicam que a doença tem mais do que fatores de risco por si só, ou seja, a doença arteriosclerótica tem relação com o que acontece na vida precoce. 

Em trabalho com mais de 55 mil participantes [1], ele e colaboradores quantificaram o risco de doença arterial coronariana usando um escore de risco poligênico, que foi construído com cerca de 50 polimorfismos genéticos previamente relacionados com doença arterial coronariana em estudos anteriores. Com base nesse escore, os participantes foram subdivididos em risco genético baixo, médio e alto. A pesquisa mostrou que fatores genéticos e de estilo de vida foram independentemente associados à suscetibilidade à doença arterial coronariana. Entre os participantes classificados como de alto risco genético, um estilo de vida favorável foi associado a um risco relativo quase 50% menor de doença arterial coronariana do que um estilo de vida desfavorável.

O médico acrescentou que os fatores de risco fazem com que a medula óssea seja ativada e quando isso acontece ocorre um processo de inflamação nas artérias. Segundo ele, essa ativação é um mecanismo de defesa, cuja intenção é ajudar os monócitos a fazerem a limpeza das artérias. “Quando estamos lidando com uma doença nas artérias, uma inflamação começa na medula, onde o colesterol está depositado e há os macrófagos que, na verdade, vão se suicidar, porque há excesso para limpar e eles não conseguem dar conta. Com esse suicídio, eles vão liberar substâncias que vão danificar as artérias”, sintetizou.

Na terceira idade, segundo o Dr. Fuster, os fatores de risco impactam os vasos grandes, tanto quanto levam a doenças microvasculares do cérebro.

“O problema é que antes não havia tecnologia para fazer essa observação e isso é algo crítico na demência senil” [8,9], afirmou. Entretanto, ele ressalta que apesar de os fatores de risco serem crescentes, eles não significam que alguém irá desenvolver a doença, mas as chances poderão ser elevadas.

Educação

Dr. Fuster disse que brincadeiras lúdicas têm muito impacto na infância. Com este pensamento, ele iniciou um programa educacional para crianças de três a seis anos, de 60 horas em seis meses. A abordagem trazia conteúdos de hábitos alimentares e de como funciona o corpo-humano. “As crianças captam tudo que falamos, mas também perdem tudo aos 10 anos”, disse. Por esta razão ele iniciou uma reintervenção com as mesmas crianças e descobriu que os benefícios foram maiores do que os obtidos na primeira intervenção.

 “Nossa hipótese é que independentemente da idade, qualquer programa que tenha a ver com a prevenção precisa ser repetido. A repetição trará mais benefícios a cada ‘x’ anos, é o que estamos aprendendo”, afirmou especialista.

Segundo ele, o projeto também é randomizado, com grupos controle e de intervenção com 55 mil crianças.

“Aprendemos que essas crianças voltam para a casa e dizem aos seus pais o que fazer. Elas têm mais impacto neles em saúde do que os pais. Então precisamos criar uma cultura do uso da repetição para a prevenção em tenra idade e lembrar que quanto mais tarde começarmos este trabalho, menor será o impacto. Quanto mais cedo, maior o benefício e menor o custo”, finalizou.

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