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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) refutou na tarde da quinta-feira (29) as acusações de atuação antiética no veto dado na segunda-feira (26) à importação emergencial de 66 milhões de doses da vacina Sputnik V. Em pronunciamento ao vivo, a agência exibiu trechos do dossiê enviado pelo Gamaleya Research Institute, desenvolvedor da vacina, e imagens de reunião feita com representantes da vacina no Brasil e os desenvolvedores russos no dia 23 de abril.
O gerente-geral de medicamentos da agência, Gustavo Mendes, defendeu a equipe técnica. “Nossa avaliação foi feita por uma equipe de servidores com média de experiência de dez anos na avaliação de vacinas. Sabemos exatamente o que é avaliação e quais são os pontos críticos. É importante reforçar isso porque a nossa habilidade de avaliar a documentação submetida tem sido muito questionada”, disse Mendes.
Gustavo Mendes explicou os parâmetros da análise: “O ponto principal é que as vacinas precisam ser seguras. Uma vacina não pode causar nenhum dano. Essa avaliação é feita com base em critérios técnicos que mostram que não há presença de adenovírus replicante numa vacina que diz que é de adenovírus não replicantes”, disse ele.
A Sputnik V é composta por dois adenovírus. Segundo a Anvisa, os documentos entregues pelo Gamaleya Research Institute sobre o processo de produção demonstravam a não replicação de apenas um desses componentes.
“A sequência da avaliação começa quando a empresa atesta que o processo de fabricação das partículas RAD5SCov2, uma das partículas importantes neste caso, pode produzir partículas replicantes, aquelas que vão se espalhar pelo corpo, o que não é esperado de uma vacina. A vacina é composta de dois tipos de adenovírus. Para um foi apresentada justificativa para não replicação, para outro não”, disse Gustavo Mendes.
O gerente-geral informou que os técnicos da Anvisa consideraram dados da vacina final e acabada, e não de um produto intermediário.
“Os dados do Gamaleya mostram que há presença do vírus replicante e há uma aceitação no produto acabado. E essa especificação é 300 vezes maior do que o maior limite regulatório que encontramos, que é o guia da FDA (Food and Drug Administration, a agência reguladora dos Estados Unidos), que trata de especificamente de terapia gênica, não de vacinas. O esperado pela comunidade cientifica internacional e pelos reguladores, especialmente nas vacinas contra a covid-19, é a ausência de vírus replicante”, explicou ele. “No ensaio de segurança da Sputnik V, há a presença do vírus replicante. Esses números deveriam estar zerados”, completou.
O diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, desmentiu informações que circularam nas redes sociais sobre a agência ter analisado lotes falsos do imunizante. Segundo a Agência Brasil, em carta enviada ao presidente da Anvisa na quinta-feira (28), a União Química, farmacêutica que fará o envase e a produção da matéria-prima no Brasil, questionou a agência sobre quais doses teriam sido analisadas, afirmando que nenhuma dose da Sputnik V foi oficialmente fornecida à agência – nem por ela, nem pelo parceiro russo.
“Houve circulação na mídia de que a Anvisa teria analisado em seus laboratórios vacina falsificada. A análise é feita em cima de documentos enviados pelo desenvolvedor. Há várias questões para além do adenovírus”, disse o diretor-presidente.
Críticas e dúvidas não respondidas
Em 23 de abril, a Anvisa se reuniu com representantes da vacina no Brasil e na Rússia para questioná-los sobre a sua especificação da quantidade de adenovírus. Na exibição de trechos oficialmente gravados, os reguladores brasileiros perguntam aos pesquisadores russos porque não voltaram atrás no desenvolvimento da vacina diante da presença de adenovírus replicantes e escolheram outro substrato celular que não permitisse a recombinação.
A resposta foi dada por um representante do Gamaleya Research Institute, traduzida para o português com sotaque de Portugal: “Na produção da vacina usaram ‘células caracterizadas’ [sic], o que pode ter defeitos e, claro que vocês têm razão, talvez deveria ter dado um passo atrás, e usar nova substância, mas o processo deveria ter ocupado muito tempo, assim optamos por usar a mesma substância no início.”
Gustavo Mendes disse ainda que algumas respostas dadas na reunião vieram depois de muitas conversas não traduzidas entre os representantes russos. No final da reunião, a Anvisa enviou seus pedidos de informação. No dia 26, no entanto, vieram respostas insatisfatórias.
“As justificativas não contemplaram o que colocamos como críticas. São questões que envolvem a presença do adenovírus replicante e como ele pode impactar a nossa saúde”, disse Gustavo Mendes.
Além da questão do adenovírus, a agência fez mais perguntas. “Nós enviamos uma lista de exigências que não foram respondidas até o momento. Sabemos como a ciência funciona, por meio de dados e debates, e essa postura tem sido comum entre nós na análise de vacinas. Estamos à disposição para discussões”, disse gerente-geral.
Segundo Antonio Barra Torres, a decisão da agência é “um retrato temporal que pode ser modificado. Esses dados podem ser revistos, corrigidos e reapresentados. A decisão do regulador é o retrato do momento. Não pudemos aprovar, o que nos deu grande tristeza. Nosso país tem uma relação longa e sólida de cooperação, em harmonia e paz com outros países. Estamos falando unicamente de ciência, que pode ser reavaliada com a apresentação de novos dados.”
Os resultados da avaliação da agência brasileira quanto à importação foram enviados para a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a outras autoridades regulatórias estrangeiras.
“Não há na Anvisa nenhuma pessoa que tenha qualquer interesse ou júbilo em negar a importação de qualquer vacina, produto na sensibilidade do escopo de qualquer ser humano que hoje padece com a pandemia”, disse o diretor-presidente da agência.
Após o pronunciamento, feito com a presença de toda a diretoria colegiada, o perfil da Sputnik V na rede social Twitter publicou um post afirmando que Anvisa admitiu não ter encontrado adenovírus replicante, mas ficou receosa com o limite permitido pela regulação russa.
Em resposta a outra postagem do mesmo perfil, afirmando que acionaria judicialmente a Anvisa por difamação, o diretor-presidente da agência disse: “A gente tem que focar em salvar vidas, ter vacina boa, segura, remédio bom, EPI, respirador, oxigênio, é isso que a gente faz aqui. Se vier medida judicial, a gente responde. Não tem problema nenhum. Se tiver de parar tudo para responder ataque judicial, somos legalistas né? Vamos fazer.”
Torres foi questionado se a identificação de adenovírus apontada nos documentos russos não poderia ser atribuída à sensibilidade da metodologia e se o total encontrado estaria dentro de um determinado intervalo. Segundo o Gamaleya Research Insitute, as informações apontavam uma possibilidade e que, após processos de filtragem, esse risco não existiria nos lotes prontos. A resposta de Torres contraria essa abordagem.
“Não, eles colocam documentos mostrando qual seria o valor máximo aceitável, o que conflita com entendimento da FDA e, em outra coluna do documento, com o que foi encontrado nas amostras. E o que foi encontrado nas amostras é superior ao valor zero, que é o valor preconizado.”
Não é a primeira vez que a Anvisa enfrenta questionamentos sobre seus pareceres acerca de vacinas anticovídicas, a exemplo dos episódios envolvendo a CoronaVac (Sinovac/Butantan) e a Covaxin, fabricada na Índia pela Bharat Biotech.
“As nossas respostas, no passado, foram na altura do adequado. Agora também são. O país – porque a Anvisa é uma agência de estado – foi achincalhado no Exterior, acusado de veicular mentira, de gerar fake news, e de agir sob pressões de potências estrangeiras”, desabafou o diretor-presidente do órgão.
A expectativa da agência é que os produtores façam modificações no imunizante. Torres deixou claro que se não houver mudanças na vacina, não há como autorizar o uso dela no Brasil.
“A vacina que tomamos é aquela que é injetada em nosso braço. Nosso braço não recebe o estudo ou a metodologia do estudo. Portanto, o produto final precisa estar de acordo com a metodologia de desenvolvimento reconhecida internacionalmente por padrões de segurança.”
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Citar este artigo: Anvisa rebate críticas e afirma que dossiê da Sputnik V apontou vírus replicantes na vacina - Medscape - 30 de abril de 2021.