Mais de 90% dos médicos brasileiros enfrentando a covid-19 têm sinais de exaustão: pesquisa

Mônica Tarantino

Notificação

5 de fevereiro de 2021

Nota da editora: Veja as últimas notícias e orientações sobre a covid-19 em nosso Centro de Informações sobre o novo coronavírus SARS-CoV-2.

Um ano após o início da pandemia, os médicos e as médicas que atuam na linha de frente estão sobrecarregados, se ressentem da falta de diretrizes claras e anseiam por mudanças no sistema de saúde brasileiro. É o que informa a mais recente pesquisa realizada pela Associação Paulista de Medicina (APM) e pela Associação Médica Brasileira (AMB) para conhecer a percepção dos médicos na luta contra a covid-19.

No total, 3.882 profissionais responderam a um questionário on-line no início de janeiro. Mais da metade dos participantes do levantamento (54%) atua na linha de frente de combate ao coronavírus em instituições públicas, privadas ou em ambas. Esta foi a quarta pesquisa realizada no estado de São Paulo e a primeira em âmbito nacional.

A maioria dos entrevistados (91,5%) observa uma tendência de alta no número de novos infectados e de óbitos (69,1%). A segunda onda da covid-19 (há controvérsias se o aumento no número de casos pode ser chamado assim) é considerada tão ou mais grave do que a primeira por 80,8% dos médicos.

As respostas dos médicos sobre os seus pares indicam que 92,1% apresentaram algum sintoma associado a estresse em grau avançado, como dificuldade de concentração, mudanças bruscas de humor ou ansiedade.

Cerca de 23,4% dos participantes da pesquisa já tiveram covid-19. "Um em cada quatro médicos teve a doença, contra 4,3% da população em geral. O médico tem quase 5,5 vezes mais chances de contrair covid-19", disse o Dr. César Eduardo Fernandes, presidente da AMB.

Um dos dados trazidos pelo levantamento é que 34,7% dos respondentes ainda consideram o uso de cloroquina no tratamento da covid-19. A ineficácia da substância já foi bem documentada por estudos rigorosos. Destes profissionais, 28,2% apostam no medicamento apenas quando as manifestações da covid-19 já estão instaladas.

A ivermectina, outro medicamento comumente associado ao tratamento precoce – apesar da falta de evidências sólidas –, foi considerada ineficaz por 58,6% dos médicos; ou seja, 41,4% apostam no medicamento, sendo que a maioria acredita que deva ser administrado apenas quando a doença já está instalada.

"Estudos controlados, os chamados ensaios clínicos, que têm validade para atestar a eficácia e segurança, não atestam a eficácia da cloroquina e da ivermectina, e apontam que esses medicamentos não atenuam a doença e não reduzem a mortalidade. E vale mencionar que não são isentos de efeitos colaterais", disse o Dr. Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM.

"Por que os médicos insistem nisso? Eu acredito que é pela falta de uma fala uníssona, unidirecional, das autoridades de saúde constituídas públicas e privadas. A falta de uma diretriz clara causa confusão", disse o Dr. César. "É como ter, numa trincheira de luta, soldado que atira pra frente e soldado que atira para trás."

O médico falou também sobre o uso de dexametasona e anticoagulantes: "São medicações válidas, mas especialmente nos casos em que os quadros se agravam."

Em relação à imunização contra a covid-19, 97,5% dos médicos que responderam ao questionário on-line disseram que tomarão o imunizante e recomendarão que seus pacientes façam o mesmo, no entanto, 2,5% informaram que não irão se vacinar.

Outro aspecto investigado foi o impacto das notícias falsas no combate à pandemia. Um total de 91,6% dos participantes da pesquisa citou a interferência negativa da desinformação no processo de assistência médica, com o fomento do descrédito na ciência, a dificuldade de os pacientes aceitarem as decisões dos profissionais de saúde, o desprezo às medidas de distanciamento físico e a pressão para que prescrevam medicamentos sem comprovação científica.

De acordo com a pesquisa, o descompromisso de parcela da população com as medidas de prevenção é visto pelos médicos como mais um comportamento indesejável influenciado pela desinformação. "Precisamos ter maior adesão da comunidade às medidas básicas de contenção da pandemia, como o uso constante de máscara, o distanciamento social, evitando aglomerações, utilizando o álcool em gel. Isso precisa estar presente, porque é a nossa realidade para os próximos anos", disse o Dr. José Luiz Gomes do Amaral.

Cerca de 52,3% dos profissionais reprovaram a atuação do Ministério da Saúde na condução da pandemia; 21,5% consideraram o desempenho do Ministério como com ou ótimo; e 26,2% permaneceram neutros.

Em uma linha do tempo, considerando as três pesquisas anteriores, o índice de aprovação do Ministério da Saúde durante a gestão do Dr. Luiz Henrique Mandetta era de 72%; na gestão do Dr. Nelson Teich o índice despencou para 17,9%; quando o general Eduardo Pazuello assumiu o Ministério o índice caiu para 15,6%; e hoje o índice de aprovação está na faixa de 16,6%.

"Os médicos acham que as autoridades de saúde têm que fazer muito mais ainda para se ter um resultado satisfatório, que não temos neste momento. Do ponto de vista da coordenação central, perdemos muito com a falta de um Ministério que se comunique bem com a sociedade. Se não houver um bom entendimento entre todos, nós teremos muita dificuldade para superar este momento", disse o Dr. José Luiz Gomes.

Cerca de 64% dos respondentes disseram que têm se deparado com deficiências básicas na assistência médica durante a pandemia. A falta de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde foi o primeiro ponto apontado, o segundo foi a ausência de diretrizes, orientações ou programas para auxiliar o atendimento e o terceiro foi a escassez de leitos em enfermarias ou unidades de terapia intensiva (UTI). A carência de equipamentos de proteção individual (EPI) veio logo a seguir.

Surpreende também o percentual de médicos que consideram um equívoco o fechamento dos hospitais de campanha: 81,4%.

"No início da pandemia essas deficiências foram apontadas, mas há poucas diferenças entre o que vimos naquela época e o que vemos agora. A expectativa era que, a essa altura, esses problemas estivessem sanados. Mas vimos agora em Manaus que surgiu outra variável – a falta de oxigênio – em função da demanda determinada pela segunda onda. Há, portanto, mais um item nessa lista de lacunas", disse o Dr. José Luiz Gomes.

"Apontar essas deficiências é importante para que os serviços de saúde não se descuidem. Precisamos nos preparar, porque há uma possibilidade imensa de que a onda em Manaus se faça sentir em outras cidades do Brasil", disse o médico.

A falta de profissionais também tem um impacto relevante. Para melhorar esse cenário, a AMB está organizando uma força-tarefa de voluntários para atender áreas que enfrentam o recrudescimento da doença.

Mais sobre a pesquisa

Os homens representaram 55% dos respondentes, enquanto 47,7% foram mulheres. No Brasil, 53,4% dos médicos são homens e 46,6% são mulheres. A margem de erro é de 1,5 ponto percentual acima ou abaixo. Segundo a pesquisa Demografia Médica de 2020, a região Sudeste concentra 53,2% dos médicos e médicas do país, seguida pelas regiões Nordeste (18,4%), Sul (15,3%) Centro-Oeste (8,5%) e Norte (4,6%).

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