Nota da editora: Veja as últimas notícias e orientações sobre a covid-19 em nosso Centro de Informações sobre o novo coronavírus SARS-CoV-2.
Lisboa – Após acumular processos disciplinares, um grupo de médicos portugueses que contestava medidas do governo no combate à pandemia – como uso ampliado de máscaras e necessidade de confinamento geral do país – decidiu encerrar suas atividades.
O anúncio foi feito pelas redes sociais, principal plataforma de difusão do grupo, autointitulado "Médicos pela Verdade".
A decisão de interromper as atividades coincide com as primeiras propostas de sanções disciplinares – que vão desde suspensão temporária da atividade médica até censura pública – aos principais participantes do movimento.
Os médicos ainda podem recorrer em várias instâncias, mas o rumo dos processos desencorajarou a continuidade do grupo.
Embora reconhecessem a existência de um problema de saúde pública, com graves repercussões "nos pacientes com imunidade deprimida, doenças pré-existentes ou idade muito avançada", os Médicos pela Verdade se diziam críticos à "enorme desproporção entre o mediatismo do fenómeno e a gravidade" da covid-19.
Além de discordar do uso generalizado de máscaras e da necessidade de isolamento de pessoas assintomáticas, o grupo contestava a confiabilidade do teste por transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR, sigla do inglês, Reverse Transcription Polymerase Chain Reaction) para identificação do coronavírus.
Composto por 15 profissionais de diversas especialidades o movimento passou a ser alvo frequente de queixas à Ordem dos Médicos de Portugal. Ao longo do tempo, o grupo também agregou outros profissionais de saúde, como dentistas, psicólogos e enfermeiros.
Responsável pela defesa de três médicos do grupo, o advogado João Pedro César Machado afirma que os profissionais foram alvo de perseguição por levantarem questionamentos legítimos sobre o embasamento científico de algumas das medidas adotadas em Portugal, e que não tiveram o amplo direito de defesa respeitado.
O advogado também criticou aqueles que classificaram o grupo como negacionista.
"Esta expressão, que tem uma conotação extremamente negativa, foi implicada a quem negou a existência do holocausto. Portanto, esta expressão é injuriosa, caluniosa, difamatória e atentatória do bom nome, honra e credibilidade de todos os meus constituintes", afirmou.
Sanções
Ao todo, ao menos oito processos disciplinares contra profissionais envolvidos no movimento Médicos pela Verdade estão em análise na Ordem dos Médicos. Em janeiro, as primeiras propostas de sanção começarem a ser formalizadas. Em 08 de fevereiro, o grupo anunciou sua dissolução.
Dois dos fundadores do Médicos pela Verdade, a Dra. Margarida Oliveira e o Dr. Gabriel Branco, já receberam ameaças de punição pelo conselho disciplinar Regional Sul da Ordem dos Médicos.
Até a decisão final, porém, ainda há um longo caminho. Os profissionais podem contestar a proposta de pena. A decisão final do conselho disciplinar regional pode confirmar ou alterar a pena. Os médicos têm ainda a possibilidade de recorrer da decisão para o Conselho Superior da Ordem e ainda para tribunais administrativos.
O advogado João Pedro César Machado contesta todas as acusações e afirma que os dois médicos irão recorrer. Ele diz ainda que seus clientes jamais prestaram declarações formais no processo de instrução.
Entre os casos no conselho disciplinar, o da Dra. Margarida Oliveira foi o que teve a maior repercussão em Portugal. Em novembro de 2020, diversas mensagens enviadas por ela no app Telegram foram divulgadas na imprensa portuguesa.
Nas conversas, obtidas e publicadas pelo periódico Observador, a médica compartilha conselhos para eliminar "todos os restos virais" das fossas nasais e da garganta dos pacientes. Ela recomenda que os protocolos de limpeza sejam frequentes, sobretudo no momento anterior à realização do exame de deteção do vírus.
O conteúdo das mensagens motivou uma queixa à Ordem dos Médicos de que ela estaria fornecendo uma espécie de receita para enganar testes de identificação do novo coronavírus.
O advogado disse que a acusação é "risível". Segundo a médica, as mensagens publicadas foram obtidas ilegalmente por um hacker e ela estaria indicando um protocolo consagrado de rotina de higiene nasal.
"A minha cliente nunca induziria alguém com supostas lavagens para que dessem falsos negativos ou para enganar as análises. Nós não estamos na Idade Média", disse.
O advogado reiterou que a legislação portuguesa garante o direito de presunção de inocência e criticou o vazamento de informações sobre os processos à imprensa. Ele afirmou que reportagens com as propostas de punição foram publicadas antes mesmo da notificação oficial a seus clientes. O advogado também negou que a Dra. Margarida tenha se dito contrária ao uso de máscaras em todas as situações.
"Minha cliente, a título pessoal, prestou declarações de que não existem estudos científicos, nos termos da pirâmide de Cochrane, estudos randomizados, revistos por pares, que afiram os benefícios do uso indiscriminado de máscaras para toda a população. A minha cliente nunca disse que as máscaras cirúrgicas, em determinados contextos, nomeadamente interiores hospitalares, não têm importância", completou.
Objetivamente, a revisão da Cochrane sobre métodos de barreira no combate à pandemia – que ainda está em atualização – não encontrou dados que indiquem benefícios expressivos associados ao uso das máscaras para o controle da disseminação do novo coronavírus. Os próprios responsáveis alertaram, no entanto, que é necessário ter cautela com as conclusões.
A maioria dos estudos analisados na revisão foram feitos antes da pandemia. Portanto, são analisados essencialmente os efeitos em outros vírus de transmissão respiratória.
"O alto risco de viés nos estudos, a variação na medição dos resultados e a relativamente baixa conformidade com as intervenções durante os estudos dificultam a obtenção de conclusões firmes e a generalização dos resultados para a atual pandemia da covid-19."
"Há incertezas sobre os efeitos das máscaras faciais. A certeza baixa-moderada da evidência significa que nossa confiança na estimativa do efeito é limitada, e que o efeito verdadeiro pode ser diferente da estimativa observada. Os resultados combinados de estudos randomizados não mostraram uma redução clara na infeção viral respiratória com o uso de máscaras médicas/cirúrgicas durante a gripe sazonal", diz o trabalho. [1]
No momento, a legislação portuguesa obriga o uso de máscaras em espaços fechados na maioria dos casos – com exceção para o momento das refeições nos restaurantes, por exemplo. A proteção facial também é exigida na rua, quando não puder haver distanciamento social.
Siga o Medscape em português no Facebook, no Twitter e no YouTube
Medscape Notícias Médicas © 2021 WebMD, LLC
Citar este artigo: Grupo de médicos que contesta medidas anti-covid encerra atividades em Portugal - Medscape - 2 de março de 2021.
Comente