A incidência de câncer de tireoide vem crescendo rapidamente em todo o mundo. Isto se deve principalmente ao aumento da detecção de tumores com menos de um centímetro na tireoide. O risco de morte associado aos chamados microcarcinomas é extremamente baixo, e "justamente por terem um risco muito baixo, isso acabou virando um problema de saúde pública", disse a Dra. Carolina Ferraz da Silva no início de sua apresentação na sessão Vigilância ativa do câncer de tireoide da edição virtual do Congresso Brasileiro de Atualização em Endocrinologia e Metabologia (e-CBAEM 2021), realizado de 9 a 12 de setembro pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
A Dra. Carolina é endocrinologista e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e coordenadora do Centro de Nódulos de Tireoide do Hospital Samaritano de São Paulo.
Atentas ao problema, a American Thyroid Association (ATA) e a SBEM incluíram em suas diretrizes que a conduta de primeira linha em caso de microcarcinomas seja a vigilância ativa.
A proposta de acompanhamento ativo surgiu no Japão, quando a equipe do Dr. Akira Miyauchi observou que os microcarcinomas, principalmente os papilíferos, eram muito frequentes (até 30%) na autópsia de pacientes com outras causas de morte, como infarto ou acidente vascular cerebral (AVC), relatou a Dra. Carolina. A partir deste achado, surgiu a hipótese de que os médicos poderiam estar "tratando em excesso" pacientes com microcarcinomas face ao risco mais elevado da cirurgia para alguns deles. Com a confirmação da hipótese por meio de estudos prospectivos realizados por instituições japonesas a partir da década de 90, a Associação Japonesa de Cirurgia Endócrina (JAES) incluiu a recomendação de vigilância ativa para pacientes com microcarcinomas papilares de baixo risco em suas diretrizes de 2010. Em 2015, a estratégia foi considerada como manejo alternativo pela ATA para pacientes adultos com nódulos tireoidianos e câncer diferenciado de tireoide.
Em 2021, uma ampla revisão realizada por Dr. Akira e colaboradores trouxe dados de segurança após mais de 10 anos de acompanhamento de pacientes com microcarcinoma papilar de tireoide de baixo risco. O que se viu foi crescimento tumoral de 2% a 12%. E que apesar do risco de 1,0% até 3,8% dos pacientes terem metástase linfonodal, não foram relatados casos e também não foram registradas metástases à distância.
Na América Latina, dois grupos de pesquisa fazem vigilância ativa desses pacientes, um na Argentina e outro na Colômbia. O grupo da Argentina relatou crescimento de 17% do nódulo sem metástase linfonodal ou à distância e o da Colômbia encontrou um crescimento de aproximadamente 10,8% dos nódulos, sem metástases linfonodais ou à distância.
De acordo com a Dra. Carolina, o grupo colombiano sugeriu que o monitoramento dos microcarcinomas sejam baseados no volume do tumor em vez de em seu diâmetro. A sugestão está associada à constatação de que os nódulos que apresentam crescimento inicial maior provavelmente são aqueles que vão evoluir clinicamente para um nódulo acima de um centímetro e merecer cirurgia.
Quanto à aceitação da vigilância por parte dos pacientes, o grupo argentino relatou que 75% recusaram a conduta desde o início, enquanto 10% desistiram durante o acompanhamento. Os pesquisadores acreditam que a ansiedade e a falta de conhecimento a respeito da doença são fatores relevantes para a baixa aceitação.
Ainda sobre a aceitação da conduta, a Dra. Carolina citou um trabalho publicado pelo grupo do Dr. Pedro Rosário, de Belo Horizonte. "Entre outros dados, ele mostrou que de 80 candidatos à vigilância ativa, 12 aceitaram a proposta, 15 optaram pela cirurgia e 53 deixaram a decisão nas mãos do médico. No final, depois de receber explicações sobre o que é e como é feita a vigilância ativa, 50 acabaram aceitando a proposta e apenas três optaram pela cirurgia", relatou a Dra. Carolina; ou seja, os especialistas devem realmente dedicar mais tempo a explicar aos pacientes do que se trata. "Por essa abordagem, o jeito que a gente conversa é muito importante para diminuir a ansiedade e esclarecer o que é a vigilância ativa."
"À luz das evidências existentes, a vigilância ativa hoje é a primeira linha para o manejo de microcarcinomas recomendada tanto pela sociedade norte-americana como pelos experts do Brasil", resumiu a Dra. Carolina.
Para a Dra. Maria Fernanda Barca, Ph.D., doutora pelo Grupo de Tireoide do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), que acompanhou a apresentação virtual, "a vigilância ativa é um excelente caminho para evitar o excesso de tratamento e os procedimentos desnecessários, reduzindo também o risco de efeitos adversos, mas é preciso ter em mente que esses pacientes precisam ser muito bem avaliados e que cada caso é um caso".
Em relação à seleção dos pacientes para vigilância ativa, a Dra. Carolina citou a classificação proposta pelo grupo do Dr. Michael Tuttle, que recomenda a avaliação das características do nódulo, da equipe médica e do paciente, dividindo-os em ideal, apropriado e inapropriado.
"O ideal é um nódulo solitário, cujo tecido tireoidiano apresente uma margem de segurança muito bem definida, sem metástase linfonodal ou à distância. Um paciente com carcinoma multifocal em uma região subcapsular (principalmente na cápsula anterior) ou com outros achados na ultrassonografia, como tireoidite, pode ser considerado apropriado. Já o paciente que não pode de jeito nenhum entrar na vigilância ativa é o que tem citologia agressiva, que o nódulo está em uma localização subcapsular adjacente ao nervo laríngeo recorrente ou que já apresenta metástase linfonodal ou à distância", explicou a Dra. Carolina.
Em relação ao paciente, o perfil ideal para a vigilância ativa é: mais de 60 anos, suporte familiar, condições de fazer o acompanhamento, e/ou alguém que talvez não possa ser submetido a uma cirurgia da tireoide. É essencial que não seja uma pessoa ansiosa.
O perfil apropriado é o paciente entre 18 e 59 anos que tem um histórico familiar de câncer de tireoide ou mulheres com potencial para engravidar. A vigilância ativa não é recomendada para menores de 18 anos, pois ainda não existem estudos para essa faixa etária. Há também as pessoas que não têm acesso ao acompanhamento, aquelas que são realmente contrárias a essa orientação ou bastante ansiosas.
A equipe ideal é multidisciplinar e experiente, com acesso a equipamentos de ultrassom de qualidade, que consiga fazer coleta de dados prospectivos até para adaptar a vigilância ativa a cada país.
Em relação ao médico assistente, apropriado é haver um endocrinologista ou cirurgião de cabeça e pescoço com experiência em câncer de tireoide e com fácil acesso a um aparelho de ultrassom de qualidade de rotina. O especialista que não deve fazer vigilância ativa é aquele tem dificuldade de acesso a um ultrassom, tem pouca experiência com manejo de microcarcinomas ou, obviamente, é uma pessoa muito ansiosa.
No Brasil, ainda há muito a adaptar no cenário clínico, principalmente em relação a aceitação por parte de médicos de outras áreas, a educação médica em geral e ao esclarecimento aos pacientes que desconhecem a vigilância ativa. Também é importante adaptar o esquema do Sistema Único de Saúde (SUS), os Ambulatórios Médicos de Especialidades (AME), os hospitais universitários e o sistema privado para receber esses pacientes, disse a Dra. Carolina.
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Imagem principal: choja/Getty Images
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Citar este artigo: Vigilância ativa do câncer de tireoide: muitas vezes ideal, quase sempre controversa - Medscape - 24 de setembro de 2021.
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