Especialistas debatem cuidados da gestante com problemas endócrinos

Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)

Notificação

6 de janeiro de 2021

Alguns problemas endócrinos estão associados a redução da fertilidade, tal como obesidade e hipopituitarismo. Quando mulheres que apresentam esses quadros engravidam é necessário um cuidado especial. Gestantes pós-cirurgia bariátrica e com hipoparatireoidismo também requerem atenção redobrada. O manejo da gestante com problemas endócrinos foi tema do simpósio realizado durante o 34º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia (CBEM), evento on-line promovido pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) no final de 2020. A sessão foi moderada pela Dra. Luciana Antunes de Almeida Secchi, médica endocrinologista e membro da comissão científica do evento, e pelo Dr. Wellington Santana da Silva Junior, médico endocrinologista e professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Atenção após a cirurgia bariátrica

Hoje em dia a infertilidade (quando causada ou agravada pela obesidade e passível de melhora com a perda de peso) já é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) como indicação de cirurgia bariátrica em mulheres e homens com índice de massa corporal (IMC) > 35 kg/m2.

Segundo o Dr. Bruno Halpern, médico do Hospital 9 de Julho, vice-presidente da Federação Latino-Americana de Obesidade (FLASO) e diretor do Departamento de Relações Internacionais da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), a literatura mostra que há restauração dos ciclos anovulatórios em 71% das mulheres após a cirurgia bariátrica. [1]

“Devemos sempre explicar para a paciente que ela precisará usar métodos anticoncepcionais imediatamente após a cirurgia bariátrica, mesmo que tenha história de infertilidade, e que há necessidade de manutenção do método anticoncepcional efetivo por 12 a 18 meses após o procedimento”, afirmou, lembrando que este período foi estabelecido por consenso, [2] porque é quando ocorre a perda ponderal ativa e, portanto, não se recomenda que exista gestação durante uma fase em que a mulher terminará a gravidez mais magra do que quando esta foi iniciada.

Quanto ao método anticoncepcional, a recomendação, segundo o palestrante, é não utilizar contraceptivos orais, porque não se sabe sobre sua real absorção após a cirurgia bariátrica. [2] "Isso vale tanto para by-pass gástrico (RYGB) quanto para gastrectomia vertical em sleeve (SG). Existem outras formas contraceptivas que podem ser usadas nesses casos, por exemplo, DIU Mirena®/Kyleena®/cobre, anticoncepcionais injetáveis, implante hormonal, anel vaginal e preservativos", afirmou.

Idealmente, a gestação pós-cirurgia deve ser programada, e as reposições de vitaminas e micronutrientes devem ser iniciadas ainda no período pré-concepcional. “O pré-natal deve ser realizado por equipe multidisciplinar (obstetra, nutricionista, endocrinologista, psicólogo), com revisões mensais”, ressaltou, lembrando da importância da reposição com polivitamínicos, ácido fólico, ferro, vitaminas do complexo B, cálcio e vitamina D3.

“A suplementação nutricional deve ser estimulada e individualizada de acordo com preferências à tolerância da gestante”, pontuou o Dr. Bruno.

Durante o pré-natal, há necessidade de cuidado especial também com hérnia interna. “Pode acontecer em até 8% das mulheres pós-cirurgia bariátrica, e isso é um risco relativamente importante, estando a hérnia associada inclusive a risco de perda fetal e materna se não for bem diagnosticada. É importante que a mulher que fez cirurgia bariátrica e engravidou saiba que, se tiver dor abdominal aguda, deve procurar rapidamente um médico para avaliar se pode ser eventualmente uma hérnia interna. Dor abdominal aguda e sintomas de oclusão intestinal são os fatores principais que vão levar a preocupação”, destacou o palestrante, lembrando que o melhor exame para detectar esse evento é a tomografia computadorizada.

Outra questão importante nesse contexto diz respeito ao rastreio e diagnóstico de diabetes gestacional: “não devemos fazer teste oral de tolerância à glicose (TOTG) em mulheres pós-cirurgia bariátrica, porque tem um risco grande de sintomas de hipoglicemia pós-prandial”, alertou o Dr. Bruno, e lembrou que ainda não existe uma padronização para o rastreio nessa população, porém alguns estudos sugerem avaliação com glicemia capilar de sete pontos ou uso de monitorização contínua da glicose entre a 24ª e a 28ª semana. [2]

Quanto aos desfechos de gestação pós-cirurgia bariátrica, a literatura traz como pontos que podem afetar negativamente o bebê um aumento do risco de microssomia [3] e de o bebê nascer pequeno para a idade gestacional. [4] No caso da mãe, a anemia [4] parece ser a principal questão, reforçando, segundo o especialista, a importância da reposição vitamínica.

Hipoparatireoidismo durante a gestação

O hipoparatireoidismo é uma doença rara. Segundo a Dra. Carolina Aguiar Moreira, médica endocrinologista da Fundação Pró-Renal de Curitiba e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), estima-se que a prevalência da doença seja de 0,25 por 1.000 indivíduos, e o quadro é caracterizado por deficiência do paratormônio (PTH). “A causa mais comum é a destruição da paratireoide, geralmente depois de uma cirurgia na região cervical. Essa deficiência leva a hipocalcemia, o que aumenta a morbidade. Os pacientes com hipoparatireoidismo apresentam muitas queixas e têm a qualidade de vida reduzida”, explicou a médica durante sua apresentação, lembrando que a ausência do PTH também acarreta hiperfosfatemia e redução da reabsorção urinária de cálcio.

Devido a um mecanismo adaptativo do organismo voltado para promover a mineralização do esqueleto do feto durante a gestação, a gestação é marcada por uma maior disponibilidade de cálcio sérico. Com isso, explicou a médica, em geral as pacientes com hipoparatireoidismo que engravidam acabam necessitando de menos suplementos de cálcio e calcitriol, e tendo um maior controle da calcemia; “ou seja, uma paciente que sempre teve cálcio no limite baixo (7,0 mg/dL a 7,5 mg/dL) quando engravida tem os valores de cálcio normalizados, ficando em 8,5 mg/dL a 9,0 mg/dL”, explicou, destacando, no entanto, a necessidade de manter uma monitorização frequente do cálcio durante a gestação. “Recomenda-se dosagem de cálcio mensal, porque muitas vezes a gestante já está tomando uma dose alta e, com o aumento da proteína relacionada com o hormônio da paratireoide (PTHrp) e dos outros processos que acontecem para aumentar a calcemia durante a gravidez, às vezes, ocorre hipercalcemia. O objetivo da monitorização é então ter controle para evitar tanto a hipo quanto a hipercalcemia”, destacou.

As recomendações atuais estabelecem como meta para as gestantes com hipoparatireoidismo manter um valor de cálcio mais baixo do que o valor de referência da normalidade, por exemplo, 8,0 mg/dL a 8,3 mg/dL. [5] “Não temos como objetivo manter o cálcio entre 9,0 mg/dL e 9,5 mg/dL, porque isso pode levar a hipercalcemia. Vale lembrar também que a gestante faz hipercalciúria então, se o cálcio sérico aumentar muito, aumentará a hipercalciúria, o que vai aumentar o risco de nefrolitíase”, explicou, e acrescentou que a falta de controle do hipoparatireoidismo durante a gestação aumenta o risco de aborto.

As diretrizes [5] destacam que o cálcio e o calcitriol são seguros durante a gestação, mas as doses precisam ser ajustadas, geralmente, exigindo redução. "Se a paciente toma hidroclorotiazida, que é uma medicação usada para combater a hipercalciúria, ela deve ser suspensa, porque é risco categoria B na gestação. Se a paciente toma paratormônio, um medicamento que não usamos no Brasil para o hipoparatireoidismo, mas que é usado em outros países, também deve ser suspenso. Os exames de fósforo, magnésio, cálcio na urina 24 horas e 25OH vitamina D devem ser mantidos dentro dos valores de referência e o cálcio sérico deve ser monitorado mensalmente”, orientou a Dra. Carolina, acrescentando que, independentemente da presença de hipoparatireoidismo, o nível desejado de 25OHvitamina D na gestação é ≥ 30 ng/mL, porque os desfechos na gestação como um todo são melhores. [6] 

A médica lembrou que, durante a lactação também é importante dosar o cálcio nas pacientes com hipoparatireoidismo após o parto e ajustar as medicações. "Como os mecanismos adaptativos já não estão mais tão importantes na lactação, geralmente após a lactação existe a necessidade de aumentar a dose de cálcio e de calcitriol para manter o cálcio na meta no valor inferior ao da normalidade", disse.

Gestante com hipopituitarismo

O hipopituitarismo reduz a fertilidade, no entanto, há tratamentos eficazes para induzir a gravidez. Segundo o Dr. Manoel Ricardo Alves Martins, médico endocrinologista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), a literatura mostra que, com indução da ovulação, é possível atingir uma taxa de gravidez de cerca de 70% e, em aproximadamente 80% dessas gestações, os bebês nascem bem. [7] “Com a indução da fertilidade, o prognóstico é bom, porém, como no Brasil grande parte dessas pacientes é tratada no serviço público de saúde, a principal dificuldade é ter acesso ao tratamento de fertilidade. Esse é um ponto que precisamos trabalhar dentro do Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirmou o médico em sua apresentação.

Uma vez que a gestação ocorre, é necessário então repor as deficiências dessas mulheres durante a gravidez e, para cada eixo, existem recomendações diferentes. Quanto às recomendações de reposição de glicocorticoides, o Dr. Martins lembrou que a hidrocortisona é o tratamento de escolha na gravidez, porque é degradada na placenta, então tem efeito na mãe, mas não alcança o feto. “Na preconcepção recomenda-se manter a dose e trocar para hidrocortisona quando a paciente estiver tomando outro tipo de corticoide. No primeiro e no segundo trimestres, em geral, a dose é mantida, exceto se houver sintomas. No terceiro trimestre, a dose pode ser mantida, mas uma parte significativa das pacientes precisa de aumento da dose em torno de 30% a 40% em relação ao basal. No parto vaginal, está indicada uma dose de 50 mg de hidrocortisona no período expulsivo, no trabalho de parto. No parto cesáreo, 50 mg a 100 mg de hidrocortisona a cada oito horas até voltar a tomar corticoide via oral e no pós-parto voltar para a dose basal, exceto se tiver evoluído para alguma complicação”, [7] orientou.

Quanto ao eixo tireotrófico, deve ser mantido o mais próximo do normal. De acordo com o especialista, a monitorização de tiroxina livre circulante no sangue (T4L) e tiroxina total (T4T) deve ser feita a cada quatro a seis semanas. Na preconcepção a dose deve ser mantida, mas é importante assegurar que a paciente esteja em eutireoidismo, tentando manter o T4 na metade superior da referência. No primeiro trimestre, a recomendação é aumentar em torno de 20% a 30% em relação ao basal, mas seguir avaliando. Esse esquema deve ser mantido durante toda a gravidez e durante o parto. Já no pós-parto a orientação é voltar para a dose pré-gravidez. [7]

Em relação ao eixo somatotrófico, o Dr. Martins destacou a importância de fazer reposição do hormônio do crescimento (GH, sigla do inglês Growth Hormone) antes da gravidez. Durante a gestação, no entanto, em geral, ele é suspenso.

Outro ponto que, segundo o especialista, merece atenção é o diabetes insipidus. “Temos que tomar cuidado com pacientes com hipopituitarismo que não têm diabetes insipidus aparente, pois durante a gravidez elas podem desenvolver a doença, o diabetes insipidus pode ser ‘desmascarado’ por conta da vasopressinase”, explicou. As recomendações mostram que a desmopressina é segura na gravidez e deve ser continuada. “Geralmente, a dose é mantida, mas pode ser que em alguns casos seja preciso aumentar um pouco”, disse.

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