Desvendando as mutações que tornam a variante Delta a mais transmissível

Liz Szabo (Kaiser Health News)

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30 de julho de 2021

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Em uma primeira olhada, as mutações na variante Delta do SARS-CoV-2 – uma cepa altamente contagiosa identificada pela primeira vez na Índia – não parecem tão preocupantes. Para começar, ela tem menos alterações genéticas do que as versões anteriores do novo coronavírus.

"Quando as pessoas viram que a epidemia na Índia era impulsionada pela Delta, não suspeitaram que ela seria tão perigosa ou que dominaria em relação a outras variantes", disse o Dr. Trevor Bedford, PhD., biólogo evolucionista do Fred Hutchinson Cancer Research Center.

Mas essas expectativas estavam erradas.

A Delta manteve algumas das mutações de maior sucesso encontradas em variantes anteriores, mas também contém novas mudanças genéticas que permitem que ela se espalhe duas vezes mais rápido. A Delta é mais perigosa em muitos aspectos. Ela tem um período de incubação de quatro dias, em vez de seis, tornando as pessoas contagiosas mais cedo. Quando a pandemia começou, as pessoas infectadas pela cepa original do SARS-CoV-2 espalharam o vírus para uma média de duas a três outras pessoas. Hoje, os infectados com a Delta infectam seis pessoas, em média.

Até esta semana, a variante Delta era a responsável por pelo menos 92% das novas infecções nos Estados Unidos, de acordo com o site CoVariants.org, com sede em Berna (Suíça), que fornece dados atualizados sobre as variantes e mutações de interesse do SARS-CoV-2. Embora a Delta não seja necessariamente mais letal do que outras variantes, ela pode matar um grande número de pessoas simplesmente porque infecta muito mais, disse o Dr. Eric Topol, fundador e diretor do Scripps Research Translational Institute e editor-chefe do Medscape.

Os cientistas já sequenciaram as mutações da Delta, mas ainda estão tentando entender o que elas significam, disse a Dra. Angela Rasmussen, PhD., virologista da Vaccine and Infectious Disease Organization (VIDO) da University of Saskatchewan, no Canadá.

"Quando vemos as mesmas mutações aparecendo repetidamente e de forma independente, isso sugere que elas são importantes", disse a pesquisadora.

Hoje se tem uma melhor compreensão das mutações da chamada proteína da espícula (spike) – ela se projeta da superfície do vírus com um formato parecido com o naipe de paus do baralho de cartas – que foram estudadas mais intensamente por conta de suas sérias ramificações, disse a Dra. Angela. O coronavírus usa a proteína da espícula para entrar nas células humanas, e as mudanças na espícula podem ajudar o vírus a escapar dos anticorpos.

Acredita-se que uma das áreas mais importantes da espícula é a região chamada de RDB (do inglês, Receptor-Binding Domain ) ou domínio de ligação ao receptor – a parte específica da proteína que permite ao vírus se prender a um receptor na superfície de nossas células, explicou o Dr. Vaughn Cooper, PhD., professor de microbiologia e genética molecular na University of Pittsburgh (EUA). Os receptores são como estações de acoplamento que permitem que as proteínas interajam com a célula. Uma vez que o vírus consegue entrar na célula, ele pode causar estragos, sequestrando a maquinaria genética da célula e transformando-a em uma fábrica de produção de vírus.

Um "mix" preocupante

A rápida disseminação da variante Delta é particularmente surpreendente, já que ela não apresenta duas mutações que tornavam as variantes anteriores tão assustadoras. A Delta não tem a mutação da espícula N501Y, encontrada nas variantes Alfa, Beta e Gama, o que permite que elas invadam as células com mais sucesso do que a versão original do SARS-CoV-2.

A Delta também carece da mutação E484K, o que tornou a variante Gama tão preocupante. Essa mutação genética, apelidada pelos cientistas de Eek (em inglês, eek é usado como uma expressão de alarme, horror ou surpresa), permite que o vírus se espalhe até mesmo entre pessoas vacinadas.

(Os cientistas usam o alfabeto grego para nomear variantes de atenção.)

"O 'D' no nome Delta pode significar 'diferente' e um 'desvio' para um caminho de mutação genômica distinto", disse o Dr. Topol. "Mas isso não significa 'desgraça'", brincou ele, observando que as vacinas existentes permanecem eficazes contra ela.

As vacinas protegem as pessoas da covid-19, provendo anticorpos que se ligam à proteína da espícula, evitando que o vírus penetre nas células. Ao reduzir drasticamente o número de vírus que entram no organismo, as vacinas podem evitar que as pessoas desenvolvam a versão grave da doença e reduzem a disseminação do vírus para outras pessoas.

A variante Delta compartilha mutações com outras variantes bem-sucedidas. Como todas as cepas em circulação identificadas, ela contém uma mutação da espícula chamada D614G, apelidada de Doug, que se tornou onipresente no ano passado.

Os cientistas acreditam que a Doug aumenta a densidade da proteína da espícula na superfície das partículas virais, facilitando a entrada do SARS-CoV-2 nas células.

Outra mutação presente na Delta é a P681R, que se assemelha a uma mutação na variante Alfa que parece produzir cargas virais mais altas em pacientes, disse o Dr. Vaughn. Pessoas infectadas com a Delta têm mil vezes mais vírus no trato respiratório, o que as torna mais propensas a disseminá-los quando espirram, tossem ou falam.

A mutação P681R, também encontrada na variante Kappa, está localizada no início de uma parte do genoma chamada local de clivagem da furina, explicou o Dr. Vaughn.

A furina é uma enzima humana de ocorrência natural que é sequestrada pelo coronavírus – ele a usa para moldar a proteína da espícula na forma ideal para penetrar na célula, explicou a Dra. Angela.

"A nova mutação torna esta moldagem mais eficiente", disse a virologista.

Uma outra mutação da Delta – também encontrada na Kappa e na Epsilon – é a L452R. Experimentos sugerem que essa mutação, que também afeta o domínio de ligação ao receptor, age para evitar que os anticorpos neutralizem o vírus, disse o Dr. Vaughn. E essas mutações parecem ser mais formidáveis atuando em equipe do que sozinhas.

As mudanças genéticas "certamente estão fazendo algo, mas por que essa combinação torna a variante Delta mais apta ainda não é inteiramente óbvio", disse o Dr. Trevor.

"Colocá-las juntas parece ser importante."

A Delta também desenvolveu mudanças genéticas não vistas em outras variantes.

Uma dessas mutações da espícula é chamada de D950N.

"Parece ser exclusivo dela. Não vemos isso em nenhum outro lugar", disse o Dr. Vaughn.

A mutação D950N é diferente de outras mutações porque está localizada fora do domínio de ligação ao receptor, em uma área do genoma do coronavírus que participa da fusão do vírus com as células humanas, disse o Dr. Vaughn. A fusão com células humanas permite que o SARS-CoV-2 despeje seu material genético nessas células.

Essa mutação pode determinar quais tipos de células o vírus vai infectar, podendo causar danos a diferentes órgãos e tecidos. Mutações nesta região também estão associadas a cargas virais mais altas, acrescentou o pesquisador.

A variante originária da Índia também contém mutações em uma parte da proteína da espícula chamada de domínio NTD (do inglês, amino N-terminal domain), envolvido na fixação dos anticorpos nos vírus, e evitando assim que eles penetrem nas células, disse a Dra. Hana Akselrod, médica e especialista em doenças infecciosas da Escola de Medicina e Ciências da Saúde da George Washington University.

Mutações nesta região tornam os anticorpos monoclonais menos eficazes no tratamento da covid-19 e aumentam a capacidade da variante de escapar dos anticorpos gerados pela vacinação, esclareceu a Dra. Hana. Isso pode explicar por que os vacinados têm uma probabilidade ligeiramente maior de se infectar com a Delta, que normalmente causa uma doença leve, mas que segue sendo transmitida e infectando outras pessoas.

Perspectivas futuras

Os cientistas dizem que é impossível prever exatamente como a Delta se comportará no futuro, embora o Dr. Topol já tenha vaticinado: "Vai piorar." Ele observou que os surtos de infecção pela Delta tendem a durar de 10 a 12 semanas, e que o vírus grassa especialmente entre populações suscetíveis.

Se os Estados Unidos continuarem a seguir o padrão visto no Reino Unido e na Holanda, as infecções podem aumentar da atual média móvel em sete dias de 42.000 casos para 250.000 por dia. Mesmo assim, o Dr. Topol disse que é improvável que os EUA tenham as altas taxas de mortalidade vistas na Índia, na Tunísia e na Indonésia porque quase metade da população norte-americana está totalmente vacinada.

Embora alguns estudos tenham concluído que a vacina de Janssen/Johnson&Johnson estimula anticorpos fortes e persistentes contra a Delta, um novo relato apontou que os anticorpos produzidos por uma dose apenas podem não ser suficientes para neutralizá-la. Os autores desse estudo, da Escola de Medicina Grossman da New York University, sugeriram que uma segunda dose pode ser necessária.

Duas doses da vacina de Pfizer/BioNTech protegem 94% das pessoas de qualquer infecção sintomática pela variante Alfa, em comparação com 88% contra a variante Delta, de acordo com um novo estudo publicado recentemente no The New England Journal of Medicine. Duas doses da vacina de Oxford/AstraZeneca protegem 75% das pessoas da Alfa e 67% da Delta.

Para o Dr. Vaughn, as vacinas anticovídicas oferecem uma proteção notavelmente boa.

"Sempre as celebrarei como as grandes conquistas científicas da minha época", disse ele.

A melhor maneira de retardar a evolução das variantes é compartilhar doses com o restante mundo, vacinando o maior número possível de pessoas, defendeu o Dr. Trevor. Como os vírus sofrem modificações genéticas apenas quando passam de um hospedeiro para outro, interromper a transmissão nega a eles a chance de sofrerem mutações.

O SARS-CoV-2 desenvolver variantes mais mortais "está totalmente nas nossas mãos", disse o Dr. Vaughn. "Se o número de infecções continuar alto, o vírus continuará a evoluir".

"Ao não conter o vírus por meio da vacinação, do uso de máscaras e do distanciamento físico, as pessoas estarão permitindo que o novo coronavírus evolua para formas cada vez mais perigosas", disse o Dr. William Haseltine, ex-professor da Escola de Medicina da Harvard University, que ajudou a desenvolver tratamentos para HIV/aids.

"Ter uma metade da população vacinada e a outra metade não vacinada e desprotegida – esse é exatamente o experimento que eu planejaria se fosse um demônio e estivesse tentando criar um vírus destruidor de vacinas", alertou.

KHN (Kaiser Health News) é a redação da KFF (Kaiser Family Foundation), que produz jornalismo em profundidade sobre questões de saúde. Junto com Análise de Política e Pesquisas, a KHN é um dos três principais programas da KFF. A KFF é uma organização sem fins lucrativos que fornece informações sobre saúde.

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