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Lisboa – Em mais uma tentativa de reforçar a capacidade de resposta à pandemia da covid-19, o governo de Portugal aprovou a possibilidade de contratar temporariamente médicos formados no exterior, que ainda não tenham concluído o processo de validação de seus diplomas no país.
As exigências da nova legislação, no entanto, limitam bastante o alcance da medida. Por enquanto a decisão pode atingir cerca de 160 médicos, a maioria deles brasileiros.
A medida também facilita a contratação temporária de enfermeiros formados em outros países, mas o governo diz não ter ainda uma estimativa de quantas pessoas estariam elegíveis.
A ausência de recursos humanos é hoje o principal gargalo na gestão da pandemia no país.
Pelo decreto-lei, estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) podem contratar, em caráter excecional, e pelo período máximo de um ano, "titulares de graus acadêmicos conferidos por instituição de ensino superior estrangeira na área da medicina e na área da enfermagem".
É exigido, porém, que os médicos já tenham sido aprovados na primeira etapa do reconhecimento de grau em Portugal: o exame escrito.
Para quem se forma em uma instituição de fora da União Europeia, o processo normal de reconhecimento de diploma médico tem quatro etapas.
Os candidatos de países em que se fala português, como o Brasil, estão dispensados da primeira delas: uma prova de conhecimento da língua.
Segue-se então uma prova escrita de conhecimentos médicos. Caso sejam aprovados, os candidatos são submetidos a uma avaliação prática, que inclui trabalhar diretamente com os pacientes. A quarta e última etapa é uma defesa de tese.
Somente após cumpridas todas estas fases, os candidatos podem pedir a inscrição na Ordem dos Médicos e começar a exercer a profissão em Portugal.
O novo decreto permite antecipar a contratação de profissionais que ainda estão no meio do processo, mas que já tiveram a capacidade de conhecimento médico atestada pelo exame escrito.
Por conta da pandemia, a realização da avaliação prática não ocorreu em 2020. Por isso, há duas "turmas" acumuladas de médicos que já passaram na primeira etapa, mas ainda não realizaram a segunda.
O primeiro grupo, com 48 pessoas, realizou o exame escrito em julho do ano passado. O segundo, com 118, foi aprovado já em janeiro de 2021.
A maioria dos médicos nesta situação realizou a formação no Brasil, mas também há casos de profissionais que concluíram o curso na Venezuela, em Angola, em Moçambique e em Cabo Verde.
A reação entre esses profissionais ficou dividida entre os que comemoraram a possibilidade de antecipar a volta à prática clínica, e os que reclamam das condições laborais precárias oferecidas com o contrato temporário de apenas um ano.
A médica brasileira Dra. Laís Vieira, que concluiu o curso na Escola Paulista de Medicina da Unifesp, em São Paulo, é uma das dispostas a se juntar à linha de frente do combate à pandemia em Portugal. Ela foi aprovada no exame escrito em julho de 2020.
"A partir do momento em que decidi ser médica, que decidi ser profissional de saúde, me pus à disposição para ajudar quando fosse preciso. Eu sei que é algo temporário, mas, se for necessário neste momento, me disponho a ajudar", afirmou.
"Se depois eu tiver de retomar o processo de validação, ou seguir com ele enquanto exerço funções temporariamente, para mim não é um problema", completa.
Entre os profissionais de saúde portugueses, a medida também não é unanimidade. A Ordem dos Médicos afirma que ainda vai analisar em detalhes a situação antes de se pronunciar. Já a Ordem dos Enfermeiros foi enfática ao reprovar a medida. No caso dos enfermeiros, o novo decreto é mais amplo.
Os estabelecimentos do SNS podem contratar, por até um ano, indivíduos com formação superior em enfermagem em instituições "de nível idêntico aos dos graus de licenciado conferidos pelas instituições de ensino superior portuguesas".
Além disso, é preciso que eles cumpram ao menos um de dois requisitos: ter concluído um ciclo de estudos com, pelo menos, 3.600 horas de ensino, das quais 1800 horas em ensino clínico, ou ter mais do que cinco anos de experiência profissional na área clínica. O governo disse ainda não saber precisar quantos profissionais de enfermagem seriam abrangidos pela medida.
Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, ameaçou levar a questão aos tribunais. A bastonária diz que pode ser difícil para os estabelecimentos contratantes conseguirem verificar a autenticidade dos diplomas. Ela também critica a não exigência de comprovação de domínio da língua portuguesa para os enfermeiros formados no exterior.
"Nós interpretamos que o decreto permite que se contrate alguém que nem é enfermeiro, pois quem está a contratar não tem mecanismos, como tem a Ordem, para verificar se os diplomas são falsos ou verdadeiros – e temos muitas situações dessas na Ordem – e pode contratar alguém que não fala português, pois nada se diz sobre a questão da língua", afirmou Ana Rita Cavaco, em entrevista à TSF.
Nos últimos anos, por conta dos baixos salários e da dificuldade de progressão na carreira, muitos enfermeiros portugueses optaram por trabalhar em outros países da União Europeia. O Reino Unido e Espanha são os principais destinos.
Segundo estimativa da Ordem dos Enfermeiros, há mais de 20 mil profissionais da área portugueses atuando no exterior.
Para tentar conter a saída desses profissionais durante a pandemia, o governo português criou uma regra que permite aos hospitais negarem pedidos de demissão de médicos e enfermeiros enquanto vigorar o Estado de Emergência no país.
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Citar este artigo: Portugal autoriza contratação de médicos e enfermeiros formados no exterior - Medscape - 9 de fevereiro de 2021.
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