Governo de Portugal ignora médicos querendo atuar no combate à covid-19

Giuliana Miranda

Notificação

17 de fevereiro de 2021

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Lisboa – Embora a falta de profissionais de saúde seja um dos maiores gargalos do combate à pandemia em Portugal – já tendo obrigado o país a recorrer a ajuda internacional –, mais de uma centena de médicos que se voluntariaram para ajudar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) diz ter sido ignorada pelo governo.

Em uma carta aberta enviada às autoridades em 08 de fevereiro, mais de 140 médicos queixam-se publicamente da situação que, segundo eles, se arrasta há vários meses. Os profissionais afirmam que, enquanto muitas das candidaturas voluntárias não obtiveram qualquer resposta, outras foram recebidas com imposições burocráticas e administrativas sem justificativa aparente.

Em março de 2020, ainda no começo da pandemia, a Ordem dos Médicos de Portugal fez um apelo para que os profissionais de saúde se juntassem, em um esforço coletivo, contra no combate ao SARS-CoV-2.

"Há meses, o senhor Bastonário da Ordem dos Médicos desafiou-nos para manifestar a nossa disponibilidade para participarmos ativamente no combate a esta pandemia fazendo o que sempre fizemos: tratar doentes. Este desafio levou a que milhares de médicos respondessem: presentes. Essa lista foi enviada ao Ministério da Saúde. E nada aconteceu ou foi colocado um conjunto de barreiras administrativas inexplicáveis entre as quais a recusa de trabalho voluntário", diz a carta.

Destacando a situação de descontrole da pandemia, quando Portugal chegou a liderar o ranking mundial de mortes e novos casos por milhão de habitantes, os médicos dizem que o Sistema Nacional de Saúde (SNS) vive um de seus momentos mais difíceis. "Uma situação na qual todos são precisos e ninguém é dispensável."

A maior parte do grupo é composta de médicos que já se reformaram, mas muitos continuam a atuar em hospitais e consultórios privados.

"Achamos incompreensível como não somos chamados a participar neste momento de desespero. Quando os hospitais e Centros de Saúde começam a claudicar por cansaço, por doença. Quando a Saúde Pública todos os dias alerta para a falta de recursos. Estamos aqui e queremos ajudar neste combate. Lutando com toda a nossa energia e materializando tudo aquilo que afirmámos no nosso Juramento de Hipócrates", completaram os médicos no documento.

Após a divulgação da carta, o Ministério da Saúde de Portugal acabou tendo de se explicar no Parlamento. Em reunião na Comissão da Saúde da Assembleia da República, o secretário de Estado Ajunto, Dr. António Lacerda Sales, afirmou que já teve conhecimento da lista.

Em uma audição realizada em 10 de fevereiro, o secretário de Estado, que também é médico, afirmou que os nomes dos profissionais signatários foram enviados às Administrações Regionais de Saúde (ARS) e à Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) para análise.

O Dr. Lacerda Sales disse ainda que já escreveu para os profissionais que se voluntariaram.

"Ainda anteontem enviei uma carta aos 160 médicos que escreveram essa carta, no sentido de, para além de lhes agradecer, lhes dizer que iríamos remeter essa lista – tal como outras – aos principais organismos ARS e ACSS para que possam exercer atividade que será muito útil", afirmou o secretário de Estado adjunto da Saúde. Segundo ele, a lista de profissionais encaminhada pela Ordem dos Médicos também tem sido remetida às entidades competentes.

Alguns dos médicos voluntários, no entanto, dizem continuar sem uma resposta formal do governo. Como é o caso do primeiro a assinar a lista, Dr. Gentil Martins, cirurgião pediátrico: "Infelizmente, só ouvimos palavras lindas, mas a concretização é zero, o que eu não considero que seja correto, porque de facto ou as pessoas são verdadeiras ou enganam as pessoas", disse ele em entrevista à Agência Lusa.

Questionado pela reportagem sobre quais seriam os critérios para a não admissão dos médicos ao SNS, o Ministério da Saúde se limitou a reforçar a informação de que o Secretário de Estado encaminhou os nomes para os setores competentes, bem como a reafirmar o envio de uma carta a todos os profissionais.

Apontado como um exemplo de gestão no começo da pandemia, Portugal viu a situação sair de controle em janeiro de 2021, quando o SNS chegou muito próximo da saturação. O mês registou mais de 42% de todos os contágios e quase 45% dos mortos por covid-19 desde o começo da pandemia; apenas nesses 31 dias, o país de cerca de 10,1 milhões de habitantes, teve 5.576 óbitos por covid-19. Entre março e dezembro de 2020 foram 6.906.

Com hospitais lotados e sob pressão, o governo determinou um novo confinamento geral e pediu ajuda de outros países da União Europeia. Vários responderam, oferecendo ajuda em diferentes níveis. 

A Alemanha enviou uma equipa de 26 profissionais de saúde (com oito médicos) do Exército. O grupo desembarcou no país em 03 de fevereiro e já começou a atuar. A França e o Luxemburgo também se comprometeram a enviar médicos e enfermeiros.
A Áustria e a Espanha também se ofereceram para receber pacientes portugueses em seus hospitais. A transferência, no entanto, não está nos planos do governo.

Apesar do janeiro difícil, o confinamento geral imposto desde 22 de janeiro já começa a dar resultados. A média semanal de infeções caiu mais de 50% em comparação com o fim de janeiro.

O primeiro-ministro, António Costa, afirmou que, mesmo com a diminuição dos novos casos, o lockdown deve se prolongar até março.

Até 12 de fevereiro, Portugal registrava 781.223 casos confirmados de infecção por SARS-CoV-2 e 15.034 mortes por covid-19.

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