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Além das questões respiratórias, cardíacas e neurológicas associadas à covid-19, há também as dermatológicas, sobre as quais pouco se sabe. Recentemente, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) publicou uma nota técnica resumindo o conteúdo contido nos mais de 2.000 artigos científicos correlacionando "dermatologia" e "covid-19" publicados desde o início da pandemia até 30 de abril.
De acordo com a Dra. Camila Arai Seque, médica, assessora do Departamento de Dermatologia e Medicina Interna da SBD e uma das autoras do documento, as manifestações cutâneas são menos específicas do que os demais sinais clínicos e devem ser avaliadas com cautela antes de serem diretamente associadas à covid-19.
A Dra. Camila explicou que as manifestações cutâneas da covid-19 costumam melhorar ao longo do curso da infecção, mas a busca por atendimento dermatológico normalmente ocorre mais tarde, especialmente por conta da ocorrência de eflúvio telógeno (ET). Semanas e até meses após a recuperação, cerca de 10% dos pacientes vivenciam um aumento na queda diária de fios de cabelo. "A população acha que é específico da covid-19, mas pode ocorrer em qualquer outro contexto", destacou a médica.
Junto com a explosão de casos de covid-19 no mundo, a incidência de casos de eflúvio telógeno quase triplicou. Os casos começaram a ocorrer nas pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 e pareciam ser mais frequentes entre os pacientes com comorbidades e doença grave, mas também ocorrem em pessoas com quadros subclínicos.
Até o momento, não há nenhuma evidência específica de associação entre o eflúvio telógeno e a infecção pelo SARS-CoV-2. "Não se trata, portanto, de uma nova doença ou manifestação exclusiva da infecção por SARS-CoV-2, mas sim de um provável novo fator desencadeante para uma condição pré-existente, que ganhou destaque em função da dimensão atingida pela pandemia", informa o documento da SBD.
Outros fatores deflagradores do eflúvio telógeno são alterações metabólicas, nutricionais, medicamentosas e outras infecções. De acordo com os autores do documento, diagnóstico, tratamento e acompanhamento de pacientes com eflúvio telógeno devem continuar sendo realizados de acordo com as orientações já existentes, sem mudanças.
Principais manifestações
As manifestações cutâneas podem ocorrer tanto em pacientes com covid-19 leve como naqueles que desenvolvem doença grave. Até o momento não há dados sobre a prevalência das lesões cutâneas no Brasil, e, segundo o documento, as informações sobre a prevalência na população mundial são extremamente variáveis na literatura; diferentes estudos estimam prevalências entre 0,2% e 45,0%.
A nota técnica da SBD indica que os principais estudos prospectivos referem frequência entre 7,8% e 46,65%, sendo que na maioria deles a variação está entre 5% e 10%.
Há cinco padrões principais: erupções maculopapulares, urticariformes, tipo eritema pseudo-pérnio, vesico-bolhosas, e livedo/necrose (ver quadro abaixo). Na ampla maioria dos casos, as manifestações cutâneas surgem em até quatro semanas após o início dos sintomas de covid-19, especialmente nas primeiras duas semanas.
Quadros de exantema e urticária costumam ser mais precoces, com início concomitante ou nos primeiros dias após o início dos sintomas da doença, embora existam relatos de surgimento tardio (dentro de até um mês). Manifestações vasculares, como eritema pseudo-pérnio, livedo, púrpura e necrose são tardias, ocorrendo em geral após a segunda semana de infecção.
A possibilidade de surgimento de lesões cutâneas antes dos demais sintomas ou como manifestação única da covid-19 ainda está em discussão.
As erupções maculopapulares e urticariformes, bem como o eritema pseudo-pérnio, ocorrem habitualmente em pacientes com quadro leve de covid-19 – em geral no contexto ambulatorial. O eritema pseudo-pérnio pode, inclusive, ocorrer em indivíduos oligo ou assintomáticos, e até surgir como manifestação única da covid-19. Já as lesões vasculares do espectro livedo, púrpura e necrose concentram-se nos pacientes graves, idosos, em ambiente hospitalar, especialmente nas unidades de terapia intensiva, com múltiplas comorbidades e complicações da covid-19.
Principais manifestações cutâneas associadas a covid-19 |
Erupção maculopapular: Exantema, rash, pápulas difusas, pitiríase rósea símile, eritema multiforme símile, entre outros. São frequentes, surgem em até duas semanas do início dos sintomas gerais, associados a quadros leves a moderados de covid-19. Habitualmente há melhora espontânea em 7 a 10 dias, sem indicação de tratamento específico. No entanto, as erupções maculopapulares são bastante inespecíficas podem estar presentes em outras infecções virais, como dengue e sarampo, reações adversas a medicamentos. |
Eritema pseudo-pérnio (EP): São manifestações semelhantes ao EP "clássico", doença inflamatória desencadeada pelo frio, que cursa com lesões violáceas nas extremidades (...) Maior frequência em crianças e jovens saudáveis, oligo ou assintomáticos para covid-19, surge em média após 14 dias dos sintomas clínicos, e dura cerca de duas semanas, com melhora espontânea. Importante: ainda há controvérsia na literatura sobre a associação entre eritema pseudo-pérnio e covid-19. |
Erupções urticariformes: Embora clinicamente indistintos de outras formas de urticária, os quadros associados à covid-19 não têm predileção por faixa etária, ocorrem em pacientes de baixa gravidade e raramente cursam com angioedema. Surgem concomitantemente ou dias antes dos sintomas gerais, nesses casos, a detecção das lesões de pele contribuiria para o diagnóstico precoce da infecção. Melhora espontaneamente em sete dias. Quando necessário, boa resposta com o uso de anti-histamínicos e/ou corticoide sistêmico em baixas doses. |
Erupções vesico-bolhosas: Em pacientes com quadro leve a moderado de covid-19, as erupções vesico-bolhosas são localizadas (podem acometer a região palmo-plantar) ou disseminadas, poupa mucosas. Surgem aproximadamente três dias após os sintomas gerais e perduram de 7 a 14 dias, com melhora espontânea. Outras infecções virais, em especial herpética, devem sempre ser excluídas. São consideradas um padrão específico de manifestação cutânea associada à infecção por SARS- CoV-2, pois vesículas não são comumente observadas nos principais diagnósticos diferenciais. |
Livedo, púrpura, necrose: Lesões cutâneas raras, de surgimento tardio em pacientes graves, internados não raramente em unidade de terapia intensiva, com múltiplas comorbidades, alterações laboratoriais e associadas a outros eventos, como trombose venosa profunda, acidente vascular cerebral isquêmico e coagulação intravascular disseminada. Não há tratamento específico, além do tratamento dos quadros clínicos subjacentes. |
Lesões de mucosas: Ainda não há clareza sobre quais manifestações orais são realmente causadas pela presença do SARS-CoV-2 na mucosa oral, e quais seriam doenças da cavidade oral concomitantes à covid-19. Acredita-se que petéquias, úlceras e enantema tenham maior especificidade. |
Fonte: Sociedade Brasileira de Dermatologia |
Uma revisão da literatura nacional [1] mostrou que os sinais cutâneos mais comuns referidos por estudos brasileiros estiveram em conformidade com a literatura internacional. Mas, no Brasil, as manifestações são reflexo também de outras doenças virais, como a dengue.
"Do ponto de vista dermatológico, só de olhar não dá pra saber se é um exantema de dengue, sarampo, reação medicamentosa ou específico da covid-19", explicou a dermatologista. "É importante excluir diagnósticos diferenciais e cada país vai ter os seus. Aqui a dengue é um problema."
O documento da SBD não aborda as manifestações mucocutâneas da covid-19 em crianças de forma específica. "Pacientes pediátricos evoluem de forma muito diferente, tanto do ponto de vista clínico como, consequentemente, do ponto de vista dermatológico", explicou a Dra. Camila. "No início da pandemia a literatura tinha muitas dessas manifestações tipo eritema pseudo-pérnio em crianças hígidas com poucos ou nenhum sintoma da covid-19, e se algum familiar era positivo, elas apresentavam unicamente essa forma de lesão. Como o número de casos aumentou muito, proporcionalmente esses casos pediátricos também aumentam e surgiram os casos mais graves. Mas ainda assim, são casos raros no Brasil."
A mensagem principal para os pediatras seria: "acompanhe os pacientes que evoluem com doença grave e observe se eles não vão desenvolver alguma lesão cutânea."
Ciência em desenvolvimento
Médicos do mundo todo estão tentando obter informações mais precisas a respeito das manifestações cutâneas associadas à covid-19, algumas vezes por meio de esforços colaborativos. A American Academy of Dermatology e a International League of Dermatologic Societies mantêm um registro aberto para profissionais de todos os países.
A Dra. Camila coordena um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que está sendo realizado em quatro hospitais. O trabalho avalia pacientes com covid-19 em ambiente hospitalar. O período de um ano de coleta acaba de finalizar em maio.
Outra área de pesquisa que conta com brasileiros liderando publicações deriva dos estudos que observaram uma elevada frequência de alopecia androgenética (AGA) entre homens internados por covid-19 e outros para os quais o uso de antiandrogênios para o controle da AGA pareceram ter um efeito protetor contra a covid-19. Até o momento só foram realizados estudos observacionais e sem a metodologia adequada para demonstrar se a introdução desses medicamentos após o diagnóstico de covid-19 teria algum risco ou benefício clínico associado.
"As pesquisas ainda estão em andamento e, no momento, há poucas certezas", concluiu a Dra. Camila.
A Dra. Camila Arai Seque informou não ter conflitos de interesses.
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Citar este artigo: Manifestações cutâneas associadas à covid-19: uma nota técnica da SBD - Medscape - 15 de junho de 2021.
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