Consulta por telefone reduziu o impacto da pandemia na saúde mental de pacientes com DM2

Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)

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18 de junho de 2021

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A pandemia de covid-19 tem impulsionado o uso de tecnologias para o atendimento remoto de pacientes com doenças crônicas. Os resultados em relação ao controle das doenças têm sido bons, mas os benefícios desse recurso parecem ir além. É o que mostra um estudo recém-publicado na Acta Diabetologica,[1] no qual pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) mostram que a telemedicina foi capaz de mitigar o impacto psicológico negativo da pandemia de covid-19 em pacientes com diabetes mellitus tipo 2.

O estudo, que incluiu 91 pacientes adultos com diabetes tipo 2 em acompanhamento ambulatorial em dois hospitais públicos terciários da região Sul do Brasil, foi realizado durante o doutorado em endocrinologia da médica Dra. Janine Alessi na UFRGS, sob orientação da Dra. Beatriz Schaan, professora da UFRGS, e coordenação da Dra. Gabriela Teló, endocrinologista e professora da faculdade de medicina da PUCRS.

Os participantes tinham, em média, 61,3 anos de idade e a maioria (64,8%) era mulher, branca (78%) e casada (50,6%). O tempo de duração médio do diabetes era de 18,1 anos, o valor médio de hemoglobina glicada (HbA1c) era de 8,8% e 83,5% dos participantes estavam sendo tratados com insulina.

Com relação à saúde mental, 20,9% dos pacientes tinham diagnóstico prévio de depressão, 6,6% de ansiedade e 2,2% de transtorno bipolar. Antidepressivos e antipsicóticos estavam sendo usados regularmente por 25,3% e 9,9% dos participantes, respectivamente.

Parte dos pacientes (N = 46) foi submetida à intervenção elaborada pelos pesquisadores, que incluiu a estratégia de telemedicina, e os demais (N = 45) compuseram o grupo de controle.

As Dras. Janine, Gabriela e Beatriz explicaram em entrevista ao Medscape, que a intervenção consistiu em um conjunto de estratégias multidisciplinares de orientação e suporte para pacientes com diabetes. "Os pilares da proposta incluíram orientações nutricionais, estímulo à prática de atividade física, suporte às demandas emocionais e orientações relacionadas ao controle glicêmico no período do estudo. Para isso, uma equipe multidisciplinar composta de profissionais de medicina, nutrição, psicologia e educação física foi reunida para elaborar materiais educativos que foram disponibilizados a todos os participantes do estudo. O grupo de controle ativo recebeu acesso virtual, por meio de um website, aos conteúdos elaborados em forma de texto. Já o grupo intervenção recebeu telefonemas semanais durante 16 semanas para a realização de escuta ativa de demandas emocionais e clínicas dos pacientes, além de acesso ao mesmo material disponibilizado ao grupo de controle ativo", explicaram, sendo que no grupo de intervenção os participantes foram contactados sempre pelo mesmo profissional, com o objetivo de criar um vínculo.

Para avaliar o impacto da intervenção, a equipe submeteu questionários que foram respondidos pelo próprio paciente ao início do estudo e na 16ª semana de acompanhamento. Embora no primeiro momento os resultados dos grupos tenham sido semelhantes, após a intervenção, 37% dos pacientes no grupo intervenção (telemedicina) apresentaram sinais de transtornos mentais no rastreamento versus 57,8% dos pacientes no grupo de controle; ou seja, na 16ª semana de acompanhamento, o grupo de controle teve uma chance 2,33 vezes maior de apresentar triagem positiva para transtornos mentais do que o grupo de intervenção.

Segundo as pesquisadoras, também houve uma diferença significativa entre os grupos em relação ao sofrimento psíquico associado ao diabetes; 21,7% dos pacientes no grupo de intervenção apresentaram sinais de sofrimento psíquico vs. 42,2% daqueles no grupo de controle. Nesse caso, a chance de rastreamento positivo foi 2,63 vezes maior no grupo de controle.

As autoras lembraram que pacientes com diabetestipo 2 apresentam maior vulnerabilidade para transtornos mentais [2,3] já antes e principalmente durante a pandemia de covid-19. A relação entre depressão e diabetes é complexa e bidirecional, [4] ou seja, a presença de diabetes aumenta o risco de depressão e pacientes com depressão parecem desenvolver diabetes mais frequentemente. "Em situações usuais, pacientes com diabetes têm duas a quatro vezes mais depressão e ansiedade do que a população geral. Na pandemia, essa associação pode ser exacerbada por inúmeros fatores. [5] Primeiro, por fazerem parte do grupo de maior risco de covid-19, é possível que esses pacientes experienciem medo e ansiedade diante das estatísticas atuais; segundo, a suspensão de atendimentos presenciais pode resultar em maior dificuldade em receber a assistência necessária em caso de descompensação clínica, o que pode gerar angústia e preocupação excessiva relacionada ao controle do diabetes. Terceiro, a manutenção de hábitos de vida saudáveis, que é um dos pilares do tratamento, torna-se um desafio durante as medidas de distanciamento social", pontuaram as médicas, lembrando que o impacto da pandemia na saúde mental dos pacientes com diabetes pode ter consequências diretas no tratamento e no controle da doença.

Segundo as especialistas, estudos realizados antes da pandemia mostraram que pacientes com depressão apresentam piora da adesão ao tratamento e da qualidade dos hábitos alimentares e menor engajamento na prática de atividade física.

"Como resultado, pode-se esperar maior dificuldade no controle do diabetes durante os períodos de maior vulnerabilidade psicológica, gerando riscos em curto e longo prazo. Além disso, as preocupações relacionadas ao próprio quadro depressivo se aplicam também a esse grupo. Pacientes com depressão grave e risco de suicídio requerem atenção especial relativa à administração de insulinas, que podem ser utilizadas em sobredose. Portanto, suporte psicossocial e rede de apoio são fundamentais para esses pacientes", destacaram.

Para as pesquisadoras, o estudo mostrou que, além do acesso a informações de qualidade durante a pandemia, o contato direto com a equipe de saúde foi fundamental para fazer com que os pacientes se sentissem acolhidos. O cuidado durante esse período de maior vulnerabilidade contribuiu para melhores desfechos psiquiátricos.

Apesar dos achados positivos, a equipe enfrentou desafios durante o projeto. As médicas afirmaram que a desigualdade no acesso a dispositivos eletrônicos em populações de baixa renda é um problema. "Em nosso estudo foram incluídos participantes que tinham contato telefônico em prontuário de saúde e disponibilidade para receber chamadas semanais durante o período do estudo. Contudo, sabe-se que no Brasil cerca de 20% da população ainda não possui acesso à telefonia móvel, especialmente nas áreas rurais, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE)", ressaltaram.

Outra dificuldade foi em relação à interação com os pesquisadores à distância, pois como a maioria dos participantes era idosa, alguns apresentaram limitações nessa dinâmica. Segundo as pesquisadoras, em alguns casos, os participantes tinham dificuldade em compreender as orientações fornecidas e muitas vezes precisaram de auxílio de familiares durante o telefonema. "Essa interação dinâmica é particularmente desafiadora no teleatendimento e pode fazer com que os pacientes não se sintam confortáveis para relatarem sintomas de sofrimento psíquico, que era um dos pilares da intervenção proposta", afirmou a equipe.

Um terceiro aspecto também foi apontado pelas médicas como um fator limitante: a dificuldade inerente de se usar telemedicina em uma doença como o diabetes que é complexa, multidimensional e que demanda exame clínico detalhado, bem como informações precisas sobre o controle glicêmico para ajustes de tratamento e realização de rastreamentos específicos periodicamente. "O uso da teleintervenção não substitui o atendimento presencial, mas é uma ferramenta que permite que esses pacientes permaneçam assistidos durante a pandemia, além de servir como triagem para a identificação de pacientes de maior risco psicológico e descompensação clínica, orientando a procura por atendimento especializado presencial sempre que necessário", destacaram.

Apesar de todos os trabalhos publicados até o momento sobre a covid-19 e o diabetes, as médicas lembraram que ainda não há protocolos específicos que orientem a utilização de tecnologias para o atendimento remoto desses pacientes durante a pandemia ou em situações de crise. "A Sociedade Brasileira de Diabetes publica periodicamente informes educativos voltados para o público leigo relacionados a recomendações nutricionais, orientações de autocuidado e exercício físico durante a pandemia de covid-19, disponibilizando gratuitamente um e-book sobre autocuidado e diabetes durante a pandemia; contudo, os materiais voltados para a saúde mental desses pacientes ainda são escassos e carecem de protocolos formais voltados para os profissionais de saúde para a abordagem desses aspectos", disse a equipe, lembrando que, "embora as instituições de saúde tenham avançado na implementação do teleatendimento durante a pandemia, ainda são necessárias diretrizes nacionais que contemplem as principais demandas desses pacientes e uniformizem a identificação daqueles que deverão ser atendidos presencialmente em cenários semelhantes".

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